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Wilsinho no Super Kart. Imagem: acervo família Fittipaldi

Wilson Fittipaldi Júnior tinha uma boa experiência na Fórmula 1. Ele já tinha competido as duas temporadas completas de 1972 e 1973 pela Brabham, mas jamais esqueceu aquele friozinho no estômago que sentiu na estréia. Um misto de gozo e suspense ao realizar o desejo guardado desde a adolescência, do tempo em que colecionava figurinhas do tricampeão Jack Brabham, o construtor daquele carro, um dos clássicos das décadas de 60 e 70.

Aos poucos a curiosidade superou a emoção e o Tigrão – apelido ganho desde as valentias no kart – foi descobrindo o prazer de pilotar na Fórmula 1. O garoto brasileiro que já tinha cumprido todos os estágios automobilísticos – iniciando-se no kart e passando pela Fórmula Vê, Turismo, Fórmula 3, Fórmula 2 – estava então realizando o sonho de acelerar um F-1. Bastaram algumas voltas para Wilsinho arrepiar-se com os 480 cavalos do motor Ford-Cosworth, constatar a resposta da máquina à mínima cutucada no acelerador e a docilidade e eficiência dos freios.

Só precisou acertar a posição do banco para seus 1,87 m, dar algumas voltas para assimilar as reações do BT33 e logo estava atingindo – ou imaginava que estava – o limite do carro. Foi um passeio maravilhoso, ultrapassando a quimera e entrando na realidade tão desejada.

Wilsinho: aposta no F-1 made in Brazil. Imagem: acervo família Fittipaldi
Wilsinho: aposta no F-1 made in Brazil.
Imagem: acervo família Fittipaldi

Mas, naquela manhã de 18 de novembro de 1974, a emoção ultrapassou a expectativa. Ia entrar pela primeira vez no Fittipaldi FD-01, um carro inspirado por ele e construído por uma dúzia de dedicados idealistas. Wilsinho não lembra se riu, se chorou, ou se fez as duas coisas.

Embora os testes estivessem marcados para as 10 horas da manhã, ele já estava em pé desde as seis, mesmo tendo ido para a cama às três horas da madrugada, ainda com a imagem da obra em sua retina. Às 8h45min, o F-1 brasileiro saiu da fábrica da avenida Parelheiros, a 400 metros do portão 7 do Autódromo de Interlagos, rumo aos boxes. Uma multidão de fotógrafos e repórteres de todas as mídias, pilotos brasileiros, poucos convidados e muitos penetras aguardavam a retirada da lona que cobria o Fitti-1.

Quando o carro foi descoberto e surgiu o protótipo prateado, com a pintura de dois colibris estilizados em suas laterais lisas e carenadas, a surpresa foi geral. Houve as comparações inevitáveis. Alguns viam semelhanças com os aerofólios da Lotus, outros achavam tão roliço como os McLaren, o nariz tinha algo da Ferrari e até houve quem se assustasse – com toda razão – com o fato de o Copersucar-Fittipaldi FD-01 ser diferente de todos os bólidos do circo da época.

Era totalmente carenado, com suspensão embutida, tanques de óleo e água ocultos sob a carenagem traseira e de fino acabamento. Em resumo, decepcionou quem esperava uma cópia da linha cunha da Lotus, uma frente limpa-trilho do Tyrrell ou, ainda, o nariz grávido dos March 741 ou a área frontal à veneziana do Brabham de 1975.

Wilsinho Fittipaldi já estava vestido com o macacão prateado e pronto para entrar no carro, mas foi obrigado antes a conceder uma improvisada entrevista coletiva repetindo, à exaustão, algumas questões pertinentes e várias inconvenientes, como por exemplo, se o FD-01 já teria licença para competir na Fórmula 1.

Quando recebeu o sinal dos mecânicos de que tudo estava à sua disposição, Wilsinho entrou no Fitti-1 com o pé direito e meio sem jeito. Parecia que o carro era um número menor que seu manequim 48. Os mecânicos ajudaram-no a apertar os cintos, Wilsinho colocou o capacete verde com gotas de petróleo amarelas, ouviu uma confidência do projetista Ricardo Divila, acariciou o volante com as luvas grosas, ajeitou os retrovisores e sentiu-se pronto para acelerar o Fórmula 1 “made by Fittipaldi”.

Quando Divila deu a senha para os mecânicos colocarem o motor em movimento, o povão das arquibancadas vibrou como num gol brasileiro em Copa do Mundo. Wilsinho percebia que havia muita gente em volta, mas não reconhecia os rostos, estava noutra dimensão, passava do sonho para a realidade de pilotar a própria obra.

Acelerou o motor até os 6.000 giros, depois levantou a rotação até 8.000 rpm, colocou a primeira marcha e percorreu a área dos pits em segunda velocidade, sentindo-se agradavelmente solitário. Antes de entrar na pista para ingressar na longa reta oposta, reviveu boa parte da luta que tinha travado para chegar até ali.

Lembrou que a primeira medida tirada para o novo F-1 foi a marca do contorno do seu sapato número 41 numa cartolina, para traçar a perspectiva do bico do calçado até o santantônio, a barra anticapotagem que fica sobre a cabeça do piloto, para definir a linha superior do protótipo.

Novembro de 1974: teste FD-01 em Interlagos Imagem: acervo Lemyr Martins
Novembro de 1974: teste FD-01 em Interlagos
Imagem: acervo Lemyr Martins

Quando Tigrão estreou o monocoque do FD-01, a peça ainda estava suspensa nos cavaletes. Sentiu-se desconfortável. As costas não encaixavam. Era pouco anatômica e foi necessário afundar a parede traseira para acomodar os ombros. Uma alteração que não custou muito trabalho, mas reduziu a capacidade do tanque de combustível – que fica às costas do piloto – de 200 para 165 litros, que era a conta do chá para um grande prêmio.

Também a posição da alavanca de câmbio teve que ser alterada porque a mão batia na lateral a cada troca de marcha. Essa dificuldade foi resolvida com a adaptação de uma saliência em forma bolha, para fora da carenagem, e o entortamento da haste da alavanca.

Antes de ir para a pista também houve ajustes na pedaleira, regulando os pedais de freio, acelerador e embreagem. Estava tudo pronto para o Fittipaldi F-1 rodar com o piloto oficial Wilson Fittipaldi Júnior.

Para quem estava em Interlagos, aquele 18 de novembro de 1974 entrava para a história do automobilismo mundial. Pouco interessava o futuro da aventura fittipaldiana. O fato era que havia um carro de Fórmula 1 brasileiro na pista. E Wilsinho jamais esqueceu como foi a primeira volta do protótipo nacional.

“Nem lembro como entrei no carro. Recordo que saí do boxe para a pista, mas só acordei mesmo quando ingressei na reta oposta. Lá, com carro aprumado, a gente tem tempo de sentir as coisas. Caprichei nas marchas, coloquei a quinta velocidade, me senti feliz vendo as rodas da frente girando, os indicadores do painel se movendo enquanto eu tomava as curvas. Então respirei fundo e apertei o volante para ter certeza de que o sonho estava se realizando. Interlagos nunca me pareceu tão lindo”.