As novidades no trânsito não param de chegar

O Estado de S. Paulo

 

Na época das carruagens e dos bondes puxados por burros, ninguém se importava com mobilidade urbana. Mas chegou o tempo em que o automóvel mudou tudo e os especialistas em urbanismo e em engenharia de trânsito tiveram de começar a tratar do assunto.

 

A mobilidade urbana passa por nova revolução nos últimos anos. Deixa de ser apenas matéria que trata da circulação de metrôs, trens urbanos, ônibus, táxis e automóveis – e, por suposto, sem se esquecer especialmente dos pedestres. Hoje, ciclovias e ciclofaixas tornaram-se paisagem comum e, não raro, se encontram figurões de terno e gravata desfilando com patinetes e até mesmo com esquisitos monociclos nas grandes avenidas. Nada disso chegou ao fim. A tecnologia continua surpreendendo. Ainda promete novidades incríveis nos tempos vindouros.

 

A maneira de circular pela cidade, antes tão rígida, exige cada vez mais flexibilidade. Para o especialista da Universidade Presbiteriana Mackenzie Vladimir Maciel, a novidade está na enorme eficiência proporcionada pelos softwares de aplicativos, como a 99, o Uber e a Yellow. Eles garantem o encontro, em larga escala, da oferta com a demanda por locomoção: o motorista do Uber está à espera do passageiro e a bicicleta na rua espera pelo interessado. “Do ponto de vista da mobilidade urbana, essa tecnologia que identifica origem e destino é uma revolução”, observa.

 

Mas a revolução não para por aí. Ao menos não para ainda. Transformações apontam para mais transformações, algumas no horizonte ou já em uso experimental, com os carros elétricos sem motorista do Uber ou os drones-entregadores de encomendas da Amazon, sem falar nos veículos de uso compartilhado (co-sharing) já à disposição de qualquer um em grandes cidades. E, aqui no Brasil, a Embraer avança no projeto do automóvel voador, símbolo das histórias de ficção científica para o século 21. Imagine o que será pensar e administrar esse trânsito paralelo ao chão, para impedir que, janela adentro, um bólido desses não despenque de repente na sala de jantar.

 

A melhor maneira de preparar a sociedade brasileira para a automação intensiva cada vez mais próxima e de se antecipar a solução de novos problemas é levar os dirigentes do País a investir maciçamente em transporte público, deixando de dar prioridade ao automóvel (individual) para focar em transportes de massa. É o que recomenda o coordenador da FGV Transportes, Marcus Quintella. Se isso não for feito, os congestionamentos aumentarão, adverte ele: “Há alguns anos, o trânsito nas grandes cidades apresentava picos em certos horários. Hoje, a frota está permanentemente nas ruas”.

 

Para ele, esse cenário diatópico cada vez mais próximo tende a aumentar o consumo de combustíveis, a poluir ainda mais o meio ambiente com as emissões de CO2 e a aumentar a frequência de acidentes. Como a infraestrutura em transportes nas grandes metrópoles brasileiras é cara e desconfortável, as pessoas tendem a migrar para os aplicativos por razões econômicas, diz. “Mas o Uber (e congêneres) não pode substituir o transporte público”.

 

Por isso, vêm sendo testadas opções flexíveis também por aplicativos. A capital Goiânia e a cidade de São Bernardo do Campo, em São Paulo, testam ônibus com rotas variáveis, em modelo similar ao do car-sharing. Essa é apenas uma das possibilidades que podem se popularizar nos próximos anos.

 

A verdadeira mudança está na multifuncionalidade das viagens. O cidadão pode escolher qual modal de transporte utilizar: ir a pé até a estação do metrô ou aproveitar a patinete; voltar para casa de ônibus ou chamar um carro com aplicativo; ir ao trabalho de bicicleta ou tirar o automóvel da garagem.

 

Ainda há quem pretenda eliminar o uso dessas novidades ou porque ferem os interesses de quem já estava lá (como o dos taxistas) ou porque tornam impraticável uma política consistente de mobilidade urbana. O urbanista e coordenador da pós-graduação de Mobilidade e Cidade Contemporânea da Escola da Cidade, Pablo Hereñu, avisa que essas novidades, principalmente as da micromobilidade (dos trajetos de curtas distâncias, como querem as empresas de aluguel de patinetes e bicicletas), conquistaram definitivamente seu espaço após os grandes investimentos públicos feitos em ciclovias ao longo desta década. “É difícil acabar com isso, porque já existe uma demanda firme por parte da população”, afirma. “Não se trata mais de projeto de um governante; é projeto da cidade.”

 

Mas, atenção, a revolução continua e os projetos das cidades a têm de levar em conta. (O Estado de S. Paulo/Celso Ming)