A largada foi fulminante. Já no pulo o Copersucar-Fittipaldi passou dois carros, saindo da 26ª para a 24ª colocação. Surgiu na reta dos boxes em 23º e, antes da curva seguinte, ultrapassou os sul-africanos Eddie Keizan e Guy Tunner (ambos da Lotus-Ford). Na entrada da Nashua Corner, curva no final da reta oposta, venceu Dave Charton (McLaren) e Bob Evans (BRM). Wilsinho ganhou sete posições em duas voltas e já era aplaudido pelo público, quando viu o diretor da prova exibindo a bandeira negra com o número 30 no centro – senha de que o Fittipaldi tinha sido desclassificado e estava obrigado a entrar nos boxes na próxima passagem.
Na verdade, aquela atuação foi uma vingança do Tigrão. Um protesto contra os organizadores do GP da África que, repentinamente, mudaram a regra do jogo, cancelando a última sessão de treinos de 45 minutos. “Houve proteção aos pilotos da África do Sul, que treinavam e competiam no circuito de Kyalami o ano todo”, relembra Wilsinho.
Realmente, os organizadores do Grande Prêmio nem disfarçaram muito o propósito de facilitar a classificação de seus cinco pilotos, no momento em que eles estavam qualificados entre os 26 do grid de largada. Foi uma patriotada dos comissários para incluir na prova concorrentes que só competiriam naquela corrida do calendário da F-1 e com carros alugados da Lotus e da McLaren. Uma atitude que prejudicou demais a equipe brasileira, que tinha dividido os treinos em duas etapas diferentes.
A primeira para aproveitar todo o tempo disponível para acertar o FD-02, que competia na sua segunda corrida. A segunda, prevista para os 45 minutos finais, estava reservada para Wilsinho tentar uma boa colocação no grid. Com o cancelamento da etapa derradeira, o Copersucar ficou em 27º lugar, a 8 milésimos de segundo do último colocado, a italiana Lella Lombardi com o March 751, e à frente do já veterano Graham Hill, que também estava acertando seu Lola-Ford para a tomada de tempos suprimida.
Mesmo com o 27º tempo da sessão anterior, Wilsinho protestou e conseguiu alinhar em último. Largou, passou sete carros, mas aí o diretor da prova deu-lhe bandeira negra e acabou com sua alegria. “Mas dei o meu recado”, gaba-se o Tigrão.
Aventuras no Principado
O GP de Mônaco de 1976 foi uma corrida histórica na vida da equipe. Primeiro porque a Federação Internacional do Automóvel, alegando questões de segurança, limitou o número de carros no grid de largada a 20 e não aos 26 que eram o normal nas demais pistas. Como se já não bastasse enfrentar o funil da partida, na sexta-feira, antes do primeiro treino, houve um incêndio no Fitti-1, no instante em que um mecânico tentou dar a partida manual. O ducto que injetava o combustível para o motor funcionar antes de a bomba elétrica interna ser acionada escapou, e a gasolina derramada sobre o motor virou labaredas.
Foi um pânico. Toda a equipe tentava apagar o fogo. Logo apareceu Yoshiatsu Itoh, o chefe dos mecânicos, com um extintor de incêndio de pó químico que, se aplicado sobre as chamas, inutilizaria o motor. Wilsinho, na ânsia de impedir a operação, em vez de tirar o aparelho das mãos de Itoh, agarrou o mecânico pelo pescoço, mas arrancou só a mangueira do extintor. Depois, como ele não conseguia conter o pó do extintor sem a mangueira, enfiou-o no ralo do esgoto. Resolveu o problema dele, mas acabou provocando a saída de fumaça por todas as bocas dos bueiros do paddock. As cenas, que eram sérias, acabaram cômicas e atrasaram a ida de Emerson Fittipaldi para a pista.
O treino classificatório do sábado foi outro sufoco. Por mais que o Rato tentasse, não passava da 23ª posição na classificação. Faltavam cinco minutos para definir o grid, quando Emerson parou no boxe e aconteceu uma cena rara na Fórmula 1, que Wilsinho descreve como “a hora de acordar o Rato”. Eis a sua versão: “Nós sabíamos que tecnicamente não havia mais nada a fazer no carro, ele estava no limite. Então a coisa tinha que ser no grito. Tanto o Ricardo Divila como eu sabíamos que o carro não era uma maravilha, porém estava bom.
Mônaco é um circuito que exige muito empenho e para andar rápido tem de se usar cada centímetro da rua, o que nos obriga a subir na calçada em alguns trechos. Então eu falei ao Emerson: ‘Olha, na Lowers (curva em S no final da descida do Cassino), sobe na calçada, não interessa a pancada que você vai dar na suspensão. Esse é um problema que nós resolvemos depois. Se você sentir que vem numa volta boa, voe para cima da calçada, com duas rodas, tudo bem. Montecarlo tem um circuito muito enganador, em que se tem a impressão de estar pilotando no limite, por causa da proximidade dos guardrails. Mas há trechos em que só subindo nas zebras, como nas duplas curvas da Piscina, se pode ganhar 100 giros. E 100 giros numa marcha é um ganho fantástico, principalmente naquela pista do Principado. Resumindo: Mônaco tem um caminho difícil de descobrir”.
Naquele ano – 1976 – ainda não havia rádio de comunicação entre boxe e carro, por isso o Tigrão apelou aos gritos para “acordar o Rato”: “Estamos fora, fora”, berrava, lembrando ao irmão que só 20 carros largariam e o Fitti-1 ainda estava com o 23º tempo. Emerson permaneceu imóvel. Esperou a colocação do combustível necessário para apenas duas voltas e voltou à pista para a última tentativa de se classificar para o grande prêmio. “Eu soltaria rojões se ficássemos com o 20º lugar, porque fechar o grid, naquele circuito, não era nenhum vexame. Tanto que ficaram fora o Jacky Ickx, Arturo Merzario, Henri Pescarolo e Larry Perkins, todos pilotos experientes a bordo de Williams, March, Brabham e Surtees, considerados carros bastante competitivos”, conta Wilsinho. Mas aí o Emerson vai lá, baixa 2 segundos do tempo dele, crava o temporal de 1’31″39, se colocou em sétimo e fechou a corrida em sexto lugar, para alegria nossa e admiração geral.”
Wilsinho acha que “acordou o bicho” e garante que esse fato pode acontecer com todo piloto. “Sei por mim”, admite. “Quantas vezes senti que não estava num bom dia para guiar. O carro não tinha problema, mas eu ficava 5 ou 6 décimos abaixo do meu tempo normal. Aí uma sacudida desperta o cara. Naquele dia funcionou com o Emerson. Nós estávamos fora da corrida e, depois da sacudida, ele conquistou um esplêndido sétimo lugar na largada. E ainda marcamos um pontinho. Valeu o grito.”
Realmente valeu o esforço, principalmente numa escuderia nova, para a qual cada ponto conquistado valia como uma vitória. E não foi por falta de empenho que os Fittipaldi deixariam de figurar nos grids e na pontuação. Uma das provas da dedicação de Wilson Fittipaldi aconteceu na véspera daquele GP de Mônaco de 1976, em que ele bancou o detetive.
O Tigrão estava tão intrigado com tantos pequenos problemas que aconteciam no Fitti-1 que chegou a desconfiar de sabotagem. Suspeitou que alguém poderia estar mexendo no carro depois do check-up, porque aconteciam fatos estranhos, como parafusos soltos no semi-eixo traseiro, contraporca frouxa no braço da suspensão e outros pequenos defeitos que se tornavam sérios na corrida. Ocorrências misteriosas, porque todos os mecânicos eram de confiança e tudo no carro era minuciosamente conferido no check list do Fitti-1. Era impossível, portanto, aqueles tipos de falhas acontecerem. Por isso resolveu fazer uma estranha campana. No sábado, após todo o trabalho para deixar o carro de Emerson pronto para o warm-up do dia seguinte, foi para o hotel e pediu à mulher Suzy que comprasse um saco de dormir. Ela estranhou o pedido, mas Wilsinho insistiu e, sem contar nada a ninguém, às 11 horas da noite foi para a tenda vigiar o carro. Era a grande chance de comprovar as suspeitas, porque em Mônaco os boxes são improvisados, ficam em pátio aberto, e seria fácil vigiar.
Acomodou-se na tenda onde estava o Fitti-1 e ficou atento. Lá pelas 2 horas da madrugada notou que alguém espiava por baixo da lona, mas logo certificou-se de que não passavam de curiosos notívagos. Dormiu, e ao amanhecer levou um susto ao acordar todo ensopado. Pensou que tinha se urinado todo, mas sentiu um alívio ao constatar que tinha sido molhado pela água com que os garis lavam as ruas de Mônaco durante a madrugada. A água entrou por baixo da tenda e molhou o saco de dormir. Às 7 horas da manhã do domingo da corrida, Wilson teve de circular molhado e constrangido pelas vielas do Principado, mas pelo menos, tirou a idéia de sabotagem da cabeça.
GP da Áustria de 1975, o maior susto de Wilsinho
Wilson Fittipaldi Jr. competiu em 36 grandes prêmios de Fórmula 1. Percorreu cerca de 20 mil quilômetros, numa média de 250 km/h. Passou por momentos cruciais, mas o grande susto da carreira aconteceu no GP da Áustria de 1975. Confira sua história: “Eu vinha rápido, a 275 km/h, na minha melhor volta na sessão de classificação de sábado. De repente senti um tranco, a suspensão dianteira esquerda abriu, a roda arrebentou e passou voando ao lado da minha cabeça, com manga de eixo, disco de freio, tudo se desintegrando. Quando eu vi a roda passar, pensei: ‘Nossa, vou dar uma pancada violenta’. Já tinha virado passageiro do carro, sem direção nem freio. E quando a gente tem consciência de que vai bater o impacto demora uma eternidade. Parece que tudo acontece em câmera lenta. Diferente de quando o choque acontece de repente, sem a gente esperar”.
“No puro reflexo tirei as mãos do volante, me precavendo contra o impacto frontal da roda, que ao bater provoca um golpe tão forte na direção que pode quebrar nosso braço. Meu drama aumentou quando vi as cercas de proteção se aproximando. O carro arrancou dois lances da cerca e parou no terceiro. Estancou, mas eu entrei em pânico, porque ouvi um ruído que logo identifiquei como sendo de fogo. Imediatamente acionei o botão do extintor de incêndio do motor. Funcionou. Senti nas costas o frio da espuma que entrava cockpit adentro. Fiz a primeira tentativa de sair do carro, mas não consegui, porque as telas de aço arrebentaram e enrolaram todo o carro. Até aí não tinha chegado nenhum tipo de socorro. Então pensei: ‘Se o carro pegar fogo comigo enrolado na tela de aço, estou morto’.
“Dentro do carro, no meio de uma fumaceira, com a tela me apertando e sem socorro, senti uma dor horrível no pulso direito. Minutos depois chegou o primeiro comissário de pista, que tentou, sem nenhuma chance, remover a tela. Só senti certo alívio quando ouvi a voz do Emerson e do Moco (José Carlos Pace) gritando para providenciarem um alicate para cortar a tela. Suspirei aliviado: pelo menos eles estavam ali. O Emerson gritava para providenciarem mais extintores e então voltei a tremer, com medo de novas chamas. Mas entendi que era prevenção dele, porque ainda sentia parte das costas gelada pela espuma do extintor que eu tinha acionado.
Felizmente, alguém apareceu com o alicatão e foram cortando a tela para me tirar do carro. Saí ensopado de suor e espuma antifogo. Foi o maior susto, o maior acidente da minha carreira na Fórmula 1. Passei por um enorme perigo – e pelo tamanho da batida as conseqüências foram pequenas. Tive a sorte de apenas ter quebrado o pulso da mão direita. Mesmo assim, só fiquei fora uma corrida. Não participei do GP da Itália, mas um mês depois do acidente voltei no Grande Prêmio dos Estados Unidos, minha última corrida na Fórmula 1”.