A viagem é longa e parece que não vai acabar jamais. Agarrado ao volante de seu abarrotado caminhão, segue um motorista enfadado, tentando garantir seu sustento. A paisagem que se descortina através do para-brisa é repetitiva e monótona. Uma sucessão interminável de placas anuncia curvas e mais curvas, lombadas acentuadas, povoados semidesérticos ou um bem-vindo posto de gasolina onde é possível espantar o cansaço e jogar um pouco de conversa fora.
É quase hipnótica a visão daquele verdadeiro tapete negro, pontilhado de faixas brancas que se sucedem eternamente. A solitária viagem apresenta-se mais dura a cada minuto, e apenas o rádio serve como companhia. Pelo menos até aquele trecho.
Exatamente entre as cidades de Areias e São José do Barreiro, na antiga estrada Rio-São Paulo, a monotonia da viagem dá lugar a um acontecimento inesquecível. Em uma subida íngreme, quando o pesado veículo é obrigado a andar em marcha extremamente reduzida, surge a agradável surpresa: uma moça, fazendo sinal, pedindo carona.
Que mais poderia querer um caminhoneiro solitário, naquela hora da madrugada? Ali, na beira da estrada, toda de branco e iluminada pelos faróis do caminhão, a linda criatura parecia brilhar como a lua cheia. A freada instintiva e num instante a moça já está acomodada na boléia, bem ao seu lado.
A curiosidade e a expectativa tomam conta da cabine. Satisfeito pela agradável novidade, o motorista nem percebe que ela quase não fala. Suas respostas são lacônicas, sua pele alva e seu rosto delicado e belo. E assim ela permanece em estado contemplativo, calada.
Mais alguns quilômetros e o susto. O homem nota que algo estranho está acontecendo ao seu lado. A moça vai-se tornando cada vez mais branca, translúcida, quase transparente. Apavorado, o motorista assiste a transformação: a etérea figura dissipa-se dentro da cabine em esfumaçada e branca nuvem.
Ofegante, ele joga o caminhão para o acostamento, frea com força e, com os olhos esbugalhados, tenta descobrir para onde foi a moça. Suas pernas tremem descontroladamente. Teria sido um sonho, motivo do cansaço? Ou simples alucinação?
Pois contam os motoristas mais experientes que a Moça-Vestida-de-Branco existe e cumpre uma trágica sina. Segundo eles, há muito tempo, ela foi uma noiva que se dirigia feliz para a igreja, onde seria realizado o seu casamento. No caminho, exatamente naquele mesmo trecho, ela teria sido atropelada e morta por um automóvel em uma quente noite de sexta-feira. Desde então, como que tentando terminar sua insólita e interrompida viagem, ela surge pedindo carona. Ela não mata, não machuca, não judia. Apenas cumpre sozinha, distante e triste, a sina de terminar sua viagem. Uma viagem que parece jamais ter fim.
Origem da lenda
Como demonstração da riqueza do fabulário popular, essa é a lenda mais recente registrada aqui. Notável pela perfeita localização da região onde ocorrem os acontecimentos, parece ter tido origem há cerca de 40 anos.
Os aspectos modernos, como o atropelamento por um automóvel, demonstram que a imaginação popular, apesar do desenvolvimento tecnológico, continua a criar seus mitos e histórias fantásticas.
Típica manifestação dos viajantes, caminhoneiros ou não, que cruzam os estados do Brasil, a Moça-Vestida-de-Branco incorpora a moralidade que, se não castiga fisicamente o motorista que deu carona a uma estranha, ”sabe-se lá com que intenção”, quase o mata de susto.
É muito comum nas estradas do Brasil a presença de mulheres pedindo carona à beira da estrada. Em muitos casos são prostitutas ganhando a vida. Noutros são iscas utilizadas por ladrões que, não raro, matam os motoristas, roubando-lhes o caminhão e a carga.
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DobraDana
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