Ford fecha fábrica de São Bernardo do Campo, onde trabalham 3 mil pessoas

O Estado de S. Paulo

 

A Ford vai fechar a fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, e demitir grande parte dos cerca de 3 mil funcionários. Em comunicado divulgado nesta terça-feira, 19, a empresa informou que vai deixar de produzir caminhões e também o compacto Fiesta, ambos feitos na planta pertencente à montadora americana desde 1967, quando adquiriu a Willys Overland do Brasil.

 

O processo de encerramento ocorrerá ao longo deste ano. A empresa alega necessidade de retomar a lucratividade sustentável de suas operações na América do Sul, onde registrou prejuízos de US$ 4,5 bilhões (cerca de R$ 16,6 bilhões) entre 2013 e 2018. O Brasil responde por cerca de 60% das vendas da marca na região.

 

Ford

 

O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wagner Santana, convocou os trabalhadores para uma assembleia na terça-feira, para discutir estratégia de luta. Até lá, eles foram orientados a ficar em casa. A unidade tem operado apenas três dias por semana.

 

“Acredito que temos condições de reverter essa decisão e acho que os governos deveriam participar dessa discussão pois, além dos empregos diretos, há muitos outros indiretos que serão afetados”, disse Santana.

 

Ociosidade

 

No ano passado, foram produzidos ao todo 42 mil veículos, o que representa menos de 20% da capacidade da fábrica. O volume representa 15% do total de veículos feitos pela marca no Brasil, que também tem fábricas em Camaçari (BA) – onde são feitos Ka e EcoSport –, e uma filial de motores em Taubaté, além de um campo de provas em Tatuí (SP).

 

“A Ford está comprometida com a América do Sul por meio da construção de um negócio rentável e sustentável, fortalecendo a oferta de produtos e atuando com um modelo de negócio mais ágil, compacto e eficiente”, disse o presidente da companhia, Lyle Watters.

 

Há vários meses circulavam boatos de que o grupo poderia até sair do Brasil. A Ford passa por reestruturação globalmente após anúncio de que deixará de produzir vários automóveis e focará atuação em utilitários-esportivos (SUVs) e picapes, estratégia que Watters afirmou será replicada no Brasil.

 

Segundo o executivo, em toda a região haverá redução de 20% dos custos com quadro de funcionários e estrutura administrativa. Ele citou ainda expansão de parcerias globais, como a recente aliança com a Volkswagen, para desenvolver picapes de médio porte.

 

A empresa não informa número de trabalhadores que serão demitidos, pois manterá no local sua sede administrativa. Pelos dados do sindicato dos metalúrgicos, a unidade tem 2 mil trabalhadores na produção, cerca de 800 no administrativo e centenas de terceirizados.

 

Ao todo, a Ford vendeu 226,4 mil veículos no País em 2018, ficando em quarto lugar entre as maiores montadoras, com 9,17% de participação nas vendas de automóveis e comerciais leves. A maior parte desses veículos veio da fábrica de Camaçari.

 

Reserva para indenizações

 

A Ford reservou US$ 460 milhões (cerca de R$ 1,7 bilhão) para pagar indenizações a trabalhadores, fornecedores e revendedores. O grupo tem 97 concessionárias de caminhões, veículos que são feitos apenas no Brasil.

 

Segundo o grupo, a maioria dessas despesas não recorrentes será registrada no balanço deste ano. Os valores fazem parte dos US$ 11 bilhões que a companhia prevê utilizar para a reestruturação dos seus negócios em todo o mundo.

 

Só em 2018, o grupo que chegou ao Brasil há cem anos teve prejuízo operacional de US$ 678 milhões na região, onde também tem fábrica na Argentina. Recentemente, a Ford anunciou o fim da produção do automóvel Focus nessa fábrica que, por enquanto, vai manter apenas a produção da picape Ranger. A Ford não divulgou o que fará com o enorme prédio onde funcionam as linhas de produção do ABC.

 

Movimento vem após “ameaça” da GM

 

O anúncio do fechamento da fábrica da Ford no ABC Paulista, berço da indústria automobilística brasileira, ocorre menos de um mês após a General Motors divulgar comunicado aos seus funcionários ameaçando sair do País. O motivo também são os elevados prejuízos que o grupo alega registrar na América do Sul nos últimos três anos.

 

Em recente entrevista ao Estado, contudo, o presidente da GM Mercosul, Carlos Zarlenga, afirmou que as negociações com funcionários, fornecedores, revendedores e governos para aprovar um plano de viabilidade para os negócios no País “estão dando certo”. Também afirmou ver chances de a matriz americana aprovar plano de investimento de R$ 10 bilhões nas fábricas de São Caetano do Sul e São José dos Campos (SP).

 

Para o sócio da consultoria Bright, Paulo Cardamone, a decisão da Ford, “do ponto de vista financeiro é correta e vai ajudar a melhorar seus resultados”. Com isso, o grupo poderá estar melhor preparado para a volta do crescimento do mercado brasileiro de veículos.

 

Em sua opinião, a fábrica do ABC é antiga e “provavelmente seria mais vantajoso construir uma nova do que modernizar essa planta” para receber produtos mais modernos. Além do mais, ressalta ele, a maioria das fábricas novas foi construída com subsídios oferecidos pelos Estados.

 

Em 2018, as montadoras brasileiras receberam US$ 15 bilhões (R$ 54 bilhões) em empréstimos das matrizes, segundo dados do Banco Central. “Esse movimento significa que as matrizes precisam mandar oxigênio às filiais que estão morrendo afogadas”, disse o vice-presidente da Ford América do Sul, Rogelio Goldfarb. Nos anos de bonança, contudo, foram as subsidiárias locais que enviaram dinheiro para as matrizes. Em 2010, por exemplo, foram remetidos US$ 5,7 bilhões (R$ 20,5 bilhões) em lucro.

 

Cronologia

 

Aquisição (1967): A Ford inicia atividades em São Bernardo do Campo, ao adquirir a Willys Overland. De suas linhas de montagem saíram modelos como Jeep Willys, Rural, Corcel, Maverick, Del Rey, Pampa, Escort, Ka, Courier e Fiesta.

 

Parceria com Volkswagen (1986): É criada a Autolatina, joint venture entre a Ford e a Volkswagen que durou até 1996.

 

“Golas vermelhas” (1990): Ocorre, em junho, a “greve dos golas vermelhas”, deflagrada no setor da ferramentaria, onde os funcionários usavam jalecos com golas vermelhas. Aos poucos, toda a produção foi paralisada e o movimento, que reivindicava aumento salarial, durou 51 dias. Durante os protestos internos, carros e instalações foram destruídos.

 

Demissão no Natal (1998): Às vésperas do Natal, a empresa enviou cartas de demissão a 2,8 mil trabalhadores, levando à decretação de uma greve de 50 dias. Após acordo, empresa realizou PDVs.

 

Caminhões no ABC (2001): A fábrica de caminhões Ford, que funcionava no bairro do Ipiranga, em SP, foi integrada às instalações do ABC Paulista.

 

Festa com sindicato (2013): A Ford lança o novo Fiesta, um carro global, em uma festa no Paço Municipal com a participação do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC – com direito a discurso do então presidente do sindicato, Rafael Marques.

 

Despedida (2019): Ford anuncia fim das atividades da fábrica. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva e André Ítalo Rocha)