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Daytona, Goodwood, Le Mans, Monte Carlo e Spa são nomes consagrados do automobilismo mundial e que anualmente recebem eventos focados em automóveis clássicos que já competiram no asfalto desses circuitos dos EUA, Inglaterra, França, Mônaco e Bélgica. Entre nós, a preservação da memória do automobilismo é um espaço próprio e habitado por poucos abnegados, entre eles a Dana. Marca que está entre os principais nomes da indústria mundial de autopeças, a filial brasileira da empresa tem se mostrado um alicerce da construção de tal movimento.

Após a restauração do Fittipaldi FD-01, primeiro carro de F-1 projetado e construído no País, a empresa expandiu seu investimento na recuperação de outro importante automóvel do esporte a motor brasileiro: o Chevrolet Opala que o piloto Fábio Sotto Mayor levou a mais de 315 km/h em um trecho da estrada Rio-Santos para estabelecer um novo recorde de velocidade em linha reta em 1991. Na média de duas passagens, uma em cada sentido do trecho cronometrado, o resultado foram impressionantes 303, 157 km/h. Como que a valorizar ainda mais essa conquista cabe lembrar que em 19 anos mais tarde, um stock car pilotado por Cacá Bueno e equipado com motor V8 instalado em um chassi construído especialmente para competição, chegou a 345 km/h em Boneville, EUA, uma pista considerada ideal para estabelecer recordes de velocidade.

Pelas normas da Federação Internacional do Automóvel (FIA), a tentativa de estabelecer o recorde teve que ser realizada num trecho de cinco quilômetros – dois para aceleração, um para medir a velocidade e mais dois para frear -, em um local ao nível do mar. O resultado homologado é a média de duas passagens, uma em cada sentido e no intervalo de 15 minutos. Se os parâmetros impostos pela entidade internacional foram seguidos à risca e supervisionados pela Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA), a recriação do carro usado no dia 15 de outubro de 1991 desbravou caminhos tortuosos em busca de artesãos capazes de reconstruir fielmente as características daquele Opala equipado com uma carenagem especial e que, à época, era a base do Campeonato Brasileiro de Stock Car.

“Quando recuperamos o Fittipaldi FD-01, tivemos a orientação direta de Wilson Fittipaldi Júnior e de Darci Medeiros, chefe dos mecânicos da equipe”, conta Luis Pedro Ferreira, Diretor de Marketing da Dana e coordenador do projeto que buscou homenagear aquele que foi o Opala mais veloz do Brasil. “Com a curadoria de Douglas Cavallari, um amigo e parceiro do projeto dos Copersucar, recorremos a várias fontes de informação, combinando meios digitais e físicos, um trabalho de arqueologia e também um exercício de memória, 30 anos depois do Fabinho estabelecer o recorde. Foi uma aventura, cheia de vitórias e um sem fim de percalços. Mas o resultado final valeu a pena. ”

O trabalho teve início com a busca de um automóvel usado na Stock Car semelhante ao usado por Sotto Mayor em Bertioga e que se enquadrasse no regulamento vigente entre 1987 a 1993. Nessa época, a General Motors havia suspendido seu apoio à categoria e como represália à tal medida, as equipes e preparadores desenvolveram uma carenagem que escondia as linhas da carroceria do Opala.  O produto final disfarçou bem a estrutura mecânica que havia por baixo dessa “casca” construída em fibra de vidro reforçada com plástico. Mas era preciso encontrar um carro com a carenagem utilizada pelos Stock Car entre 1990 a 1993, bem diferente da que ocultou os Opalas até 1989. Um modelo com pedigree de campeão foi encontrado pelos “perdigueiros” de Douglas em Artur Nogueira, interior de São Paulo, era uma réplica do carro que levou a dupla formada por Angelo Giombelli e Ingo Hoffmann ao título da temporada de 1993.

A “casca” era montada por três partes principais: o capô dianteiro, o capô traseiro um par de laterais que selavam as portas do cupê. Para reforçar o distanciamento do Stock Car com o Chevrolet Opala que servia de base, a carroceria recebia uma cobertura de fibra de vidro.

Embora as primeiras avaliações indicassem que estava tudo em ordem, o que parecia um excelente início da empreitada, revelou-se o começo de uma série de descobertas que, se não colocaram o projeto em risco, sem dúvida consumiram muitas horas de reflexão e trabalho extra. O primeiro obstáculo foi recuperar a parte interna do carro, algo totalmente marcado pelo tempo e pela manutenção quase inexistente de sua estrutura. A cada problema resolvido vencido surgiam outros dois ou três. O maior de todos e que justificou até pesquisas no Exterior foi a busca por encontrar peças idênticas às usadas em 1991 e que há tempos não eram mais fabricadas. Exemplo disso são as dimensões dos pneus na medida 265×40 e Aro 16”.

A obstinação de manter a originalidade no mais alto padrão possível pode ser representada pelos mais de 3.500 km quilômetros rodados em São Paulo e arredores na busca de artesãos, técnicos e provedores de equipamentos, idas e vindas entre uma oficina e outra. O carro foi transportado em plataforma de um local ao outro para que certas fases do projeto fossem concluídas. Procurando oficinas que recebessem o carro e seus profissionais, no meio da pandemia, levando equipamentos especiais que uma determinada oficina não dispunha e, com isso, cumprir a missão de recriar o carro icônico.

As peças fabricadas pela Dana foram obtidas e instaladas com a colaboração de técnicos e mecânicos especializados em cardan e diferencial. O famoso eixo traseiro Dana 44 e seu cardan da série 1810, dobradinha robusta e confiável que é sonho de consumo de qualquer apaixonado pelo Chevrolet Opala, foram encomendados para as fábricas de Gravataí e Sorocaba e devidamente instalados por especialistas.

Já os componentes fabricados especialmente para a Stock Car criaram um outro cenário. Exemplo típico são as rodas de liga leve e os pneus Pirelli usados na época. O carro tinha um jogo de rodas originais para os pneus tala larga 265x40xR16 mas o recorde foi quebrado com um outro jogo, de aro 14, uma configuração mais baixa e mais agressiva, de acordo com a empreitada da quebra do recorde. Um colecionador tinha as rodas – devidamente pintadas de amarelo como as originais e os pneus vieram de um fabricante do exterior.

Um banco de passageiro para um convidado poder sentir as emoções com o piloto foi adicionado. A carroceria instalada sobre o monobloco do automóvel original não tem portas, o que exige uma boa flexibilidade e condição física do condutor para entrar no cockpit. Um piloto de competição é um atleta de alta capacidade, capaz de entrar normalmente em um carro que não tem portas, mas certamente este será um desafio para os convidados. Em linha com a fidelidade absoluta ao projeto original, alterar a carroceria para receber duas portas não foi sequer considerada.

Muito além das limitações de informações e da ausência de nomes importantes no desenvolvimento e acerto do icônico modelo fabricado em São Caetano do Sul, como o preparador de chassi Luiz Carlos Zereu, também foi difícil a obtenção de peças usadas no carro, particularmente no motor Chevrolet seis cilindros semelhante aos usados nos Opalas 4100 e nas corridas de Stock Car. Exemplo típico foi a busca pelos três carburadores italianos Weber 44 IDF que alimentaram o motor Chevrolet de seis cilindros em linha e o respectivo coletor de admissão. Ferreira exemplifica as agruras dessa busca:

“Os carburadores escolhidos pelo Camilinho foram os Weber IDF 44, produto que não é mais fabricado na Itália. As cópias encontradas no mercado até funcionam, mas o resultado não é o mesmo e procuramos usar peças novas sempre que possível. Novamente optamos por buscar um kit original, encontrado na Espanha.”

A dificuldade em encontrar os carburadores se estendeu ao coletor de admissão específico e instalado no carro original. Esta peça acabou sendo fabricada com base em desenhos, fotos e informações colhidas entre preparadores que atuavam na época e que se dispuseram a colaborar.

A fase final da recuperação foi uma soma de garimpo longínquo por pneus – que vieram de um fabricante de pneus clássicos de corrida na Inglaterra, obtidos graças a gentil ajuda de Dave Byron, amigo e super-aficcionado pelo antigomobilismo – e as providenciais intervenções de Anderson Marossi, mecânico e opaleiro de mão cheia, que acolheu e resolveu o sem fim de problemas que assolavam a recuperação do carro. Sem ele e sua Automania no coração da Moóca, não teriamos finalizado o projeto. Gratidão e admiração resumem nossos sentimentos.

Wagner Gonzalez, Revista Curva 3, edição especial