Para o radialista esportivo Wilson Fittipaldi, o Barão, a história do Fórmula 1 brasileiro nasceu da teimosia e do idealismo de seu primogênito Wilsinho, da cumplicidade do outro filho Emerson e de muito trabalho de toda a família.
Segundo o pai, Wilsinho sempre foi imediatista. Como não teve bons resultados nos carros de equipes estrangeiras, para as quais não teve que levar patrocínio para competir, resolveu começar o projeto do próprio carro, que era seu plano para um futuro mais distante.
Wilsão ainda alertou o filho para o tamanho da empreitada, mas recebeu como resposta um convincente “não tem mistério”. Então passou a colaborar como pôde com o projeto. Acompanhou o nascimento da equipe, a montagem da fábrica, animou-se com o apoio técnico da Embraer e sofreu com a negativa da Ford brasileira em fornecer ao Fitti-1 os motores Cosworth V8, fabricados por eles na Europa.
Outra dificuldade, com a qual Wilsão não contava, foi o episódio dos pneus. A Goodyear, tão logo solicitada, colocou os pneus à disposição dos Fittipaldi, mas o drama foi na alfândega brasileira. O Barão teve que apelar para Delfin Netto, seu amigo e todo-poderoso ministro da Fazenda, na época em que o Brasil vivia o milagre econômico, para resolver a questão. Mesmo assim, teve que ir várias vezes a Brasília para convencer os homens da alfândega que nada faria de ilegal com 16 pneus (quatro jogos), a não ser testar o primeiro F-1 nacional.
O patriarca Fittipaldi foi decisivo na batalha por patrocínio. Tanto que Wilsinho e Emerson são os primeiros a admitir que se não fosse a obstinação do pai em conseguir o patrocínio, o projeto do Fórmula 1 brasileiro demoraria a sair da prancheta.
O Barão conta que bateu em várias portas, e até foi bem recebido, porque a novidade era atraente, mas o dinheiro não saía. Por isso se surpreendeu com a receptividade da agência de publicidade PF Nascimento, que em uma semana analisou o projeto e encontrou um patrocinador considerado forte para aqueles anos 70. Eram 2 milhões de cruzeiros iniciais (3.063,222,06, pelo IGP em 2004) para tornar realidade o primeiro carro brasileiro de Fórmula 1. “Parece incrível, mas o primeiro patrocínio até foi fácil”, lembra Wilsão. “A agência de publicidade PF Nascimento vendeu a idéia à Copersucar e foi fechado o acordo. O aporte financeiro provido pela Cooperativa dos Produtores de Açúcar e Álcool era razoável. Inicialmente, 800 mil dólares. Para o segundo ano, 1 milhão de dólares; 1,2 milhões para o ano seguinte e, para o quarto ano, 1,4 milhões.”
Os dólares da quase desconhecida Copersucar viabilizaram rapidamente o projeto do Fitti-1, mas o presidente da companhia, Volnei Atala, deu alguns sustos na mesa de negociação. Primeiro ele exigiu exclusividade total. Só após muitas explicações aceitou incluir o nome dos fabricantes na escuderia, aprovando o registro de Copersucar-Fittipaldi. Mas ainda tinha outras imposições, e uma delas foi mandar retirar o logotipo da Goodyear do aerofólio. Dessa vez, Wilsão precisou ser muito convincente para Atala permitir a logomarca pintada no carro, e ele só se convenceu quando ficou ciente de que apenas a Goodyear fabricava os pneus para a F-1, na época.
A parceria entre a Copersucar e os Fittipaldi foi boa. Iniciou com relativa facilidade e, ao longo de cinco anos, garantiu o aporte financeiro necessário à equipe. O pacote publicitário também incluía a cobertura radiofônica dos grandes prêmios pela Rádio Jovem Pan, de São Paulo, transmitidas por Wilsão. O Barão lembra também que a entrada de Emerson como piloto na escuderia teve o voto decisivo do patrocinador. Emerson, então bicampeão mundial e candidato a disputar títulos nas temporadas seguintes pela McLaren, interessou-se pelo projeto do carro para 1976.
Aí, Volnei Atala empolgou-se e, com a força da Copersucar, cobriu as propostas que o Rato vinha recebendo da Ferrari, Hesketh, Williams e da própria McLaren, para renovação de contrato. Wilsão e Wilsinho ainda tentaram dissuadir Emerson da proposta. Sugeriram que ele refletisse melhor sobre o risco de pilotar um carro ainda em desenvolvimento, com apenas um ano de pista. “Porém, para Atala”, conta o Barão, “a simples presença de Emerson na equipe era suficiente para o nosso carro conquistar o título mundial.”
Mas, se Atala era um negociante duro e intransigente, sua saída da presidência da cooperativa açucareira complicou a vida da Fittipaldi, porque seus sucessores não se interessaram pela continuidade do projeto. A cervejaria Skol sucedeu a Copersucar, acertando um bom patrocínio com os Fittipaldi, de 8 milhões de dólares por três anos. A compra da Skol pela Brahma, porém, mudou os rumos do negócio. O marketing da Brahma não se interessou pelo programa e resolveu não honrar o compromisso da antecessora, embora houvesse cláusulas que garantissem mais dois anos de contrato no caso da venda da Skol. Houve muita discussão e os Fittipaldi acabaram negociando uma sobrevida de apenas seis meses.
A dificuldade de conquistar novos patrocinadores e o encarecimento meteórico da Fórmula 1 deixaram os irmãos Fittipaldi no vermelho. Ainda conseguiram pequenas verbas, mas bancaram a maior parte dos custos com recursos próprios enquanto tiveram dinheiro. Emerson deixou de pilotar, passou o volante a Keke Rosberg e Chico Serra e assumiu a direção da equipe para, junto com Wilsinho, dedicar-se a arrumar patrocinadores. Mas isso também não resolveu. Em outubro de 1982, com um déficit de 7 milhões de dólares, o sonho do F-1 brasileiro terminava. Ao ver concretizada a reconstituição do carro que ele tanto lutou para ver na pista, o velho Barão desabafa: “Creio que se meus filhos tivessem o suporte financeiro por mais um ano a escuderia teria decolado, da mesma forma que ocorreu com a Williams”.