Um filme com dois filmes sobre um terceiro filme. Todos “de mentira”, mas com pretensão de dizer as verdades que nem sempre se consegue expressar na vida real. Pode-se resumir assim Sal de prata (Brasil, 2005), o quarto longa do diretor gaúcho Carlos Gerbase, que estréia hoje no Rio Grande do Sul, no Paraná, em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Sal de prata (que contou com o apoio da Dana) chega ao circuito comercial um pouco chamuscado pelo desempenho no Festival de Gramado, em agosto. Subiu a Serra cercado de expectativa – é uma produção da prestigiada Casa de Cinema de Porto Alegre (a mesma de Tolerância, do próprio Gerbase, e O homem que copiava, de Jorge Furtado) com atores globais. Mas, além de ser friamente recebido pela crítica, saiu de lá com só um Kikito – pela montagem de Giba Assis Brasil -, ainda que merecesse também os de roteiro (escrito por Gerbase) e atriz coadjuvante (Camila Pitanga).
– Sal de prata é um filme que tu tens que ver e pensar um pouco nele. Festival tem aquele clima de “quem vai ganhar?”, acho que não é o melhor momento para assisti-lo – reconhece hoje Gerbase, que acrescenta ter ficado “satisfeito” com a vitrine que o longa ganhou.
De fato, a segunda metade da trama requer atenção do espectador. Antes, no início, ocorre a súbita morte de um diretor de curtas, Rudi Veronese (Marcos Breda). Ele sofre um infarto em meio a uma discussão sobre a validade do vídeo digital ou a exigência de película em um concurso cinematográfico (“Tem que ser sal de prata!”, diz um personagem, referindo-se à substância química que torna o negativo sensível à luz). Veronese deixa para trás a namorada, Cátia (Maria Fernanda Cândido), uma bem-sucedida analista financeira, e uma série de roteiros inacabados – que ela descobre ao xeretar em seu laptop, primeiro movida por ciúme (estaria ele tendo um caso com a atriz Cassandra, personagem de Camila Pitanga?), depois, à procura do sentido que a arte dá para a vida.
Os fragmentos despertam o interesse dos amigos de Veronese: o cineasta de sucesso Valdo (Bruno Garcia), o publicitário João Batista (Nelson Diniz) e o pé-rapado Holmes (o divertido Júlio Andrade). Gerbase, então, engendra uma brincadeira metalingüística, com dois diretores rodando um filme sobre um jovem que inventa um filme para conquistar uma atriz. Apesar dos percalços – tanto desses personagens quanto de Sal de prata em si (certas inverossimilhanças, algumas apáticas atuações, a trilha com composições de Schubert e Mendelssohn, entre outros, que propõe uma carga dramática superior à que se vê na tela) – , é uma baita declaração de amor, que, por fim, se estende ao próprio cinema. (Zero Hora/ Ticiano Osório)