Bastou Wilson Fittipaldi Jr. e Ricardo Divila chegarem ao pequeno estande J-08, na abertura do Salão Internacional do Automóvel de 2004, para que se criasse uma grande confusão no Anhembi. Desde que eles retiraram a cobertura do FD-01, o primeiro Fórmula 1 brasileiro virou vedete do Salão.
Durante duas horas, piloto e projetista posaram incansáveis e orgulhosos ao lado da obra pela qual tinham sonhado, lutado e construído. Naquele 20 de outubro, pela primeira vez, o protótipo no qual Divila materializou suas idéias e conceitos de aerodinâmica na década de 70, era mostrado na sua exata originalidade.
Reconstruído pela Dana, num paciente trabalho de um ano, o FD-01 bateu um interessante recorde no sofisticado Salão do Automóvel, e que não tinha marcado nas pistas: o de carro mais fotografado. Divila, que também só reviu o seu primeiro projeto de F-1 na feira automobilística, não resistiu a um mergulho no passado, mais exatamente 1968, quando conheceu os Fittipaldi.
Ricardo Divila, o cúmplice no sonho
Wilson Fittipaldi Jr. ainda competia na F-1 pela Brabham, em 1973, mas já pensava seriamente em seu futuro nas pistas. Tinha planos de montar a própria equipe internacional, assim que parasse de pilotar. Uma escuderia Fittipaldi de F-1, afinal amava aquele ambiente e já tinha decidido direcionar seu destino para o topo do automobilismo mundial.
Apostando no projeto, ele estudava muito o circo. Achava, por exemplo, que os chassis, eram muito simples na época. A Fórmula 1 ainda não primava pela técnica de construção, nem havia muita preocupação com a segurança dos pilotos. Os protótipos eram feitos de alumínio e nem se falava num projeto que tivesse estrutura com poder de absorver impactos. Os materiais incombustíveis não faziam parte da construção dos carros e tinham sido recentemente introduzidos os tanques de borracha como única proteção antifogo. “A categoria tinha um percentual trágico”, lembra o piloto. “A média chegou a uma morte de piloto nas pistas a cada sete corridas.”
Wilson constatava essa realidade quando conheceu Ricardo Divila no verão de 1968. O moço de longos cabelos ruivos e óculos escuros, magro e loquaz, apresentou-se como engenheiro recém-formado, que adorava automobilismo, e pediu uma chance de trabalhar na Fittipaldi. O Tigrão testou os conhecimentos teóricos daquela figura irrequieta e ficou surpreso com as respostas. Ainda desconfiado, desafiou o jovem a desenhar um protótipo baseado no chassi de um Alfa GT AM, de motor 2 litros, de sua propriedade. Duas semanas depois, Divila retornou com a encomenda. Wilsinho ficou maravilhado com o projeto. Era moderno e minuciosamente detalhado, tanto na aerodinâmica como na parte mecânica. Divila foi contratado e formaram de imediato uma dupla piloto-mecânico na Fórmula 3 européia.
Divila já trabalhava havia cinco anos no automobilismo inglês quando Wilson Fittipaldi o convidou para projetar seu Fórmula 1. Como era chegado a novidades, principalmente se tivessem motor, nem questionou muito. Não quis saber de patrocínio, salário, essas coisas bem humanas e profissionais, e topou na hora. Afinal, tinha adquirido tanta experiência em modificar e desenvolver os Lotus, Marchs e Brabhams dos irmãos Fittipaldi na Fórmula 3 e 2, alterando geometria e suspensão e refazendo aerodinâmica, que concluiu que não iria embarcar numa canoa desconhecida.
Naquela altura, Wilsinho já achava que, se tinha de arrumar patrocínio e pagar para competir numa escuderia inglesa, então por que não construir seu próprio Fórmula 1? Passaram à empreitada no final de 1973. Ricardo Divila conta que o primeiro estúdio foi na sala de troféus da Casa dos Fittipaldi, no Morumbi, em São Paulo. “Recordo que em janeiro de 1974, durante o GP Brasil de F-1, o Emerson ainda competia pela McLaren e se reuniu com Teddy Mayer, Gordon Coppuck e Alistair Caldwell (respectivamente diretor, projetista e chefe de equipe do McLaren M23) no andar de cima, enquanto eu, no andar de baixo, desenhava o FD-01.”
Ele continua: “Usaríamos, como a maioria dos F-1 dos anos 70, o motor Ford-Cosworth, freios Lockheed e a caixa de câmbio Hewland. As demais partes e peças seriam fabricadas no Brasil. Fomos ambiciosos demais para os recursos que tínhamos no país na época. As rodas, por exemplo, foram feitas na fundição da Italmagnésio, em São Paulo. Quase enlouquecemos o pessoal de lá, porque de uma centena de rodas que eram fundidas, nós aproveitávamos só meia dúzia, depois de passadas no raio X. Na mesma época, o argentino Orestes Berta também projetava um F-1. Isso gerou uma secreta, mas acirrada concorrência entre Brasil e Argentina, para lançar o carro primeiro. Ganhamos a corrida porque o projeto deles naufragou por falta de recursos”.
Divila conta que os primeiros modelos foram feitos no martelo. Ele fazia os desenhos que depois eram recortados em madeira, na serra de fita da fábrica, definindo o perfil das peças. Um quebracabeça em que se formava o esqueleto do carro em madeira e, em seguida, colocava-se a lata sobre o molde e extraía-se a matriz. O mestre nessa especialidade era o falecido Francisco Piciuto, um “escultor” que moldou muita carroçaria no Brasil. “O Piciuto era brilhante nessa matéria. Não aparecia, mas estava na Fittipaldi desde que eles começaram a construir os Fórmula Vê”, recorda o engenheiro.
Também houve dificuldade para reproduzir fielmente alguns desenhos dos primeiros modelos por falta de mão-de-obra especializada. No Brasil não existia a tarimba de moldar alumínio artesanalmente, como na Inglaterra. A aeronáutica britânica desenvolveu a especialidade desde a Primeira Guerra Mundial e a levou para a construção dos veículos de competição. Divila também admite que houve erro de cálculos, principalmente porque o projeto era muito avançado para a época, e a Fittipaldi ainda não tinha o conhecimento total da gestão de uma equipe de F-1.
Também boas idéias do engenheiro não puderam ser executadas porque não havia tecnologia para materializá-las no Brasil. Mesmo assim, Wilsinho e Divila tocavam a construção de dois modelos simultâneos: o A, todo carenado, com radiadores dentro da carroçaria, e a versão B, mais convencional. Uma aventura que, 30 anos depois, Ricardo Divila lembra com indisfarçável orgulho, mesmo tendo trabalhado em mais de uma centena de outros projetos automobilísticos esportivos*: “Em dez meses desenhamos, construímos e colocamos o carro no chão. Em janeiro de 1975, depois de poucos testes preliminares em Interlagos, o Wilson estreou o FD-01 no GP da Argentina. Não foi uma grande estréia: ele bateu na 12ª das 53 voltas e destruiu o carro. Mas, como o GP do Brasil aconteceria em duas semanas, voltamos a toque de caixa a São Paulo para preparar a segunda versão do FD-01 e nunca mais voltamos de fato ao modelo original, por absoluta falta de tempo. Hoje reconheço que se o carro tivesse sido feito na Inglaterra custaria a metade, porque no Brasil a mão-de-obra especializada, além de rara, era cara, e só existia na Embraer.”
Divila conta que, mesmo com todas as dificuldades encontradas no país, nos anos 70, os modelos seguintes evoluíram bastante. “O FD-02 e o FD-03 eram basicamente derivados do chassi do FD-01, recalculado para eliminar as torções na estrutura, e dotados de nova aerodinâmica. Já o FD-04 teve várias inovações, a maioria internas. Foi lançado em 1976, já com o Emerson de piloto”.