Há coisa bem mais grave no mercado de trabalho do que o crescimento de atividade informal

O Estado de S. Paulo

 

Ao final de janeiro, havia no Brasil 92,2 milhões de trabalhadores com alguma ocupação remunerada, como atesta o IBGE. Desses, 40,7%, ou 38,3 milhões, estavam na informalidade, trabalhavam sem registro na carteira. É um conjunto de pessoas que vem crescendo, embora possa até apresentar certo recuo de um mês para outro.

 

Uma das coisas que esse número não conta é que, mesmo entre aqueles que trabalham com registro em carteira, há forte segmento que tem, digamos assim, um pé em cada canoa: um pé na formalidade e outro na informalidade. São aqueles que fazem bicos depois da jornada de trabalho, aqueles que recebem “por fora” parte do seu salário, como acontece com a comissão de vendedores, o caso de profissionais liberais que operam “sem recibo” e por aí vai. Qual é o tamanho desse contingente de semi-informais é pergunta à procura de resposta.

 

Como acontece com tanta gente que se vê obrigada a “uberizar” sua força de trabalho ou que opera por conta própria, a situação desses informais pode ser lamentada, mas não sumariamente condenada. Uma condenação levaria ao mesmo risco do sujeito que se restringe a reclamar da unha encravada sem levar em conta que é sua perna que está ameaçada de amputação.

 

O mar não está mais para certinhos e formalizados, como tanto se deseja, porque a revolução do mercado de trabalho é impressionante e cresce a níveis alucinantes.

 

Na semana passada, a gigante Amazon anunciou mais um supermercado que opera sem caixas. À medida que o consumidor põe produtos na sua sacola, o aplicativo vai somando os valores das compras; na saída, a conta é paga pelo smartphone.

 

Lojas da Amazon e estabelecimentos de conveniência já funcionam assim há alguns anos. O novo passo avança para estágio mais amplo de automação, que reduz os custos e, por consequência, permite prática de preços mais baixos para o consumidor, que já está comemorando. A concorrência acabará tendo de seguir por esse mesmo caminho e multiplicará em escala global os efeitos do novo arranjo.

 

Aqui no Brasil, o Grupo Pão de Açúcar começou a substituir os caixas convencionais por máquinas automáticas. E é mais ou menos o mesmo que já acontece no comércio online, uma das inovações de grande sucesso do Magazine Luiza, que elimina almoxarifados nas lojas da rede e dispensa vendedores. Os bancos, por sua vez, vêm substituindo milhares de caixas e de funcionários de suas agências por aplicativos que funcionam 24 horas por dia, operados pelo próprio correntista.

 

O efeito dessas novidades – e de outras, nem tanto – sobre o mercado de trabalho é devastador. A dispensa de mão de obra acontece até mais rapidamente do que no tão falado processo de robotização na indústria.

 

Quando protestam contra o Uber, contra o 99 e o Cabify e contra outras formas de mobilidade urbana, os motoristas de táxi estão olhando para o cisco que irrita seus olhos, mas não para a tora que lhes cai sobre a cabeça. Eles próprios tendem a desaparecer das praças, como aconteceu com os carregadores de malas nos aeroportos e estações ferroviárias.

 

Também vai com dias contados a ocupação hoje proporcionada aos motoristas do Uber e das demais empresas, inclusive dos caminhoneiros, porque está em forte aceleração o desenvolvimento de veículos autônomos (sem condutor), algo que já acontece com drones, tratores, colheitadeiras e outras máquinas agrícolas. Mesmo que sua implantação atrase em alguns meses, a tecnologia de conexão 5G vai acentuar esse processo.

 

Ou seja, há coisas bem mais graves acontecendo no mercado de trabalho do que o crescimento das atividades informais – que tanta gente não se cansa de denunciar como desgraça. (O Estado de S. Paulo/Celso Ming)