Qual pai e mãe não gostaria que seus filhos se encantassem com as mesmas histórias que ouviram de seus avós? Bastava um “era uma vez” para os olhos brilharem e o coração disparar – qual personagem mágico viria desta vez? A Bruxa Nicácia com sua risada fina e assustadora? O fantasmagórico cavaleiro e sua proposta para encontrar o Dinheiro Enterrado? Ou seria a Mula-sem-Cabeça soltando fogo pelas ventas? Estes e tantos outros seres fantásticos da literatura popular brasileira continuam fascinantes e com poder de despertar o imaginário e a curiosidade de crianças e adultos. Eles continuam vivos, apenas aguardando que alguém pronuncie seus nomes e leve adiante suas histórias.
Para que os personagens da nossa terra continuem sendo lembrados de geração em geração, a Dana e a Fundação Municipal de Arte e Cultura de Gravataí (Fundarc), promoveram a exposição “Do Curupira ao Saci-Pererê: Lendas Brasileiras”. Através de infográficos e ilustrações do artista gaúcho Rodrigo Rosa, a mostra contou as histórias e origens de 16 personagens do folclore brasileiro. A exposição aconteceu de 3 a 11 de setembro, no Quiosque da Cultura, tradicional espaço cultural de Gravataí. Além da mostra aberta ao público, cerca de 250 alunos de seis escolas municipais da cidade foram convidados a participar de uma tarde lúdica com direito à contação de história, construção de um mural coletivo, montagem de livrinhos e um divertido passeio pelas Lendas Brasileiras.
Turmas de 30 a 40 alunos, do segundo ao quinto ano do Ensino Fundamental, embarcaram com suas professoras no mágico mundo do Negrinho do Pastoreio, Vitória-Régia, Boto, Salamanca do Jarau e muitos outros personagens. A tarde de uma sexta-feira ensolarada foi reservada para os estudantes da quinta série da Escola Municipal de Ensino Fundamental Rosa Maria. Envoltos em uma atmosfera de companheirismo e uma boa dose de curiosidade, as crianças chegaram ávidas por histórias e brincadeiras.
Após o encantamento inicial diante dos painéis com as aquarelas da exposição, era a hora de ouvir a lenda de um grande defensor da flora e da fauna. A contadora de histórias Ester Polli, até então escondida dos alunos, aparece de surpresa com uma máscara e pés de borracha… voltados para trás! “É o Curupira!”, sentenciam os pequenos. E a atividade de contação de história conduz as crianças por aventuras nas matas, entre heróis e caçadores, entre o certo e o errado, e deixa a bela mensagem de que todos devem preservar as florestas e cuidar dos animais – e do planeta também, claro!
História na ponta da língua? É hora de colocar na ponta dos dedos! E os alunos são estimulados a desenhar em um grande mural a história que tinham acabado de ouvir. Em duplas escolhidas aleatoriamente pelas monitoras do Quiosque da Cultura, as crianças tinham 15 segundos para dar vida ao cenário que borbulhava na imaginação.
Primeiro tímidos, depois querendo repetir a participação, pouco a pouco o giz de cera ganhava força e os alunos foram construindo um mural coletivo a partir da percepção de cada um. Em dado momento, uns já sugeriam ideias criativas para o desenho do outro e o prazer da atividade entre amigos crescia em cidadania e ultrapassava o aprender. Um momento sublime para qualquer educador.
Jaqueline Rutkoski, uma das professoras que acompanhou os alunos na atividade, também pensa assim. Lecionando há mais de 15 anos, a professora destaca que um dos principais ensinamentos passados para as crianças nestas atividades é a cidadania. “A coletividade, a amizade, um ajudando o outro. Eles vão lembrar deste conto, das ilustrações e personagens por um bom tempo”, afirma. “Já venho trabalhando com folclore com as crianças e pretendo dar continuidade a esta atividade em sala de aula”, conclui Jaqueline.
E fazer com que as crianças lembrem desta tarde e dos personagens da literatura popular brasileira é um dos principais objetivos também para Maria Aparecida Carvalho, uma das coordenadoras do Quiosque da Cultura. Especialista em história das artes, Maria enfatiza que é preciso resgatar a importância de divulgar as Lendas Brasileiras. “As nossas lendas são as nossas raízes, fazem parte no nosso folclore. É preciso que continuem sendo contadas de geração em geração, sem jamais cair no esquecimento. Temos que incentivar os professores a contar para os alunos e incentivar os alunos a contar em casa”, destaca a coordenadora.
E parece que este trabalho está mesmo dando certo! Quando estimuladas a identificar outros personagens que não faziam parte da contação de histórias daquela tarde, as crianças da Escola Rosa Maria nem precisaram pensar muito para responder. “Quem é a serpente de fogo que protege os campos das pessoas que devastam e queimam as matas?”. Entre risinhos cúmplices, os alunos respondem em uníssono: “Mboi-Tatááá”. A pergunta seguinte parece ser ainda mais fácil para os pequenos. “Qual personagem é meio bicho e meio gente e nas noites de quinta-feira transforma-se numa fera com dentes enormes e afiados?”. A resposta vem a galope: “Lobisooomem”. A terceira pergunta nem conseguiu ser totalmente pronunciada. “Qual personagem parece uma mula, mas não tem…”. Esta era mesmo muito fácil! “Mula-sem-Cabeeeça”, divertem-se com a resposta enquanto preparam-se para voltar.
”Nos dá muito orgulho continuar a promover o resgate das Lendas Brasileiras”, enfatiza Luis Pedro Ferreira, Diretor de Relações Institucionais da Dana para a América do Sul. ”Afinal, nossas crianças vivem a realidade da ‘Aldeia Global’ de Marshall McLuhan, onde sobra pouco espaço para a sobrevivência do Curupira, do Saci ou da Iara, que são substituídos por heróis fantásticos ou personagens de séries em suas aventuras rápidas e rasteiras. Tínhamos e seguimos com a pretensão de estabelecer uma espécie de ‘ecologia literária’, buscando preservar estas espécies em extinção entre os seres fantásticos que povoam o repertório de lendas no Brasil”, finaliza.
E a volta para casa é ainda mais alegre e cheia de significados do que a expectativa da chegada. Na mochila, os livretinhos de bolso com as aventuras dos personagens. Na memória, aprendizados compartilhados, experiências de uma tarde lúdica e a certeza da importância das histórias do nosso povo.