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Tarde quente, nuvens tingidas de vermelho anunciam a chegada de mais uma típica noite de verão. Hora ideal para tomar uma cerveja com os amigos ou saborear aquela velha pinga-veludo, orgulho do alambique da região.

Mesinhas espalhadas pelas varandas e calçadas, a conversa se desenrola solta entre os assuntos mais variados. O futebol de domingo, uma morte prematura e, às vezes, até um pouco de emoção. E a velha história do tesouro enterrado sob uma cachoeira próxima, ali mesmo em Tatuí e que, guardado por um estranho cavaleiro, jamais pode ser encontrado. Mas muitos juram que está Iá. Se não o tesouro, pelo menos o cavaleiro. E a loucura dessas testemunhas comprova isso.

A história se repete. Na garrafa, pouca pinga. No peito, muita valentia. No coração, muita coragem para vender e até dar de graça. Amigos velhos, homens de audácia, lá se vão mais dois candidatos à riqueza. Ou à simples loucura. Pouco tempo de caminhada e logo é possível ouvir o canto das águas espalhando-se sobre as pedras da cachoeira. Os últimos e teimosos raios solares dão aos respingos desgarrados e às folhas molhadas um tom dourado, como que anunciando os tesouros ali escondidos. E é exatamente lá que os homens vão procurá-lo.

Imagem: ilustração de Rodrigo Rosa
Imagem: ilustração de Rodrigo Rosa

De repente, um galopar distante sobressai ao murmúrio das águas. E aumenta como que se aproximando. Outro caçador de tesouros? Ou simplesmente algum viajante desgarrado buscando um abrigo refrescante? Apreensivos, os homens aguardam o surgimento do suposto cavaleiro.

Logo, estranha figura, ele surge. Todo de negro – capa, botas de cano alto e chapéu de abas enormes –, o cavaleiro não parece ser um viajante comum. Aliás, ele nem parece ser um viajante. E muito menos ser deste mundo. Tensão. Com voz soturna, a fantasmagórica criatura dirige-se aos dois atônitos cavaleiros. “Se vocês querem o tesouro, podem ficar com ele. Mas antes, terão de arrumar meus olhos”.

O espanto dos homens tornou-se gélido pavor. O cavalo se agita. Ao movimento da lúgubre capa negra, o animal bate com os cascos no chão, resfolegando e levantando poeira, como que prevendo algo aterrador. Ao levantar mais a cabeça, o estranho ser deixa aparecer seu rosto, do qual pendem balançando para todos os lados, dois enormes olhos fora das órbitas.

Imagem: ilustração de Rodrigo Rosa
Imagem: ilustração de Rodrigo Rosa

Desespero. Diante de tal visão, os caçadores do tesouro explodem em desabalada carreira, caindo um sobre o outro, tropeçando nas pedras, mergulhando atabalhoadamente na água.

Sujos de lama, esfolados e cortados, correm descontrolados, sem olhar para trás, fugindo da assustadora criatura.

Simplesmente incapazes de compreender o que viram, só pararam de correr quando suas pernas não mais responderam aos estímulos provocados por tão aterradora visão. Ficaram loucos.

Por isso, nas reuniões entre amigos, em tardes quentes de verão, a velha história do tesouro enterrado na cachoeira continua viva. Afinal, toda aquela riqueza ainda está Iá, guardada por um estranho cavaleiro vestido de negro, de olhos pendurados, esperando algum homem de coragem para resgatá-Ia.

Origem da lenda

Esta é uma lenda recente, que invoca elementos europeus, como os tesouros enterrados dos piratas ou as riquezas escondidas na Salamanca do Jarau. O aspecto moral está presente, com a conclusão tipo “nada se consegue de graça, para tudo existe um preço”.

Imagem: ilustração de Rodrigo Rosa
Imagem: ilustração de Rodrigo Rosa

O cavaleiro surge como elemento comum a várias lendas: o guardião dos tesouros que deve ser enfrentado e vencido pelos que buscam o prêmio. Coloca-se entre o homem e a riqueza não como uma ameaça, mas como desafio a ser vencido. Não parece querer matar ou ferir. Exige apenas uma demonstração de coragem para recompensar o aventureiro.

Localizada em região próxima à capital de São Paulo, famosa como ponto de partida ou passagem dos Bandeirantes que desbravaram o sertão brasileiro, a lenda do Dinheiro Enterrado tem variações e aparece sob outras formas em diversas regiões do país, sempre com a proposta do desafio e da recompensa, do “nada é de graça”.

> Baixe aqui o painel da exposição

DobraDana

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Corpo esbelto, pele alva, olhos mágicos, gestos sinuosos e uma cabeleira sedosa e incrivelmente dourada. Ela olha fixamente para o pescador e o chama. Apavorado, ele sabe que precisa fugir dos beijos de Iara.


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