Mesmo não havendo nenhum grande prêmio programado para Interlagos naquela quarta-feira de 10 de novembro de 2004, o autódromo estava em festa. Motivo? No boxe número 2, cercado por veteranos mecânicos e em meio a toda a parafernália de corrida, ressuscitava o FD-01, o primeiro F-1 brasileiro. Não renascia para a competição, logicamente, mas para a história, materializando a coragem e a teimosia dos Fittipaldi.
Wilsinho repetiu o mesmo ritual de 18 de novembro de 1974, quando o Fitti-1 entrou na pista pela primeira vez. Calçou as luvas, vestiu a balaclava e entrou no carro com o pé direito, como fizera há 30 anos. Acomodou-se no cockpit com facilidade, colocou o mesmo capacete que tinha estreado no FD-01 e voltou a ser estreante. Sentiu-se num trono, e, se já não estivesse de capacete, notar-se-iam os olhos marejados que embaçavam a viseira.
Apesar dos tapa-ouvidos, ele acha – ou imagina – ter escutado os aplausos da multidão que se comprimia no boxe. Reconheceu velhos amigos, que testemunharam os primeiros roncos do Fitti-1, entre os muitos jovens curiosos. Alguns voltavam do passado para dividir com ele a façanha de ter colocado um bólido brasileiro de Fórmula 1 na história do circo, enquanto os jovens congratulavam-se com a “rematerialização” do FD-01, um ícone automobilístico, resgatado do recôndito da memória nacional.
Foi sob esse clima de reminiscência e curiosidade que Wilson Fittipaldi Jr. retornou à pista de Interlagos para reconstituir a história da sua obra. Deu duas voltas pela pista em que iniciou suas aventuras automobilísticas mundiais e desceu do carro com a satisfação de quem tinha vencido um grande prêmio. Depois, entregou o volante para Christian Fittipaldi, legando ao filho, num testamento vivo, o mesmo prazer que sentira há 30 anos.
Mas não foi uma tarefa fácil reconstruir o bólido histórico. O departamento de comunicação da Dana, patrocinadora da reconstituição do Fitti-1, rodou o mundo atrás de peças e fragmentos para refazer com toda a autenticidade o quebra-cabeça das seis mil peças que compõem um Fórmula 1. Convocaram os préstimos de vários profissionais que trabalharam na construção do primeiro modelo. Juntaram a experiência de Darci Medeiros à de Elísio Casado, mestres em chassi e motor, buscaram desenhos com o pai do projeto, o engenheiro Ricardo Divila, no Japão, pesquisaram fotos e ensaios feitos no túnel aerodinâmico da Embraer e recrutaram artesãos em fibra, alumínio e pintura, para que o Fitti-1 voltasse à plástica original. Também foram feitas incursões pelo interior da Inglaterra, a fim de encontrar, entre colecionadores de relíquias automobilísticas, alguns instrumentos do painel e a caixa elétrica usada nos anos 70. Um esforço para que o FD-01 reencarnasse autêntico. Daí o desabafo, com justificado exagero, de Wilsinho quando viu o F-1 pronto: “Tenho a sensação de que passei 30 anos no pódio”.
Não foi fácil, porém, concretizar a façanha de devolver o Fitti-1 à memória nacional. Foram 455 dias – 95 a mais do que os gastos no projeto e construção do original – em investigações e pesquisas. Felizmente, o mecânico Darci Medeiros, ex-funcionário número 1 da Fittipaldi e supervisor do projeto, mantém uma agenda referente ao meio século que tem dedicado ao automobilismo. Nos seus apontamentos foram localizados antigos fornecedores da Escuderia Fittipaldi que voltaram a colaborar na reconstrução do FD-01. Revisão dos radiadores, mangueiras, suportes, rolamentos e parte elétrica, revisão dos tanques de combustível e centenas de outros detalhes foram refeitos e agregados ao F-1 brasileiro.
Havia ainda a dificuldade com as peças e partes que foram importadas para o carro original: motor, câmbio, instrumentos do painel, extintores e pneus. Foi necessário investigar o mundo da competição automobilística para encontrar, por exemplo, um conta-giros Smiths mecânico, original, usado nos Fórmula 1 dos anos 70.
Também ocorreram coincidências felizes. Uma delas foi a chegada do engenheiro inglês Marcus Paul, que veio ao Brasil convocado pela Dana para montar a fábrica de bronzinas para motor. Um técnico que fez carreira exatamente na fábrica da divisão Glacier Vandervell, responsável pelas bronzinas dos motores de competição Cosworth (sigla formada pelos sobrenomes dos engenheiros Tim Costin e Keith Duckworth) e por outros projetos de desenvolvimento de produtos para equipes de Fórmula 1 e do mundial de rali.