O segundo lugar com o F-5A no GP Brasil de 1978, disputado em 29 de janeiro em Jacarepaguá (RJ), foi um prêmio para os irmãos Fittipaldi por três anos de dedicação e teimosia. A última vez que Emerson Fittipaldi havia subido num pódio havia sido em 19 de julho de 1975, na sua 14ª vitória na Fórmula 1, no GP da Inglaterra, em Silverstone.
Emerson, um emotivo chorão, foi às lágrimas ao descer do carro e entrar no boxe onde o irmão Wilsinho, capaz de explosões incontroláveis, flutuava em risos e lágrimas. Foi uma classificação memorável, afinal, Emerson tinha competido como autêntico bicampeão mundial. Largou em sétimo e deixou na poeira carros e pilotos candidatos a campeão. Botas como Niki Lauda (Brabham-Alfa), Mario Andretti (Lotus), Gilles Villeneuve (Ferrari), Clay Regazzoni (Shadow) e Didier Pironi (Tyrrell).
Na verdade, o F-5A conquistara aquele segundo lugar – só foi batido pela Ferrari de Carlos Reutemann – depois de um grande susto. Poucos souberam das aflições passadas no boxe brasileiro antes da largada. No momento em que o mecânico ligou o motor do carro, 15 minutos antes de Emerson sair para ocupar o sétimo lugar no grid, ouviu-se um ruído agudo seguido de um estalo. Era o semi-eixo do câmbio que tinha quebrado. Um defeito grave, que só podia ser reparado em, no mínimo, três horas de trabalho, com a retirada do motor e o desmonte da caixa de câmbio.
Emerson ficou lívido, Ricardo Divila atônito, enquanto Wilsinho, aos gritos, ordenou aos mecânicos que colocassem o carro reserva na posição do titular para o Rato ir para a pista. O que até Emerson ignorava é que, após todos os treinos e a classificação, o Tigrão dava ordens expressas aos seus mecânicos para passarem tudo o que se aprovasse no carro titular para o reserva. Portanto, mecanicamente, o segundo carro estava igual ao primeiro, mas só havia rodado aqueles seis metros, empurrado para fora do boxe.
Mas não houve problemas. Emerson entrou no carro, o motor foi acionado e o Fitti-1 reserva saiu para a pista, enquanto Wilsinho foi a pé até o grid, para saber de Emerson como tinha sido o comportamento do carro na volta de apresentação. “Foi o maior susto da minha vida”, admite o Tigrão. “Se o carro não larga naquele grande prêmio no Rio, iam linchar a gente em praça pública. Nós éramos uma espécie de Ferrari no Brasil.” Respirou aliviado quando a 10 metros do grid viu o irmão levantar o polegar dando-lhe o sinal de positivo. Emerson, um tanto surpreso, disse a Wilsinho que o carro estava melhor que o titular. Entre feliz e nervoso, o Tigrão viu seu protótipo largar normalmente e foi sofrer no boxe as 63 voltas da corrida, para ter direito de vibrar com a bandeirada do fantástico segundo lugar.
A reação do público também foi emocionante. O segundo lugar foi comemorado como se ele tivesse conquistado um campeonato mundial com o carro brasileiro. A pista foi invadida, o pódio cercado e Emerson saudado como herói. Logo após o Hino Nacional explodiram os gritos de “um, dois, três, Reutemann é freguês”, como forra ao piloto argentino da Ferrari, vencedor da corrida.
“Foi um resultado muito importante porque não dependeu de quebras de carros à minha frente. A gente foi buscar aquele segundo lugar, na raça”, desabafa o Rato Voador. Quando o semi-eixo do câmbio quebrou, no instante de rumar para o grid, eu fui quem menos se apavorou, porque sabia que o Wilson tinha mandado passar tudo o que deu certo no carro titular para o reserva.
Logo que entrei no miolo do circuito, senti que o carro estava bom. Apenas tive receio porque aquela volta de apresentação era a única que eu tinha rodado com o segundo carro. Mas durante a corrida aconteceu um problema sério comigo. Fazia um calor de 48 graus na pista do Rio de Janeiro e o tubo da garrafa d’água – da qual o piloto bebe durante a prova – desconectou e eu passei mal. Via a água voar do lado do capacete e não conseguia sorver uma gota. Terminei a corrida desidratado, saí do carro seco e com três quilos a menos. Porém resisti, porque o carro estava muito bom, um pouco menos veloz do que a Ferrari do Carlos Reutemann nas retas, mas nós fomos mais rápidos que a outra Ferrari, os Tyrrell, Brabham e Shadow e passamos direto e bonito pelo Lotus do Mario Andretti.
Eu conquistei vários segundos lugares na minha carreira, mas sem dúvida aquele do GP do Brasil de 1978 foi muito especial. Senti uma satisfação igual à das minhas vitórias mais clássicas, como a dos GPs da Argentina e o do Brasil de 1973, a do meu primeiro título no GP da Itália em Monza, em 1972, e a da conquista do bicampeonato mundial, no GP dos Estados Unidos, em Watkins Glen, em 1974. Aquele segundo lugar no Rio de Janeiro, com um carro brasileiro, o Fittipaldi, foi minha conquista mais terna. É preciso projetar o segundo lugar de um carro brasileiro de F-1 neste ano de 2004, para imaginar o que significou aquela colocação no GP do Brasil de 1978.”
O F-5A, o protótipo do protótipo
“O nosso F-5A foi um modelo bem constante. Era um pouco lento nas retas, mas ia bem em todos os tipos de curva. Era um modelo adaptado do F-5, projetado pelo David Baldwin, que foi baseado no Ensign. O Baldwin errou na projeção de manga de eixo e rolamento e até a própria suspensão estava muito frágil. Não estava de acordo com a evolução dos pneus. Foi uma temporada em que eles evoluíram muito. O carro do Baldwin ficou defasado por causa do aumento de aderência dos pneus e isso comprometeu os cálculos do projeto.
E não foi culpa do projetista, isso aconteceu em outras equipes. Por exemplo, o Lotus 49 era um carro excelente. O Jochen Rindt ganhou o campeonato de 1970 e aí o Colin Chapman fez o 72, em 1971, sobre a mesma base do carro vencedor. Mas, então, a Firestone melhorou muito o composto dos pneus, aumentando a aderência, e nós não conseguíamos acertar o carro. Isso aconteceu na Lotus, que só voltou a ser competitiva no ano seguinte, com um modelo de suspensão de acordo com a evolução dos pneus.
O F-5 do Baldwin – e de muitos outros engenheiros daquela temporada de 1977 – mexia muito com a estrutura do carro, por causa da grande aderência dos pneus. A solução foi reforçar a estrutura. Adaptação que fizemos no Studio Fly, dos italianos Giacomo Calliri e Luigi Marminori, onde nasceu o F-5A.
Apesar de todos os problemas com a reestruturação do carro, fechamos a temporada de 1978 com 17 pontos no campeonato de construtores. Estávamos à frente de McLarem, Williams, Arrows, Shadow, Surtees, Ensign e até da Renault, que tinha o apoio de toda a sua fabulosa organização. Mesmo largando sempre entre a quinta e a décima posição no grid, em três anos de competição, nós achávamos pouco e resolvemos dar um salto de qualidade que, em essência, resumia-se a ter um carro para vencer. Para esse lance o Wilson e eu colocamos todo o nosso dinheiro e partimos para um Fittipaldi F-1 dos nossos sonhos. Examinamos o circo e constatamos que o Ralph Bellamy, projetista dos Lotus 78/79, campeão disparado com o Mario Andretti em 1978, era o homem. Contratamos o Bellamy com a missão de projetar um Lotus amarelo convencional para depois ir evoluindo.
O Ralph Bellamy, entretanto, queria fazer uma evolução do Lotus 78, o carro super-rápido, o primeiro ‘ground effect car’, o F-6, o carro-asa. Disse: ‘Eu vou fazer o que o Colin Chapman fará daqui um ano’. E assim nasceu o F-6. O certo era ele ter chegado ao Brasil e feito um carro mais convencional, passado para a prancheta o que ele tinha aprendido na Lotus, com manga de eixo, suporte da suspensão e toda a parte estrutural do carro convencional, como eram McLaren, Williams ou Ligier, e teria dado certo. Porém o Bellamy optou por um carro muito difícil de construir. Era muito bonito. Todo o conjunto que prendia a suspensão traseira do F-6 era feito de bloco de alumínio usinado. O carro era uma obra de arte.
Lembro até que, quando o projetista Harvey Postlethwaite viu o carro em Interlagos pela primeira vez, não queria acreditar que ele tinha sido feito no Brasil. Chegou a repetir várias vezes que estava impressionado com o esmero e inovações da construção do F-6. Estava tudo lindo e maravilhoso com o carro, mas o salto no futuro do Bellamy pifou na competitividade. Ele errou na estrutura do chassi e na rigidez do conjunto que prendia a estrutura da suspensão no câmbio. Era um projeto bem desenhado e bem construído. Só que a rigidez estava fora do padrão mínimo.
Eu já tinha me assustado ao ver o F-6 na fábrica em Interlagos, com o escapamento lateral. A única coisa que mudou naquele tipo de escapamento foi o ronco, de que, aliás, eu não gostava. Também não gostei da saia do carro – todos os F-1 tinham essa inovação, os wing-car, mas eram de material rígido, para resistir ao toque no asfalto. A do F-6, o Bellamy fez de material de páraquedas flexível. Em resumo, ele deveria ter se baseado no último Lotus que construiu e manter o estilo convencional.
Quando o carro foi para Interlagos, eu dei uma volta e entrei no boxe. Saí do carro. Chamei o Bellamy e o Wilson para uma conversa franca e particular e disse-lhes que tínhamos um grande problema. Havia alguma coisa errada no carro, porque ao simples giro do volante, o carro virava violentamente. É muito difícil, para um engenheiro que dedicou dois anos de sua vida a um projeto, aceitar que existe um problema. Ralph insistia que aquela reação do carro era normal e que eu me habituaria a ela com o tempo. Discordei, e tive a certeza de que iria acabar me acidentando se não desistisse de pilotar aquela encrenca.
Levamos o carro de volta para a oficina perto do autódromo. Lá, fizemos testes para medir sua rigidez e tivemos a surpresa de constatar que o carro era extremamente flexível, muito abaixo da rigidez mínima necessária. Os cálculos tinham sido malfeitos. Tenho certeza de que a intenção de Ralph foi construir o melhor carro de Fórmula 1, mas o design deixou a estrutura maleável demais, e nada se podia fazer para consertar aquele problema.
Tivemos uma nova discussão com o Bellamy, juntamente com o Wilson e o Divila, e decidimos que a última chance do carro seria no GP da África do Sul. Terminei em último lá, e no GP da Espanha, que era a corrida seguinte, nós abandonamos aquele malfadado projeto futurista.
Foi o momento mais dramático na vida da equipe Fittipaldi. O Bellamy levou quase 20 meses projetando e construindo o F-6, investiu muito dinheiro, muita mão-de-obra, criou uma enorme expectativa – principalmente em mim, que era o piloto. Estávamos num beco sem saída na temporada de 1979. Tínhamos dois carros: o F-5A, já obsoleto, e um modelo 1979, novinho em folha, que não funcionava! Foi um desastre total e completo – um ano de pesadelo para mim.”
Por que deixei a F-1
“Eu estava psicologicamente muito afetado e sem motivação para continuar competindo na Fórmula 1. E não há nada mais estressante e perigoso que entrar numa corrida sem entusiasmo. Emocionalmente, sofri muito desgaste com a perda de vários amigos que pereceram na pista. Tecnicamente, o carro de efeito solo, da época, era muito violento de guiar e o perigo de um acidente fatal era grande. Houve um avanço tecnológico enorme, mas aumentou muito mais o risco. Não havia mais limite de velocidade na entrada de curva. Nas parabólicas, a força constante chegava a 5 g e a pressão aerodinâmica era tal que travava o volante nas curvas, quando o carro estava com o tanque cheio. Eu não estava mais me divertindo em pilotar.
Dá até vontade de chorar quando lembro a estréia do modelo F-8, de 1980, no GP da Inglaterra. Foi o último carro que eu guiei na F-1, e o melhor que nós fabricamos. O material humano também era muito bom; tínhamos o Harvey Postlethwaite, como projetista, o Peter Warr, ex-Lotus, dirigindo a equipe, e os melhores mecânicos da Fittipaldi e da Wolf. Possuíamos toda essa estrutura, que nos dava condição de ser uma equipe vencedora, mas estávamos sem patrocínio.
No final do ano, Postlethwaite recebeu o convite da Ferrari e veio falar comigo. Ele queria continuar conosco, sugeriu a renovação do contrato por mais três anos. Aí, fui obrigado a admitir que não havia mais condições. A única coisa que eu pude dizer foi que ele assinasse com a Ferrari, e desejei-lhe boa sorte. O Keke Rosberg transferiu-se para a Williams e acabou campeão em 1982.”