.A região amazônica é tão pródiga em águas quanto em lendas. Uma delas afirma que uma gigantesca serpente habita aqueles rios, surgindo de vez em quando para virar uma embarcação, perseguir seus ocupantes e devorá-los selvagemente.
Conhecida pelos indígenas como Mãe D’água ou Mãe do Rio, a Cobra Grande sempre foi muito temida, e suas dimensões foram aumentando na mesma proporção das histórias de terror e medo dos habitantes da região.
Algumas versões mostram a serpente arrastando crianças e adultos, após abocanhá-los enquanto banhavam-se nas margens dos rios. Outras, apontam-na atraindo os mais curiosos para um destino cruel, que invariavelmente significa a morte por devoração.
São muitas as lendas em torno da Cobra Grande. Em alguns relatos é tida como um animal, mas em outros assume a condição de divindade. Nesse caso, a lenda mais popular associa a terrível serpente com a Senhora dos Elementos, ao contar o surgimento da noite.
Segundo essa lenda, houve um tempo em que só existia o dia. Não existiam animais, assim como também não existia a noite, mas as pedras e as árvores falavam. Foi nessa época que a filha da Cobra Grande casou-se com um bravo guerreiro. Sempre sob o pretexto de que necessitava da noite para amar, recusava-se a deitar com o marido. Mas não existia noite.
Informado pela própria amada de que a Cobra Grande, sua mãe, possuía a noite, o guerreiro mandou que três de seus homens fossem até a casa da divindade buscar a resposta para sua angústia.
Chegaram ao seu destino de barco, navegando pelo rio. Com recomendações expressas para não abri-lo, os três homens receberam da Cobra Grande um caroço de Tucumã, no qual estava contida a noite. Voltando para casa, ouviram ruídos estranhos que vinham de dentro do caroço.
Eram os grilos e sapos que cantavam dentro da noite, aguçando mais e mais a curiosidade dos homens. E eles não resistiram, preparando-se para abrir o mágico invólucro. Ao partir-se, o caroço deixou escapar a noite, que tomou conta de tudo. E foram muitas as transformações: um cesto que boiava virou peixe; pedras viraram animais; e os três homens foram transformados em macacos, condenados a pular de galho em galho para o resto de suas vidas. Surgia, assim, a noite.
Conta-se ainda, a respeito da Cobra Grande, a história de uma moça que foi engravidada pela “coisa má”, ao beber um ovo de mutum que continha cabelo humano. Ao dar à luz uma serpente gigantesca, a moça foi amaldiçoada, fazendo com que o terrível ser a seguisse por toda parte. Para livrar-se da maldição, a infortunada mãe escondeu-se do bicho que, não obstante, continuava a procurá-la.
Finalmente, desiludida com o sumiço da mãe, a cobra voou para o céu transformando-se em estrelas. A Cobra Grande é hoje a constelação da Serpente, que anuncia a chegada do verão na região amazônica.
Origem da lenda
Muitas são as lendas envolvendo o mito da Cobra Grande. Conforme Luis da Câmara Cascudo, em seu Dicionário do Folclore Brasileiro, esse mito já estava confuso na primeira metade do século XIX. E, portanto, bastante difícil determinar as várias formas da Cobra Grande, e separar sua abordagem animal da divindade.
Conhecida em determinadas regiões como Boiúna, a Mãe D’água incutia terror nos nativos, que tinham medo de matá-la, pois acreditavam que assim atrairiam a desgraça para sua tribo.
Em uma versão do Acre, a Cobra Grande surge como a linda moça que aparece deslumbrando a todos numa festa de São João, para em seguida transformar-se em gigantesca serpente que foge para o rio, versão esta que nos remete à lenda do Boto. Em outros registros, a Cobra Grande transforma-se em barcos e veleiros.
Tendo sua origem provavelmente na Sucuri, grande serpente d’água que devora animais de médio porte e até mesmo homens, comum na região amazônica, a lenda da Cobra Grande permite curiosa comparação com outras, que procuram determinar a eterna questão da origem da vida. Inicialmente, todos viviam felizes. Um caso de amor (Adão e Eva, a filha da Cobra Grande e seu marido), uma desobediência (o fruto proibido, o caroço de Tucumã aberto) e o castigo (a expulsão do paraíso, a noite sobre o mundo).
De qualquer forma, a lenda da Cobra Grande é das mais complexas, não existindo versão que possa ser considerada a mais difundida.
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DobraDana
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Ela tem a forma de uma mula, mas não tem cabeça. Mesmo assim, solta fogo pelas ventas. É a terrível lenda da Mula-Sem-Cabeça. Uma maldição que envolve romances proibidos, labaredas, mulheres e batinas.
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