No interior dos estados do Centro Sul do Brasil, os viajantes procuram munir-se de precauções antes de suas viagens. Um rolinho de fumo e uma garrafa de cachaça são fundamentais para garantir uma viagem tranquila e, quem sabe, a fortuna.
Quando cai a tarde, o sol já se pôs no horizonte e o lusco-fusco do anoitecer toma conta da paisagem, é a hora do perigo. Ele vai aparecer. Primeiro um redemoinho, arrastando consigo as palhas e folhas espalhadas pelo chão. Depois um assobio estridente, de doer a cabeça. E haja paciência e coragem para aturar as molecagens do Saci Pererê.
Esse negrinho baixinho, com apenas um metro e meio de altura, nu, com um barrete vermelho na cabeça e um pito no canto da boca, aparece para atazanar a vida de quem estiver pela frente; gente ou bicho. Quando pega um cavalo, que laça com destreza, trança sua crina fazendo dela uma espécie de estribo. Monta o bicho e sai em desabalada carreira pelo campo. E monta com uma perna só!
O Saci Pererê é assim. Caminha dando saltos ou girando e provocando um redemoinho. O cavalo em disparada fica cada vez mais apavorado. E o Saci assobia e farreia. Quando não mete os dentes no pescoço do cavalo, sugando com prazer o sangue do animal, o Saci abandona a montaria, deixando-a em estado deplorável, completamente extenuada pela correria e pelo sangue perdido. E parte para outras molecagens.
Invade a casa dos moradores da região e com suas mãos furadas (sim, ele tem as mãos furadas) brinca com as brasas das fogueiras. Joga-as de uma mão para a outra morrendo de rir quando elas passam pelos buracos e caem no chão.
A carapuça do Saci é mágica. Quem conseguir tirá-la terá o negrinho como escravo, pronto a entregar qualquer fortuna em troca do gorro.
E para quem quiser aventurar-se na captura do Saci, a receita é a seguinte: espere que apareça um redemoinho e atire uma peneira de cruzeta sobre ele. O Saci ficará preso sob a peneira. É só enfiar a mão com cuidado e pegar o gorro. Outra receita é lançar no Saci um rosário de capim.
Quando o Saci aparece para atazanar os viajantes, o remédio é lançar mão da cachaça e do fumo, presenteando o danadinho e torcendo para ele seguir seu caminho.
Quebrar telhas, judiar das galinhas, espalhar farinha, mexer nos ninhos gorando os ovos, fazer cócegas e puxar as cobertas, pular na garupa dos cavalos, assobiar estridentemente, atazanar os cachorros… O Saci é um demônio que parece viver para molecagens.
Alguns dizem que os Sacis eram filhos de escravas negras, provavelmente fecundadas pelos próprios senhores, e que eram abandonados nas matas onde morriam pagãos, virando Saci.
O Saci é a lenda mais popular no Brasil, estando presente principalmente nos estados do Sul e aparecendo em centenas de registros, crônicas e contos.
Origem da lenda
Poucos seres fantásticos apresentam uma identificação tão evidente com o espírito brincalhão e bem-humorado do brasileiro como o Saci e suas diabruras. Sofrendo algumas modificações regionais, ele é típico habitante das zonas rurais, dividindo com o Curupira o título de mais popular duende do Brasil.
Monteiro Lobato, famoso escritor brasileiro, que em sua obra dedicou atenção especial à literatura infantil, foi talvez o responsável pela popularização do mito, na forma como é conhecido pelos habitantes das grandes cidades brasileiras.
Já Câmara Cascudo, no “Dicionário do Folclore Brasileiro”, acredita que a lenda do Saci tenha nascido no século XIX ou no final do século XVIII, tendo como origem elementos de outras culturas.
Teófilo Braga, por sua vez, em seu “O Povo Português nos seus Costumes, Lendas e Tradições” (Lisboa,1885), cita a existência de um pretinho de barrete encarnado, gracioso, que atormenta as crianças portuguesas com suas artes.
Petrônio, no “Satyricon”, cita também a crendice romana de que o pileus (carapuça vermelha) do íncubo (espécie de demônio) daria riqueza a quem o tomasse.
Mesmo originário de outras culturas, o Saci incorporou perfeitamente características que o tornaram quase que bem-vindo, pois poucos duendes são tão bem-humorados.
DobraDana
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