Além de Wilsinho Fittipaldi, que disputou 11 grandes prêmios, e Emerson, com 78, outros cinco pilotos estiveram inscritos nos 104 grandes prêmios de que o Fitti F-1 participou entre 1975 e 1982.
O finlandês Keke Rosberg esteve presente em 29 corridas nas temporadas de 1980 e 1981 e marcou seis pontos, entre os quais quatro de um terceiro lugar no GP da Argentina de 1980. O italiano Arturo Merzario correu apenas o GP da Itália de 1975 (largou em 26º e fechou em 11º), substituindo Wilsinho, que havia se acidentado no GP da Áustria.
Os outros três foram os brasileiros Ingo Hoffmann e Alex Dias Ribeiro, ambos com três provas, e Chico Serra, que participou de 14 grandes prêmios entre as temporadas de 1981 e 1982 e marcou 1 ponto no GP da Bélgica de 1982.
Ingo Hoffmann, o formigão veloz
Ingo Ott Hoffmann – mas pode chamar de Alemão – foi para a Inglaterra para competir na Fórmula 3. Estreou em 29 de abril de 1975, em Silverstone, a bordo de um March – Novamotor 753.
Já na estréia o paulistano Hoffmann surpreendeu-se ao ver que as coisas não eram tão difíceis como imaginara. Emplacou um quinto lugar e foi conhecendo os segredos do carro. Venceu sua quarta prova, em Oulton Park, onde, além da pole position, estabeleceu a volta mais rápida. Foi o sexto, entre 108 inscritos em Mônaco, e ainda deu repeteco em Silverstone, batendo 84 rivais na famosa prova patrocinada pela Associação dos Construtores de F-1, que reúne pilotos de todos os campeonatos regionais da Europa. Só não marcou pontos em três das 11 provas em que competiu, finalizando o campeonato na sexta posição.
Os Fittipaldi, que orientavam a carreira de Ingo na Europa, acharam que já era hora de seu pupilo testar um carro mais veloz e sugeriram que ele passasse à Fórmula 5000, um degrau para a F-1, na época. O Alemão topou imediatamente e teve uma experiência muito proveitosa, pilotando o Chevron B28. Esse F-5000 propiciou a Ingo lições da maior importância. Sentiu as reações de um carro veloz, sobretudo nas aproximações de curva, que mudam totalmente a forma de pilotagem de um circuito para outro.
Ingo fechou a fase da F-5000 com duas quebras e dois terceiros lugares, correndo contra carros mais competitivos e botas experientes como o campeão Teddy Pillet, Peter Gethin e Ray Mallock, que passaram à F-1 no final daquela temporada. Bastou esse retrospecto para Wilsinho Fittipaldi achar que o Alemão estava pronto para o batismo na Fórmula 1.
Antes de migrar para a Europa, Ingo Hoffmann tinha competido com raro brilhantismo nas categorias brasileiras de Turismo das Divisões 1 e 3 e na Fórmula Super Vê. Além das providências normais da viagem, ele vendeu seus carros, motocicleta, fez um curso intensivo de inglês e tomou uma das atitudes mais importantes da sua vida: antecipou o casamento com a noiva Ruth, com quem passou a dividir as emoções da lua-de-mel e o desejo de chegar à Fórmula 1.
O primeiro teste de Ingo no Copersucar aconteceu na segunda-feira, 28 de outubro de 1975, na mesma pista de Silverstone, em que tinha estreado na F-3, sete meses antes. O Alemão não esperava tanto. Apesar do escondido nervosismo, sabia que os irmãos Fittipaldi não exigiriam muito de sua pilotagem. “O Wilsinho e o Emerson tinham mais confiança em mim do que eu”, relembra Ingo.
Mas Darci Medeiros, velho e experiente mecânico dos Fittipaldi, não acreditou muito na calma aparente do piloto e bolou uma maneira de aliviar a tensão do estreante. Às pressas, mandou desenhar uma formiga de capacete no cockpit do FD-03. Era o “Formigão Veloz”. Uma brincadeira que lembrava o apelido que Ingo ganhou depois de ter capotado sobre um formigueiro no circuito de Cascavel, no Paraná, numa prova de Super Vê, quando teve o capacete invadido por saúvas. Trinta anos depois, Darci ainda conserva com carinho a parte da carenagem pintada com a figura do Formigão Veloz.
O primeiro teste de Ingo aconteceu na presença de toda a equipe: Emerson, Wilsinho, Jo Ramirez, Ricardo Divila, Yoshiatsu Itoh e todos os mecânicos. Bastaram 20 voltas para Hoffmann gostar do Fitti. Achou o carro prazeroso e surpreendeu-se por não precisar aliviar o pé nas tomadas de curva, porque a estabilidade do F-1 permitia entrar forte e continuar acelerando, um desempenho impossível nos F-3 e F-5000.
Wilsinho Fittipaldi gostou da performance do seu piloto e deixou-o à vontade. Ingo completou 76 voltas, o mesmo número do GP da Inglaterra, e exultou quando viu que tinha cravado como melhor tempo 1 minuto e 21 segundos, ficando só a 1,5 segundo da volta mais rápida de Clay Regazzoni, com a Ferrari (1’20″9), no GP da Inglaterra de três meses antes.
Apesar de satisfeito com os testes e parabenizado pelos irmãos Fittipaldi, Ingo mantinha-se comedido. “Estão fazendo muito barulho com o meu trabalho na F-1. Tem até quem pense que eu posso ganhar o próximo GP do Brasil. Continuo achando que cheguei muito rapidamente à Fórmula 1, mas a chance apareceu e eu não podia deixar de aproveitá-la.” Em 25 de janeiro, três meses depois do teste de Silverstone, o Alemão alinhava no GP do Brasil de F-1, de 1976.
Ingo seguiu o mesmo roteiro nos três dias do Grande Prêmio. Levantou-se às 7h30, tomou café, comeu bastante chocolate, escolheu frutas frescas e sais minerais para levar ao autódromo e rumou para Interlagos com Ruth. Na espera para entrar em ação, ele provou três sensações completamente diferentes: ansiedade para que tudo começasse logo, medo sem razão e momentos de muita tranqüilidade.
Na tomada de tempo de sexta-feira, o Alemão rodou na entrada na curva do S, e no sábado, na do Pinheirinho. Sua melhor marca no primeiro dia de treinos livres foi a de 2’40″86, e embora tenha baixado o tempo em 20 centésimos no sábado, garantindo o 22° posto do grid, não ficou satisfeito com o progresso.
Ingo Hoffmann correu o GP do Brasil de acordo com os conselhos de Wilsinho Fittipaldi. A prioridade era terminar a prova, para adaptar-se o máximo possível ao carro e a um Grande Prêmio de F-1. E não podia ser diferente pilotando o FD-03, um carro muito difícil de guiar em Interlagos, por causa da pouca estabilidade nas curvas de alta velocidade. Portanto, fechar a corrida em 11° lugar, à frente de feras como Carlos Reutemann, Emerson Fittipaldi (13º), Ronnie Peterson, James Hunt, Mario Andretti e Jacques Laffite, foi ótimo para a estréia do Alemão.
Ingo, que aparentava ter saído do carro mais nervoso do que entrara, resumiu com sinceridade a corrida. “Para mim foi ótimo. Aconteceu exatamente o que se podia esperar: cheguei até o fim da prova. Eu – e todo mundo – sabia que não poderia acompanhar os ponteiros e só cometi um pequeno erro, entre as curvas 1 e 2, quando dei uma escapada.” Sedento, e visivelmente emocionado, Ingo bebeu muita água e derramou outro tanto na cabeça, deixando o precioso líquido escorrer pelo rosto vermelho e suado. Sorriu timidamente aos amigos que o aplaudiam e depois se recolheu ao fundo do boxe e cochichou no ouvido de Ruth: “Eu ainda estou tremendo”.
A intenção de Fittipaldi era a de manter Ingo no segundo carro da escuderia. Mas os planos da Copersucar goraram. O FD-04 não correspondeu à expectativa e a Fittipaldi optou por manter só Emerson na pista. Ingo ficou em 25° no grid de Long Beach, 30° na Espanha e 29° na França. Não se classificou para as largadas, nem foi inscrito nos outros 12 grandes prêmios da temporada. Em 1977, Hoffmann voltou à F-1. Alinhou em 19° na Argentina e fazia boa prova, mas o motor quebrou e ele parou na 22° das 53 voltas previstas. No GP do Brasil, repetiu a 19ª posição no grid e fez uma corrida perfeita, terminando num expressivo sétimo lugar.
Satisfeito com a boa colocação do Alemão em Interlagos, Wilsinho Fittipaldi chegou a anunciar a participação de Ingo no restante da temporada. Mas, como os novos modelos Fittipaldi F-5 e F-6 mais uma vez não aprovaram, só Emerson seguiu na tentativa de desenvolver o F-1 brasileiro. O Formigão Veloz não voltou mais à F-1.
Pelo menos por 30 anos. Porque pôde matar as saudades do monoposto, ao voltar a pilotar o primeiro modelo dos Fitti-1, na apresentação do FD-01, reconstituído, no histórico 10 de novembro de 2004, em Interlagos. O velho Ingo saiu do carro depois de duas voltas, vermelho e emocionado por ter voltado no tempo e na história da Fórmula 1. Desta vez, o ouvido da mulher Ruth não estava por perto para ele cochichar que estava tremendo, mas precisou de três minutos para conseguir desabafar: “Que loucura, fiquei 30 anos mais jovem”.
Alex Dias Ribeiro, o piloto de Cristo
Para o ex-piloto de Fórmula 1 e pastor Alex Dias Ribeiro, competir no automobilismo europeu não passava de um sonho distante, antes de Emerson Fittipaldi iniciar a carreira internacional. A ida do ídolo, em 1969, abriu o caminho para o “Piloto de Cristo” curtir a velocidade e alardear a fé nas pistas do mundo.
Alex ouvia falar muito nos irmãos Fittipaldi, mas só tinha visto Wilsinho Fittipaldi uma vez, na sua cidade, nos 1000 Quilômetros de Brasília. Deslumbrou-se ao ver o Tigrão com o Gordini alinhado para a largada. Alex tinha 14 anos e era vidrado em automobilismo. Quando fez 18 anos, em 1967, foi com João Luís, seu sócio na Camber, uma loja-oficina de breguetes de carros, ao Salão do Automóvel de São Paulo. E, já que estavam por lá, aproveitaram para ir ao bairro do Socorro, próximo ao Autódromo de Interlagos, onde os irmãos Fittipaldi tinham a fábrica de karts.
Mesmo passados 37 anos, Alex recorda detalhes da visita: “Chegamos ao galpão onde estavam os carros de competição da Willys e resolvemos bater. Apareceu o Wilsinho. Nós não esperávamos por aquela surpresa e ficamos mudos. Tão sem jeito que eu não sabia o que dizer. Quando me recuperei, a reação foi contrária, desatei a falar sem parar, inclusive nos oferecendo para representá-los em Brasília”.
O Wilsinho mostrou a fábrica aos novos amigos e fez um convite que estremeceu Alex: perguntou se eles não gostariam de ir até o kartódromo de Interlagos, onde o Emerson estava amaciando os motores de kart. Claro que toparam na hora. Conheceram Emerson e, ainda deslumbrados e surpresos com a amabilidade dos irmãos, subiram às nuvens quando, de ídolos, os Fittipaldi passaram a ser parceiros de negócios, com a representação da Mini, fábrica de karts, e dos volantes Fittipaldi, em Brasília.
Quando Alex foi para a Fórmula 3 européia, em 1974, e viveu a fase das pancadas – “eu batia à beça”, ele admite –, muitos o consideravam maluco. Emerson Fittipaldi lhe deu a maior força e acreditou que ele era bom piloto.
Antes de competir para a Fittipaldi, Alex Dias Ribeiro pilotou o March 762, na Fórmula 2, em 1976 e fez a estréia na Fórmula 1, com um ultrapassado Hesketh, na última corrida da temporada, o GP dos Estados Unidos-Leste, em Watkins Glen. Em 1977, Alex assinou contrato com a March e disputou posições com o Fitti F-5 de Emerson Fittipaldi em vários grandes prêmios. Depois da temporada de 1978, com o March-Hart – que exibia a inscrição “Jesus Saves” – da Fórmula 2, Alex Dias Ribeiro ficou a pé. Estava desenvolvendo um Fórmula Ford para a equipe do irmão Fernando, quando foi convidado por Wilsinho Fittipaldi para testes na equipe.
Alex topou e foi provar o Fitti F-5A, primeiro no circuito de Donington Park, na Inglaterra, depois em Missano, na Itália, antes de ir para Ímola competir numa corrida extracampeonato, homologatória do circuito Enzo e Dino Ferrari para o GP de San Marino.
Alex achou o carro razoável, previsível nas reações, portanto fácil de acertar, mas já estava ultrapassado pelos carros-asa, que eram a grande revolução aerodinâmica da época. O plano dos Fittipaldi era que Alex disputasse só a corrida de Ímola. Depois, a equipe iria experimentar Chico Serra nos GPs do Canadá e dos Estados Unidos, as duas provas finais do ano de 1978, para escolher, entre os dois, quem seria o companheiro de Emerson Fittipaldi em 1979. Porém, Chico Serra estava disputando o título da F-3, na reta final do Campeonato Inglês, e o patrão Ron Dennis protestou contra seu teste no F-1 brasileiro. Pressionou-o a não aceitar o convite da Fittipaldi, e Alex foi mantido.
“Foi a sorte do Chico”, relembra Alex. A equipe já tinha finalizado o novo carro, o F-6, um protótipo que nasceu defeituoso. Mas só depois de pronto é que eles descobriram que as cargas de mola usadas nos carros-asa eram estratosfericamente mais duras que as do F-6. Foram colocadas novas molas, mas aí a decepção foi ainda maior, porque o material do carro era frágil, o chassi torcia muito e não tinha resistência suficiente para suportar a dureza das cargas das molas”, conta Alex.
O problema era tão grave que, com apenas meia hora de treino no GP do Canadá, descobriram um trincado no painel. Emerson ainda se classificou em 15o, mas Alex, com o 28º tempo, ficou fora do Grande Prêmio.
O GP dos Estados Unidos foi outra frustração. Emerson ainda largou em penúltimo, como 23º, mas o Piloto de Cristo, com o 29º tempo, não se classificou. Alex encerrou a participação na Fórmula 1 em 7 de outubro de 1979, porque a Fittipaldi comprou a Wolf e, como o Keke Rosberg já estava lá, foi ele o companheiro do Emerson em 1980.