O Brasil de 1972 tinha uma seleção de futebol tricampeã mundial. Pelé ainda jogava muita bola e, como outros 100 milhões de brasileiros, comemorava o título inédito da conquista do Campeonato Mundial de Fórmula 1 por Emerson Fittipaldi. O nosso “Rato Voador”, a bordo do carismático Lotus preto e dourado, colocou o país no mapa do automobilismo mundial, imortalizou-se na galeria dos grandes campeões, detonou as emoções que tornariam o Brasil, além de país das chuteiras, o país da F-1, descobrindo o caminho das pedras que os meninos Nelson Piquet e Ayrton Senna iriam trilhar.
São Paulo preparava-se para inaugurar a primeira linha de metrô, mas era na superfície das avenidas de nossas metrópoles que rodavam os carros anunciados em inspiradas campanhas publicitárias. Veículos compactos, ideais para enfrentar a crise do petróleo gerada com a guerra no Oriente Médio. A GM apresentou o Chevette, com um econômico motor de 1400 cm3. A Chrysler, por sua vez, colocou no mercado o Dodge 1800, irmão menor dos luxuosos Dart e Charger. A Brasilia, o utilitário compacto da Volkswagen, de motor 1600, caiu tanto no gosto da classe média que havia filas de espera de até seis meses para adquiri-la. A Ford competia com o Corcel “cor-de-mel” e a Fiat, recém-chegada, brigaria por uma fatia no mercado dos pequenos alguns anos depois, com o modelo 147.
Foi nesse cenário automobilístico que uma fábrica de carro e sonhos começou sua produção no número 6322 da estrada de Parelheiros, em frente ao portão 3 do autódromo de Interlagos. Lá dentro estava sendo desenvolvida a genética do primeiro protótipo brasileiro de Fórmula 1. Uma oficina-laboratório onde iam sendo desenhadas e fabricadas peças artesanais para o audacioso projeto sonhado por Wilson Fittipaldi Júnior e materializado pelo engenheiro Ricardo Divila. Um ideal para o qual não faltava entusiasmo, mas sobravam dificuldades.
Um dos problemas mais sérios era testar um carro-maquete. No Brasil, só a Embraer, a Empresa Brasileira de Aeronáutica, tinha túnel de vento. Era também a única a possuir materiais com especificações aeronáuticas, utilizados na construção de carros de Fórmula 1. E foi após uma reunião de oito horas entre Fittipaldi, Divila e os engenheiros da Embraer, que o coronel Osíris Silva, diretor de empresa, selou a colaboração para a realização do F-1 brasileiro. Naquele momento, que Wilson lembra como histórico, o carro começava a ser construído. “Nós tínhamos dificuldades de todos os tipos, como a importação de material. Necessitávamos de 15 chapas de alumínio para a carroçaria e, quando pedíamos o orçamento para as firmas inglesas, elas perguntavam logo: ‘Quantas toneladas vocês desejam?’. A Embraer nos forneceu todo o material na quantidade de que realmente necessitávamos, não só para a carroçaria como para as mangas de eixo, argônio para a solda e materiais de outras especificações. O projeto do nosso F-1 só se tornou realidade graças à colaboração da Embraer. Sem ela, no Brasil, seria impossível”.
F-1 anos 70 – nasce o F-1 brasileiro
Emerson Fittipaldi estreou na Fórmula 1 no GP da Inglaterra no dia 16 de julho de 1970, sem pontuar. Foi o quarto colocado na corrida seguinte, o GP da Alemanha. Não competiu na Itália e no quarto grande prêmio que disputou, em 4 de outubro, venceu o GP Estados Unidos, em Watkins Glen. Uma vitória que deu a Jochen Rindt, seu companheiro na Lotus, morto num acidente nos treinos do GP da Itália, o título de campeão post mortem.
Com Emerson, o Brasil entrava no circo para valer e na época da transição entre o romantismo e a segurança. A tragédia de Jochen Rindt serviu como holocausto para os pilotos, que liderados por Jackie Stewart, passaram a exigir mais segurança nos carros e nos autódromos. A Fórmula 1 iniciava a década de 70 muito mais profissional. Foram introduzidos os aerofólios largos, tomadas de ar, suspensões com barras de torção e pneus especiais. Técnico e experiente, Jackie Stewart não teve adversários na temporada de 1971, com o Tyrrell 001. Mas, em 1972, Emerson Fittipaldi formou com a Lotus 72 uma combinação irresistível. Foram cinco vitórias: Espanha, Bélgica, Inglaterra, Áustria e Itália, que fizeram de Fittipaldi nosso herói nacional e colocaram o Brasil no primeiro mundo do automobilismo.
Emerson transformou-se no Rato Voador e no grande adversário de Jackie Stewart. Foi vice do escocês em 1973, mas tornou-se bi – já de McLaren – em 1974. Derrotou, na última corrida, o temível Clay Regazzoni, da Ferrari, e deixou na poeira feras como Denny Hulme, Carlos Reutemann, Jody Scheckter, Ronnie Peterson e Carlos Pace. Em 1975, brilhou uma nova estrela. O austríaco Niki Lauda tirou a Ferrari de um jejum de dez anos sem título, pilotando o competitivo 312T (abreviatura do motor 3 litros,12 cilindros e o T do câmbio transversal).
Lauda ganhou o título de um campeonato disputadíssimo de 15 corridas, no qual nada menos do que nove pilotos venceram corridas. O brasileiro José Carlos Pace, o Moco, ganhou o GP Brasil, em Interlagos. Teve até uma piloto, a italiana Lella Lombardi – única mulher a pontuar na F-1 -, quinta colocada no GP da Espanha.
Para o Brasil, a temporada foi muito importante, pois, além do vice-campeonato de Emerson, marcou a estréia do F-1 brasileiro, o Copersucar FD-01, com Wilsinho Fittipaldi. Tão pouco faltaram emoções na segunda metade da década de 70. Niki Lauda ficou entre a vida e a morte depois de um terrível acidente no circuito de Nürburgring, no GP da Alemanha de 1º de agosto de 1976. Não competiu nos grandes prêmios da Áustria e Holanda, mas retornou no GP da Itália, em 12 de setembro, conquistando um quarto lugar, 37 dias depois de recuperar-se do estado de coma. Mas, no GP do Japão, a última corrida do ano, Lauda voltou a surpreender. Recusou-se a competir sob um temporal que desabou sobre o circuito de Fuji-Yama, entregando o título a James Hunt, substituto de Emerson Fittipaldi na McLaren.
Em 1976, o Brasil foi sacudido com a opção de Emerson Fittipaldi em competir pelo Fitti-1, renunciando à possibilidade de brigar pelo tricampeonato mundial, com o competitivo McLaren. O ano de 1978 foi do ítalo-americano Mario Andretti, com o fantástico Lotus asa. Um título conquistado com facilidade pelo melhor wing-car da história da Fórmula 1, mas que não teve comemoração, porque o sueco Ronnie Peterson, o outro piloto da equipe, morreu em Monza envolvido num múltiplo acidente.
A década de 70 fechou de forma gloriosa para a Ferrari. Os italianos comemoraram o título de pilotos com o sul-africano Jody Scheckter, e o de construtores com a ajuda do canadense Gilles Villeneuve. Mas o que a fanática a tifosi nem desconfiava é de que aquele seria o último título até o final do milênio. A alegria só voltaria em 2000, na era Schumacher.