Indústria diz que retomar a confiança é prioridade

O Estado de S. Paulo

 

Após registrar queda de 8,3% no ano passado, a maior em 12 anos, a indústria brasileira se prepara para novo recuo na produção. Apesar de mais brando, não é visto como recuperação, pois virá em cima de uma base comparativa muito deteriorada. Setores com destaque no Produto Interno Bruto (PIB) veem 2016 tão ou mais difícil que 2015.

 

O dólar valorizado deve ajudar alguns segmentos, mas não é a tábua de salvação. Muitas empresas perderam os clientes no período do dólar barato e retomar contratos será tarefa árdua.

 

Recuperação econômica e volta da confiança de consumidores e investidores estão no topo da lista dos empresários como primordial para suas atividades.

 

Mas setores como aço, autopeças, máquinas e equipamentos, químico, vestuário, veículos e eletroeletrônicos também têm demandas específicas vistas como urgentes para melhorar o desempenho. Todas dependem de medidas a serem adotadas pelo governo. Algumas passam por liberação de subsídios, o que conflita com o ajuste fiscal que o governo tenta aprovar.

 

José Augusto Fernandes, diretor da Confederação Nacional da Indústria (CNI), confirma que qualquer medida para melhorar a economia envolve decisões do governo que apontem para um cenário de recuperação da confiança. “E preciso construir uma agenda em cima do pilar fiscal e da competitividade”. Para ele, apesar das demandas de cada setor, as questões a serem enfrentadas são tributação, relações do trabalho e desburocratização.

 

Na opinião de Carlos Pastoriza, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), a precondição para mudar o clima de incertezas seria o fim, ainda nesse trimestre, da crise política. Enquanto isso, apela para um programa de modernização do parque fabril, cuja idade média é de 17 anos, ante 8 anos, por exemplo, na Alemanha.

 

O problema é que a proposta envolve subsídios, pois a ideia é que 15 do imposto recolhido na aquisição de uma máquina nova para substituir a antiga seja devolvido em forma de crédito a ser usado para abater de qualquer imposto federal.

 

Outro setor que pede um programa de renovação de frota é o automotivo. O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, ressalta, porém, que o desafio maior é recuperar a confiança do consumidor. “E preciso minorar o fantasma do desemprego”.

 

Não há previsões de recuperação do mercado de carros no curto prazo e a exportação perdeu competitividade após mais de dez anos de câmbio oscilando para baixo. O setor vem apresentando melhora na venda externa mas Moan ressalta que o caminho é longo, pois não se trata de abrir novos mercados, mas de reconquistar o que já tínhamos.” Há dez anos, a indústria automobilística exportou 35% de sua produção, participação que hoje está em 17. Novos acordos comerciais, na visão de Moan, são outra demanda do setor, que opera com metade de sua capacidade produtiva.

 

Excedente

 

Segundo o presidente do Instituto Aço Brasil (IABr),MarcoPolo de Mello Lopes, no caso do aço há um complicador extra, que é o excedete de 700 milhões de toneladas do produto no mundo todo, o equivalente a 14 vezes a capacidade produtiva brasileira. Desse total 400 milhões são da China. O país asiático respondia por 1,3% das importações locais de aço em 2000, porcentual que hoje passa de 50%.

 

Uma das bandeiras do IABr é o aumento da alíquota do Imposto de Importação, medida que ele não vê como protecionista. “O mundo inteiro está se protegendo, seja com salvaguardas, impostos ou mecanismos antidumping”, diz Lopes.

 

“O Brasil está sendo bombardeado pelas importações e na hora de exportar tem dificuldades, porque o preço internacional caiu”, afirma Lopes, que não acredita em retomada do mercado interno até 2017.

 

Fernando Figueiredo, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), reclama que o setor tem grandes dificuldades com a escassez e o custo de matériasprimas. “O gás natural no Brasil custa de três a quatro vezes mais que o preço americano”.

 

No caso da nafta, o executivo defende a criação de uma fórmula vinculada ao mercado internacional para determinar seu preço. “Com o preço atual, não teremos novos investimentos no setor nos próximos cinco anos”. Por ter mão de obra altamente qualificada, a indústria química reluta em demitir, mas, em 2015, ocorreu uma baixa de 0,6 no número de vagas, a primeira em 15 anos.

 

Para economista, não é possível fazer tudo para todos

 

O economista Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), defende a adoção de políticas industriais, de preferência sem subsídios. Ressalta que todos os setores têm problemas específicos, “mas não é possível fazer tudo para todos”.

 

O setor eletroeletrônico, por exemplo, reclama da insegurança jurídica, que impacta a competitividade das indústrias. Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), cita o fim da isenção do PIS/Cofins, que vigorou por dez anos. Em 2015, o Congresso prorrogou a medida até 2018, mas a presidente Dilma vetou. Sem a isenção, diz, os produtos ficarão 10 mais caros e 4 mil vagas serão fechadas.

 

“Sem mudanças, não vai sobrar pedra sobre pedra, haverá fechamento assustador de empresas”, alerta o presidente do Sindivestuário, Ronald Masijah. Em 2015, 2 mil empresas fecharam as portas. Para ele, sem um regime tributário competitivo e com novos impostos, como a CPMF, a situação vai piorar. A produção caiu de 8,4 bilhões de peças em 2014 para 5,4 bilhões, e este ano cairá de novo.  (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)