Os institutos meteorológicos alertavam: a região Sul do Brasil seria a mais fria do país naqueles dias. Mas não no último sábado, não no Salão de Atos da Ufrgs. A calorosa apresentação de Yamandu Costa contrariou a previsão do tempo e aqueceu a alma do já fiel público dos Concertos Dana no primeiro espetáculo da temporada de 2013. O virtuosismo do instrumentista de sete cordas e a impecável apresentação da Orquestra de Câmara da Ulbra, sob a batuta do maestro Tiago Flores, garantiram momentos de emoção e música da melhor qualidade.
A passagem de som já dava o tom do que seria o espetáculo: um Yamandu simples, inseparável de seu chimarrão, solícito para explicar detalhes das músicas e que, ciente de que está diante de um time de peso, insiste em dispensar lugar de destaque e prefere ficar ao lado dos outros músicos da orquestra. Mas o maestro é sábio: nesta noite, o palco é de Yamandu.
E, naturalmente, o violinista, compositor e improvisador – como ele se autodenomina – se apropria do palco como ninguém. Yamandu conversa com o público, conta histórias, brinca que está com frio e dispara expressões, que de tão gaudérias, deixam boquiabertos até os outros gaudérios de plantão. Afinal, alguém saberá dizer o que significa “mais estranho do que cruza de lobo guará com mão pelada”? Apenas uma forma rica e divertida para descrever uma música que ficou diferente do que ele inicialmente planejara. Coisas de Yamandu. Seus jeitos e trejeitos só não são melhores do que sua arte. Foram 14 obras que arrebataram a plateia do Salão de Atos da Ufrgs e que quase deixaram sem palavras até mesmo quem tinha que se expressar com elas – e contar este causo para você.
A música “Brejeiro” abre o concerto. Este tango brasileiro é considerado um dos maiores sucessos do afamado pianista e compositor Ernesto Nazareth, cujo sesquicentenário está sendo comemorado este ano. Com arranjo do violinista Daniel Wolff, a música já havia encantado o público de dois Concertos Dana em que Yamandu participou, em 2003 e 2004. Mais uma vez, o instrumentista mostra porque é considerado um dos maiores talentos do violão brasileiro. Já na primeira apresentação da noite, volta a conquistar a plateia dos Concertos Dana, que retribui com longos aplausos.
As duas músicas seguintes, executadas em sequência, mas separadas por alguns sublimes segundos de improvisos, são composições de Yamandu. As suaves “Segredo da Vivência” e “Sarará” ganharam arranjos de Paulo Aragão, violonista e arranjador carioca que também é parceiro de Yamandu em outros projetos.
É hora de “Mariana”, uma das mais lindas composições de Yamandu. O artista se entrega para a música e a plateia viaja com ele. Como não se emocionar com a delicadeza dos acordes? Também é difícil não perguntar quem é – ou foi – a Mariana de Yamandu. Ele explica: fez esta música para sua antiga namorada. Mas isto são tempos passados. Hoje, Yamandu é casado com a musicista francesa Elodie Bouny, que assina um dos arranjos do concerto.
O espetáculo prossegue e ganha ainda mais intensidade com um dos pontos altos da noite: o tango argentino invade o Salão de Atos. Começa “Decaríssimo”, de Astor Piazzolla. A música é efervescente. O público vibra com tanto talento – de Yamandu Costa e da sempre impecável Orquestra da Ulbra. Tiago Flores conduz com maestria este primoroso time de músicos e só confirma o dito popular: a arte está no detalhe.
O próximo número é “Valsa Triste”, composta por Radamés Gnattali, ícone da música instrumental brasileira. Yamandu sentencia e arranca risadas da plateia: “a valsa é triste mesmo”. Mas é linda. Os diálogos entre a orquestra e o solista estão em harmonia perfeita – mais um belo arranjo de Paulo Aragão.
Outro momento de tirar o fôlego. Yamandu Costa prepara-se para um solo. O improviso e a genialidade tomam conta do teatro. A música cresce, Yamandu se multiplica e ocupa todo o palco. A plateia fica extasiada com a interpretação do solista – parece que ele vai quebrar o instrumento, tamanha a força de suas notas. Yamandu Costa é mesmo um virtuose do violão.
Para intercalar com o momento visceral, é hora de mais uma valsa. A música chama-se “Valsa D´Angela”. De supetão, o artista profere a pérola: “esta eu fiz para a mulher de um amigo meu”. A plateia se diverte, sabe que vem mais um causo por aí. Ele explica que não é o que estamos pensando e conta mais uma história que provoca risadas. Yamandu está em casa, totalmente à vontade com os músicos e seu público.
Logo começa “Chamamé”, também composta por Yamandu. Com arranjo do violinista Daniel Wolff, a música, que também esteve presente no Concertos Dana de 2004, mais uma vez arrebata a plateia. A execução é perfeita, alguns diriam que seria grande candidata ao bis. Mas ainda havia muito para aplaudir: “Desde el alma”, de Rosita Melo e Homero Manzi; “Bachbaridade”, de Yamandu; e “Apanhei-te Cavaquinho”, de Ernesto Nazareth. Impossível ser unânime diante de um repertório tão rico. Durante todo o concerto, o Salão de Atos da Ufrgs foi invadido pela genialidade de Yamandu, um verdadeiro gigante da música instrumental.
Mesmo assim, o público pedia mais. O concerto nem havia acabado e toda a plateia, em pé, aplaudia em sincronia como se gritasse “mais um, mais um”. A resposta dos músicos foi a execução de “La Vida Breve – Danza Española nº 1”, de Manuel de Falla, com arranjo de Elodie Bouny. Momento sublime. Mas a plateia ainda queria mais. Yamandu volta ao palco com mais uma inédita na noite: “Sambeco”.
Final de Concertos Dana e Yamandu é ovacionado. Não poderia ser diferente. Afinal, que noite surpreendente tivemos. Não é sempre que presenciamos o coração de um gigante pulsando nas mãos.
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