Conta-giros
Encontrar os fabricantes dos famosos instrumentos Smiths, originais do carro, não apresentou maiores problemas. A Smiths ainda mantinha uma linha de produtos chamada ”Classic Racing Line”, com o mesmo design dos anos 70, mas a resposta da empresa não foi muito animadora. Apesar do desenho dos conta-giros ter sido mantido nas últimas três décadas, eles não produziam mais o modelo de acionamento por cabo de aço – usado no FD-01- substituindo-o pelo de funcionamento elétrico e eletrônico. O visual era o mesmo, mas o sistema não se encaixava no Fitti-1. No entanto, foi o próprio pessoal da Smiths que abriu uma outra possibilidade, sugerindo um contato com John Marks, da Vintage Restorations. Trata-se de um artesão-relojoeiro, especialista em réplicas e que trabalha com instrumentos de automóveis antigos.
Mr. Marks, um esmerado e exigente técnico, começou por solicitar o envio de fotos do instrumento original no painel, detalhes específicos do carro, motor, mecanismo de acionamento e o tipo de cabo. Após dois meses de trocas de informações, Marks comunicou que o tão esperado conta-giros estava pronto e avisou: ”Podem mandar sua empresa de transportes retirar a peça”. Um mês depois, vencidos os trâmites burocráticos alfandegários, o conta-giros chegou à oficina e, para a alegria e admiração geral da equipe de reconstituição do FD-01, era uma peça perfeita, rigorosamente igual à original.
Pneus
Os pneus foram descobertos pelo professor de engenharia e ex-piloto Ricardo Bock, um dos colaboradores com o programa da Dana na reconstituição do FD-01. Ele descobriu no catálogo da Goodyear pneus das mesmas medidas que os usados no Fitti em 1975 e que, atualmente, equipam carros das categorias norte-americanas da Fórmula Atlantic (dianteiros) e os protótipos da Can-Am (traseiros).
Extintor
A primeira pesquisa não foi animadora. A Graviner, empresa inglesa que fabricava os extintores usados no FD-01, tinha abandonado as competições automobilísticas e passado a dedicar-se exclusivamente à engenharia aeroespacial.
Descobriu-se, então, que nos Estados Unidos havia um fabricante dos extintores com as características dos originais: duas garrafas, com acionamento elétrico simultâneo. A compra foi efetuada, mas aí surgiram novos obstáculos. Por questão de segurança, nenhuma companhia aérea aceitou transportar os extintores para o Brasil. O recurso foi embarcar as peças de navio e ter a paciência de esperar um mês para recebê-las. Uma tolerância que acabou em decepção, pois em vez do extintor de duas garrafas, exclusivo para os monopostos da F-1, chegou um tipo de garrafa única, especial para protótipos de turismo. Os aparelhos só foram encontrados três meses depois, com a interferência da Geoff Richardson da Inglaterra – especialista em motor Cosworth -, que passou o contato de um novo fornecedor italiano.
A caixa elétrica
A terça-feira, 12 de outubro de 2004, foi um dia especial na ressurreição do FD-01. Totalmente recuperado, o protótipo foi à pista para os tão esperados testes práticos. Logicamente, eram esperados alguns problemas mecânicos, afinal, motor, freios, suspensão e parte elétrica voltavam a funcionar acoplados depois de um repouso de 30 anos. E foi na parte elétrica que ocorreram as dificuldades. Já nas primeiras voltas o motor começou a falhar. O problema estava na caixa elétrica de ignição, uma peça que havia sido comprada na Inglaterra, na Geoff Richardson Enginnering, preparadora oficial dos motores Cosworth.
A primeira apresentação oficial de pista do Fitti-1 estava marcada para o Autódromo de Interlagos, em 10 de novembro, após a exposição no Salão do Automóvel, em 21 de outubro. Portanto, aqueles testes eram definitivos para o programa, mas aí surgiu o impasse da caixa elétrica. O problema só poderia ser resolvido pela substituição da peça por outra similar. No entanto, aquele modelo de caixa elétrica já tinha passado à condição de raridade e, como não era mais fabricado, não existia à venda. A opção, então, era tentar comprar outra caixa elétrica usada e selecionar os melhores componentes de cada uma para montar um conjunto que funcionasse corretamente.
A bússola, então, voltou a apontar para a Inglaterra, mais exatamente para Huntingdon, uma vila perto de Cambridge. E foi para lá que Douglas Cavallari, da equipe de Comunicação da Dana, rumou depois de descobrir James Claridge, da Geoff Richardson. Claridge não prometeu uma caixa elétrica completa, mas acenou com a possibilidade de fornecer alguns componentes de reposição. Para quem não tinha outra alternativa, a resposta era quase uma solução, e o encontro foi combinado com a urgência necessária.
A Geoff Richardson Enginnering não é nenhuma mega-oficina. Trata-se de um galpão, com discreto letreiro na fachada, localizado entre vilarejos e campos cultivados. Pequena e organizada, a Geoff Richardson transpira competição. A decoração interna é feita de fotos e troféus das conquistas de Richardson, como piloto de carros de corrida clássicos. É nesse ambiente que funciona uma das mais especializadas oficinas de motores do mundo, onde, além de Richardson, uma dúzia de funcionários dedica-se à manutenção dos motores Cosworth DFV.
A reconstrução do FD-01, assistida em vídeo pelo time da Geoff Richardson, emocionou os ingleses que, simplesmente, resolveram presentear o Fitti-1 com a salvadora caixa elétrica e os componentes de reposição que eles tinham na prateleira. Houve ainda alguns embaraços para embarcar a caixa elétrica no avião, porque seu formato, e seus fios coloridos e conexões, davam-lhe o aspecto de uma bomba-relógio. Felizmente, o funcionário da alfândega aceitou a caixa elétrica, por pertencer ao sistema de ignição do automóvel que Cavallari garantiu ter trazido para consertar na Inglaterra e, mais que isso, prestativo, preocupou-se em etiquetá-la como frágil, para garantir a integridade da peça.
Com a preciosa caixa elétrica no Brasil, os técnicos da reconstrução do FD-01 tinham como trabalhar o sistema elétrico do carro. O engenheiro eletrônico Celso Duarte, amigo de Wilson Fittipaldi, ficou com a missão de testar os vários componentes das caixas para montar uma em perfeitas condições. Juntamente com o mecânico-eletricista João Paolo Pascuale, o engenheiro concluiu que ainda seriam necessários outros dois componentes: o pick-up (um sensor do distribuidor) e o resistor da caixa elétrica.
O alarme soou novamente. Era hora de voltar a contatar James Claridge, na Inglaterra, e conseguir o sensor e o resistor na Geoff Richardson. Eles voltaram a ser prestativos e providenciaram o envio expresso das peças – dessa vez não foi presente. No dia do teste, após algumas voltas e muitos ufas, o problema elétrico mostrou-se finalmente resolvido. Faltavam, então, apenas alguns ajustes finais, que ficaram a cargo de Wilsinho Fittipaldi, do mecânico Darci Medeiros e Elísio Casado, o preparador do motor Cosworth, numa pista particular, no interior de São Paulo.
A volta ao passado
Nos testes da véspera da apresentação em Interlagos, o motor falhava ao atingir as 7 mil rpm. O treino foi interrompido e fez-se uma checagem geral. Aparentemente, estava tudo perfeito, mas como o problema persistia a cada entrada do Fitti-1 na pista, o trabalho continuou noite adentro. Mesmo no escuro, Wilsinho decidiu continuar a busca pelo defeito, improvisando um ambiente a meia-luz.
A iluminação da pista foi improvisada com o posicionamento de vários automóveis postados ao longo do circuito com os faróis acesos. E, para que o piloto tivesse a visão do painel, foi fixada uma lanterna a pilha no santantônio do carro, com o foco direcionado para os instrumentos.
Depois de vários ajustes feitos pelo quarteto Celso, Darci, Paolo e Elísio, o motor reagiu. A falha só se manifestava após as 8 mil rotações – o Cosworth tinha um limite de 10500 rpm. Eram duas da madrugada quando, finalmente, o V8 roncou mais limpo e deu sinal de que o Fitti-1 poderia ser apresentado em público. Depois de 15 meses de trabalho e suspense, a reconstituição do Fórmula 1 brasileiro estava concluída e o FD-01 pronto para estrear de novo, 30 anos depois e, mais uma vez, em Interlagos.