O Estado de S. Paulo
Por diversas vezes, o presidente Jair Bolsonaro garantiu que a CPMF, o malfadado imposto do cheque, não voltaria. Essa rejeição presidencial explícita não parece ter convencido nem o ministro da Economia, Paulo Guedes, nem o secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, a dele desistirem de uma vez.
Guedes prega a volta da CPMF para substituir a contribuição previdenciária patronal paga pelas empresas, correspondente a 20% de sua folha de pagamentos. Ele argumenta que essa contribuição aumenta o custo da contratação de mão de obra e é uma das principais causas do desemprego. Na medida em que essa contribuição passasse a ser distribuída para toda a economia e não apenas aos empregadores, ficaria removida uma das principais causas do desemprego.
O ministro entende que uma alíquota de 0,6% na movimentação bancária, incidente tanto para quem paga como para quem recebe, será suficiente não só para garantir a mesma receita obtida pela contribuição das empresas, mas para criar empregos.
Enquanto isso, o secretário Marcos Cintra, repetidor do mantra do Imposto Único, ainda defende a volta da CPMF na condição de substituto de quatro ou cinco impostos federais.
Esta Coluna já avançou alguns dos principais argumentos que demonstram a perversidade desse imposto para o sistema produtivo. Trata-se de um tributo em cascata (cumulativo), na medida em que é cobrado em todas as fases da produção. Ele também cria distorções, subverte a estrutura de preços (relativos), leva a sociedade a fugir dos bancos e a aumentar os pagamentos por fora, empurra as empresas para excessiva verticalização e, num ambiente de juros baixos, encarece o capital de curtíssimo prazo. Além disso, a mercadoria chega ao terminal de exportação carregada de impostos que não podem ser retirados dos preços finais, o que derruba a competitividade do produto nacional.
Agora a Coluna estende as dúvidas sobre o pretendido efeito positivo deste novo imposto de transações financeiras sobre o mercado de trabalho.
É inegável que a cobrança dessa contribuição das empresas inibe a contratação de mão de obra. Na China, por exemplo, não existe essa contribuição e esta é uma das razões pelas quais o produto chinês sai mais barato. Quando optou pela desoneração dessa contribuição para alguns setores, o governo Dilma reconheceu esse problema, embora tenha criado outros, os mesmos que levaram os governos seguintes a desistir dessas desonerações.
A maior falha nos pressupostos do ministro Paulo Guedes em defesa da criação desse imposto está em não levar em conta a grande transformação estrutural por que vem passando o mercado de trabalho no mundo inteiro.
O emprego como o conhecemos passa por grande metamorfose, graças à maior utilização de automação, tecnologia de informação e aplicativos. Os bancos estão fechando agências e dispensando funcionários porque suas operações estão sendo automatizadas ou sendo concluídas pelo uso de aplicativos. E devem fechar mais ainda, à medida que as plataformas de pagamentos passarem a abocanhar fatias do seu mercado. Coisas parecidas acontecem no varejo, que vai enfrentando enorme competição por parte das empresas que usam mecanismos do comércio eletrônico. E, assim, setor por setor, as novidades tecnológicas vêm dispensando mão de obra contratada e empurrando cada vez mais gente para o trabalho autônomo (por conta própria).
Nem os bancos, nem o comércio, nem as montadoras de veículos, nem tantos outros setores estarão dispostos a contratar mais pessoal apenas porque terão sido dispensados de recolher a contribuição patronal para a Previdência. Eles simplesmente aumentarão o índice de automação de suas linhas de produção ou levarão seus clientes a usar mais os aplicativos.
Além disso, as pessoas procuram trabalho não por boniteza, mas porque precisam – para lembrar aqui o que escreveu Guimarães Rosa sobre o pulo do sapo. Ou seja, em tempos de maior procura do que de oferta de emprego, o trabalhador aceita salários mais baixos porque não tem outra opção, e não porque uma certa desoneração tenha reduzido os custos de sua contratação.
Além de ser um imposto ruim, a CPMF de 0,6% em cada ponta da transação financeira não parece capaz de compensar o desemprego produzido pelo fechamento dos postos de trabalho pelo aumento da automação e pelo uso dos aplicativos. A volta da CPMF está condenada também por isso. (O Estado de S. Paulo/Celso Ming)