Embora Emerson Fitttipaldi acompanhasse toda a luta do irmão Wilsinho e do pai, o carismático Barão, no projeto do Fitti-1, a sua fase de piloto no carro brasileiro se iniciou a partir do modelo FD-04, lançado em 1976. Talvez por isso tenha se emocionado tanto ao sentar no cockpit do FD-01, no Salão do Automóvel de 2004, em 28 de outubro.
Acomodou-se com a satisfação de quem estava alinhado na pole position. Apertou o volante com carinho, tocou os pés nos pedais e observou os retrovisores como se estivesse num grid. Tudo isso indiferente ao imenso e ininterrupto clarão dos flashs que o iluminavam ao ser fotografado como nunca tinha acontecido a bordo de um carro de corrida.
O Rato Voador voltava a 1975. Época de bicampeão mundial, muito criticado por ter optado pelo carro brasileiro. Chegaram a acusá-lo de inimigo dos próprios interesses, por deixar a McLaren, com claro potencial de um tricampeonato mundial, para pilotar o F-1 da família, ainda na fase de afirmação.
Na verdade, Emerson diminuiu as chances de aumentar a sua glória para acrescentar à história. Eis o seu relato da aventura: “Quando cheguei à Fórmula 1 eu já tinha feito várias experiências em construir carros de competição juntamente com o meu irmão Wilsinho. Preparamos karts, construímos o Fitti- Porsche, o Volks bimotor e o Fórmula Vê. Claro que na Fórmula 1 é necessário muito mais estudo, experiência e patrocínio, mas eu sonhava em de ter nossa própria escuderia, baseada no meu país, totalmente nacional.
Em 1974, Wilson e eu começamos a construir o carro e já no ano seguinte ele pilotou com a série do FD-01 com os problemas normais de um F-1 estreante.
No meio de 1975, minhas negociações com a McLaren se complicaram. O Teddy Mayer, o diretor da escuderia, considerou minha proposta de salário muito alta, naturalmente achando que eu não teria opção, porque já estávamos em agosto e as equipes de ponta estavam com seus pilotos definidos para a próxima temporada. Então resolvi deixar a McLaren e unir-me a Wilson e à equipe brasileira.
Confiávamos nas boas experiências do início de nossas carreiras e no último desafio do Wilson na Fórmula 2. Lá, ele, juntamente com o Ricardo Divila e alguns mecânicos brasileiros, adaptaram um Brabham à categoria com muito sucesso. Portanto, tínhamos esperanças fundadas de que também na Fórmula 1 poderíamos vencer. Conseguimos patrocínio da Copersucar, uma cooperativa particular de produtores de açúcar, e fomos à luta”.
Por que passou à Copersucar
“Mas, ao contrário do que disseram na época, minha decisão de deixar a McLaren não foi para ganhar mais na Copersucar. Fui ganhando menos, porém muito motivado em guiar nosso carro. Também pesou na decisão o fato de o FD-04 ser um carro como eu achava que deveria ser: bem convencional. Gostei muito do projeto, era bem diferente do primeiro, o FD-01, o charutão. O Wilson e o Divila já tinham feito várias mudanças no FD-02, principalmente no sistema de refrigeração, e no FD-03 eles inovaram sensivelmente a aerodinâmica, embora alterasse pouco o aspecto visual externo.
O FD-04, que era como eu achava que deveria ser nosso carro desde o primeiro modelo: mais simples e convencional. Não que eu não gostasse da idéia inicial. Só achava um conceito muito avançado para uma equipe nova. O FD-04 era semelhante ao Shadow DN3, um carro muito rápido com o Jean-Pierre Jarier e o Tom Pryce. O nosso só não era convencional no apoio das suspensões dianteira e traseira, que foram fixadas em suportes feitos de placas de alumínio removíveis e presas com parafusos”.
Estréia do FD-04 em Interlagos
“A estréia foi animadora, e eu fiquei feliz porque o carro demonstrou potencial naquele GP do Brasil de 1976. Classifiquei-me em quinto lugar, o que era fantástico em se tratando da primeira corrida do carro. Ficamos à frente de Lotus, Williams, McLaren e Tyrrell. Mas aí pecamos por excesso de zelo, porque resolvemos colocar um motor novo que a Cosworth nos entregou como garantia. Eu achei ótimo, pois, se o carro estava bom com o tanque cheio e motor usado, com o novo tínhamos mais chance. Larguei pensando no pódio. Infelizmente o motor nos traiu já na quinta volta e tivemos que parar. Fechamos o ano com três sextos lugares, nos GPs dos Estados Unidos, Mônaco e Inglaterra”.
Em Long Beach, o primeiro ponto
Não havia ninguém mais preocupado que Wilsinho Fittipaldi naquele GP dos Estados Unidos de 1976, em Long Beach, a terceira corrida do ano. Emerson dava algumas voltas no circuito e voltava aos boxes reclamando que o carro saía demais de traseira. Mudavam as regulagens, ele voltava à pista, e aí o carro escapava em excesso nas curvas.
Ricardo Divila e Wilsinho tentaram várias combinações de suspensão, cargas de molas e de posição dos aerofólios, sem que o Fitti-1 desse resposta positiva. Trabalharam duro no treino livre para Emerson tentar a classificação com alguma chance no difícil circuito urbano de Long Beach. Mesmo com o carro saindo muito de frente nas curvas de média velocidade, o Rato conseguiu o razoável 16° lugar no grid de 20 participantes, à frente de botas respeitáveis como Bret Lunger, Arturo Merzario, Michel Leclere e Jacky Ickx, o gênio de Le Mans.
Já com a classificação garantida, Emerson voltou à pista para tirar uma cisma. Ele tinha desconfiado da mistura de combustível (ar-gasolina), pois o motor não atingia a potência máxima quando era exigido. Confabulou com Wilsinho, e resolveram alterar a mistura que a Cosworth, a preparadora do Ford V8, recomendava para o motor. O teste ficou para o warm-up do dia seguinte. Surpreendentemente, o carro melhorou bastante nas retomadas de velocidade e Emerson largou para a corrida com o motor do Fitti alimentado pela nova mistura.
O carro estabilizou e o Rato passou a girar todas as voltas em 1min24s, exatamente em cima da média dos líderes. Emerson já estava se divertindo, mas vibrou anda mais quando ultrapassou o Shadow de Jean-Pierre Jarier em plena avenida Ocean Boulevard, na reta de chegada da última volta da corrida, fechando em sexto lugar. “Senti a mesma emoção de uma vitória”, garantiu Emerson depois do grande prêmio, ensopado de suor e mais feliz que o trio do pódio formado por Clay Regazzoni e Niki Lauda, da Ferrari, e Patrick Depailler, da Tyrrell.
Aquele primeiro ponto do FD-04, conquistado no dia 28 de março de 1976, no GP de Long Beach, além da satisfação que deu aos irmãos Fittipaldi, abriu as portas da Associação dos Construtores da F-1 para a escuderia brasileira. Um privilégio que incluía o transporte do carro por conta daquela entidade, aliviando a contabilidade do time brasileiro.
GP da Bélgica: o Fitti-1 fora do grid
Apenas um mês e meio após o êxito do primeiro ponto, nos Estados Unidos, a equipe Fittipaldi amargou a decepção da não classificação no circuito de Zolder, no GP da Bélgica de 1976. Por mais que tentasse, o bicampeão mundial não conseguiu nada melhor que o 27° posto do grid, ficando fora da corrida por exíguos 4 décimos de segundo. Toda a escuderia brasileira estava consternada, e não era para menos. Afinal, pela primeira vez, em sete anos de F-1, Emerson Fittipaldi, o bicampeão mundial, duas vezes vice e dono de 14 vitórias, não havia se classificado para largar num grande prêmio.
Mais tarde, Emerson declararia que teriam que fazer um programa de muitos testes, sem o qual não se conseguiria desenvolver um F-1. Queria prevenir-se para que não se repetisse o ocorrido naquele GP da Bélgica, embora admitisse que a Fórmula 1 era cheia de surpresas. E lembrou o exemplo da Ferrari em Montecarlo, em 1971. Naquela corrida, a poderosa equipe italiana não conseguiu classificar o competente Mario Andretti. Mas já na prova seguinte, na Holanda, o belga Jacky Ickx venceu com a mesma Ferrari.
Mais calmo, Emerson atribuía o péssimo tempo na classificação daquele GP da Bélgica a um problema nos freios e ao fato de o carro derrapar demais de frente. Desacertos que obrigavam o piloto a aliviar o pé nas freadas e que não possibilitavam a aceleração rápida.
O regulamento da Fórmula 1 na época permitia que os dois primeiros carros não classificados alinhassem numa fila reserva, atrás dos 26 do grid oficial. Na hipótese de um carro quebrar no grid, ou na volta inicial, o primeiro reserva continuaria na prova. Mas se a largada fosse normal ele voltaria ao boxe. Emerson ignorou o benefício do regulamento.
A heróica classificação em Mônaco
“Em Mônaco corre-se algum risco para atingir o limite. Lembro que eu tinha a leitura dos trechos em que dava para passar com as rodas por cima das guias das calçadas e resolvi que ia dar duas voltas voando com as quatro rodas sobre as guias. Se o carro tivesse que quebrar chassi, suspensão, ia quebrar, mas eu conseguiria me classificar entre os 20 pilotos do grid. Colocamos uma suspensão muito branda, especial para aquele circuito. Usamos barras e molas moles, porque a suspensão trabalhava mais que o carro naquela pista de Mônaco, e só nessas condições o carro assimilava os trancos, senão voava para cima do guardrail.
Eu gostava muito de correr em Mônaco. Lembro que com a Lotus, em 1972, eu estava decidido a largar na pole position e na última volta subi na zebra da chicane do mar com as duas rodas, cortei caminho. Só ali ganhei quase meio segundo e fiz a pole (1’21″4). Então resolvi, quatro anos depois, que além da chicane ia subir em outras zebras e me classificar entre os 20 primeiros com o FD-04. Deu certo. O circuito tinha mudado, ficou mais lento, mas mesmo assim cortei muito na chicane do mar e nas duplas curvas do S da piscina, e ainda dei um tremendo tranco na curva do gasômetro. Enfim, redescobri o atalho e virei um tremendo tempo: 1’31″39, o sétimo mais rápido. Lembro que saí do carro satisfeito e encontrei o Hermano Coghi, que era mecânico do Niki Lauda, na Ferrari, vibrando com a nossa classificação. “Ôhhh, Emerson”, ele gritou. “Não dá para acreditar no que você fez com o carro. O Fitti está muito bom.”
“A temporada de 1977 nós abrimos com uma estréia promissora no GP da Argentina. Estava muito difícil acertar o FD-04 naquela primeira prova, mas trabalhamos duro nos treinos de classificação e, embora só obtivéssemos a 16ª posição no grid, o carro esteve bem na corrida e fechamos em quarto lugar, à frente de muita gente importante.
No GP do Brasil, a corrida seguinte, fizemos algumas mudanças na suspensão, visando a corrida. Mesmo voltando a largar em 16º, emplacamos um belo quarto lugar. Fechamos 1977 com 11 pontos, em nono lugar, à frente de Ensign, Surtees e ATS. Resultado que, embora fosse um progresso em relação ao ano anterior, ainda era muito pouco para as nossas pretensões”.