Vanessa Longoni é uma mulher que canta e conta histórias, assim como a personagem de “A paixão de dizer”, conto de Eduardo Galeano. Talvez por isso, a inspiração para o show e disco “A mulher de Oslo” veio deste conto do “Livro dos Abraços”, e representou uma grande mudança na vida desta porto-alegrense de 36 anos, que atualmente está morando no Rio de Janeiro. Sua música ecoa aldeias, possui várias línguas e sotaques musicais, parte de um extremo sul onde o Brasil se confunde com a pátria do pampa e é também argentino e uruguaio. “Sons de canções quase perdidas misturadas com outras recém-descobertas. Sons vindos de longe no mundo, sons do quintal de casa. Sons dessa mulher que conta histórias que são daqui, dali, de qualquer lugar…”, diz Vanessa.
Você começou o show “A Mulher de Oslo” em 2006, e o projeto foi um grande sucesso de crítica e público. Que tipo de retorno você recebeu?
Nestes dois anos, fizemos muitos espetáculos, e eu sempre fiquei admirada com a quantidade de gente que ia assistir porque eu não toco música que toca no rádio, e o retorno que recebia das pessoas era fantástico. As pessoas mandam emails, recados pelo Orkut, telefonam… Em janeiro, fiz shows no Porto Verão Alegre, e eu sou o tipo de artista que faz de tudo – canto, produzo, faço assessoria de imprensa. Uma noite, uma senhora me ligou para saber informações sobre o show. Conversei com ela e, num determinado momento da conversa, ela me perguntou: “estou falando com a cantora?”. Eu disse que sim, falamos mais um pouco. No dia seguinte, ela assistiu ao show e me telefonou para conversar comigo, e disse que nunca tinha passado por uma experiência semelhante na vida. Esse é o tipo de coisa já faz tudo valer à pena. Tenho um público formado, e faz tempo que não tenho só amigos na platéia.
Quais são os seus projetos mais recentes?
Atualmente, estou fazendo um trabalho novo com amigos de longa data: Angelo Primon, Luke Faro e Marcelo Corsetti. A ideia era que nenhum de nós deixássemos nossos projetos pessoais de lado apesar do novo projeto, por isso chamamos essa reunião de “Realidade Paralela”. Eu queria cantar somente as músicas que estava com vontade, e tudo está fluindo naturalmente já que todos nós nos conhecemos há um bom tempo. Eu estava cansada, vinda de uma temporada de dois anos de shows de “A mulher de Oslo”, e queria fazer algo diferente. Começamos a ensaiar juntos, por diversão, e interpretar músicas como “Lenda Praieira”, “Vamos chamar o vento” (de Dorival Caymmi), folclore hindu, “Ilusão da casa”, de Vitor Ramil, e outras mais.
Junto com isso, quando eu estava gravando meu disco, “A Mulher de Oslo”, o Richard Serraria estava gravando no mesmo estúdio, e nossas datas de encerramento coincidiram. Eu e ele sabemos que, infelizmente, a arte no Brasil é uma coisa complicada, muito efêmera, estávamos felizes e ao mesmo tempo tristes com o lançamento dos discos. Felizes porque estávamos lançando-os e tristes pq sabíamos que faríamos alguns shows e o circuito terminaria logo. então Richard me convidou para fazer algo, uma parceria, compor música. Eu sou geminiana, movida a projetos e desafios. Eu disse para o Richard que nunca havia composto, mas o desafio me encantava. Lançamos nossos discos, fizemos temporadas de shows e, passado um tempo, enviei uma letra para ele. Ele mexeu um pouco e compôs a melodia e, dessa parceria, nasceram várias músicas. Tocamos uma delas no “Realidade Paralela” que, também por isso, está sendo um projeto que me trouxe um sentimento novo. Todos os envolvidos já são solistas, e a coletividade está sendo legal para nós vivenciar esta experiência diferente.
Qual o teu sentimento em relação a esta novidade, de compor, até então inédita?
È tudo muito novo ainda. Eu sempre gostei de escrever, e acho que sou muito ligada a escrever o que eu estou sentindo. Por isso, pra mim, escrever é um processo natural, fluido, intuitivo. Sou mais atraída pelo natural do que pela técnica, Embora eu saiba que nem tudo é inspiração, trabalhar com arte é trabalhar com técnica, mas este processo por enquanto está muito mais relacionado ao processo intuitivo, pq não sou compositora, sou cantora experimentando compor. E o Richard é um grande parceiro, ele modifica dois ou três versos na letra e fica tudo lindo, maravilhoso. Este processo me fez ver o trabalho de forma mais leve, como se fosse uma brincadeira.
O “Realidade Paralela” já fez shows?
Fizemos dois shows: um na Livraria Cultura, que estava lotado, e outro na Feira do Livro de 2008. A partir daí, fomos para o estúdio e gravamos 5 músicas. Em abril, faremos o lançamento deste EP.
E como começou sua carreira de cantora?
Eu estreei meu show em 2006, mas eu comecei a pensar nele a partir de 2004. Eu trabalhava como pedagoga e professora e também alfabetizei adultos, tinha consultório de psicopedagogia. Mas a música sempre esteve presente na minha vida, eu venho de uma família de músicos. E comecei a pensar que a arte era um tipo de educação completamente transformadora e que isso era, de fato, o que eu queria fazer. Decidi não ficar mais ‘inventando moda’, fechei o consultório e meu filho já estava ficando grande. Decidi que era a hora de fazer o que eu queria fazer com a minha vida. E queria fazer algo bom, um trabalho musical que tivesse a minha cara, a minha marca registrada.
Por isso, iniciei uma pesquisa musical. Lia todos os livros que apareciam, e percebi que queria falar sobre a humanidade de forma leve, poética, feminina, universal – porque amor e dor todos nós sentimos. Comecei a ler Florbela Espanca, Lou Andreas – Salomé…
m dia, na minha casa, intuitivamente, peguei da estante “O livro dos abraços”, do Galeano. Eu sabia que queria falar sobre o universo das mulheres, a contação de histórias, e abri o livro justamente no conto em que o escritor fala sobre a Mulher de Oslo, que vive de cantar e contar histórias. Emocionei-me demais. Tive a certeza de que era aquilo que eu estava procurando. O texto me arrepiou, liguei para duas amigas que estavam acompanhando este processo, li o texto e todas entendemos que esta era o trabalho que eu queria fazer, que rera aminha marca.
A partir desse momento, quando o projeto já tinha uma “cara”, convidei o Arthur de Faria para ser diretor musical do espetáculo. Sempre adorei a sonoridade das composições dele, e enviei um email que dizia “quer dirigir uma cantora desconhecida num projeto mais desconhecido ainda?”. Ele topou na hora, e expliquei para ele o que tinha pensado sobre o projeto – queria que o som fosse universal, balcânico… e ao mesmo tempo brasileiro. O resultado? Foi mais um ano de pesquisa musical. Eu escutava músicas de um lado, Arthur me encaminhava mais músicas do outro e totalizamos 400 músicas de várias partes do mundo e de vários compositores/as. depois selecionamos as 13 que estão no espetáculo e cd.
O crítico Juarez Fonseca disse que “A Mulher de Oslo” é o melhor disco já gravado por uma cantora gaúcha”. Como foi ler isto?
Eu quase desmaiei, juro (risos). A crítica foi publicada na Revista Aplauso e é lógico que fiquei contente demais quando li isso. O Juarez é uma grande referência, é um dos maiores críticos de música do Rio Grande do Sul, por isso fiquei muito feliz. E significa também que o meu trabalho é consistente, é um reconhecimento.
E como foi a gravação do disco “A Mulher de Oslo”? Uma consequência natural depois de tantos shows?
Gravamos o disco em uma semana, e ficou com uma energia ótima! Depois, começou a temporada de mixagem e masterização. Também fui ao Uruguai gravar uma participação especial do Hugo Fattoruso, e incluí vários músicos em participações especiais: Hique Gomez (violino), Siba (rabeca), Julio Rizzo (trombone), Cláudio Levitan (banjo, bandolin), Adolfo Almeida Jr. (fagote), os argentinos Martín Sued (bandaneon) e Pablo Jivotovschii (violino), e esse processo todo durou cerca de 1 ano e meio. Quis fazer tudo direito para que o disco tivesse uma “cara”, uma unidade, e existem coisas que funcionam em show e não funcionam em CD.
E o que você achou do disco, depois de pronto?
Eu nunca acho ele bom o suficiente, tanto que parei de tentar escutar. Acho que não estou pronta para escutar ainda, apesar de me considerar bem contente com os resultados. Mas é como aquela frase: “disco a gente não termina, a gente para”. Senão, nunca lançaria.
Você nasceu em Porto Alegre, numa família de músicos. De que forma isso te influenciou?
Sim, nasci em Porto Alegre, mas minha família por parte de mãe é de Santa Catarina,uma cidade chamada Sombrio. Meu avô tinha 13 irmãos onde todos tocavam, minha avó cantava também e, naturalmente, isso influenciou minha mãe, que cantava no Programa do Guri, na rádio e meus tios e é claro que eu entrei nesta “tradição”. Eu lembro que minha família saía de casa, em Santa Catarina, por volta da meia-noite e só voltávamos às 6h da manhã do dia seguinte. Fazíamos serenatas para a família e amigos – e só de família eram umas 40 pessoas (risos)! Apesar de eu ser pequena, com cerca de 6 anos, tenho lembranças lindas desta época, deles cantando músicas como “Colcha de retalhos”, “Mucuripe”, ” Flor do Lodo”, “Prece ao vento”. Eram as férias perfeitas na Praia da Gaivota, em Sombrio (SC), onde meus avôs moram até hoje. Foi daí que eu decidi ser cantora, com esta idade, 6 anos.
E quais artistas você cita como influências?
Uma grande mistura, que vai desde Chico Buarque até os Beatles, Demônios da Garoa… Lá em casa, não havia preconceito musical, todo mundo era eclético, não existia o “ruim”, o “feio”. Gosto também de música erudita, e essa influência veio da escola onde estudei, o Santa Dorotéia. Eu tinha aulas de música desde a 1ª. série do Ensino Fundamental, e ouvíamos bastante ópera e música erudita.
E quais artistas você está escutando agora?
Estou ouvindo muito os dois discos do Marcelo Delacroix, ele é um compositor, cantor, músico maravilhoso, ele precisa ser conhecido no resto do Brasil, infelizmente Porto Alegre não reconhece ainda seus artistas, não temos o espaço que deveríamos ter, por isso eu digo que o Marcelo tem a cara do Rio de Janeiro, ou seja, o trabalho dele é tão bom quanto o de fora (é que tem gente aqui que só valoriza o que é de fora) precisa ser reconhecido fora daqui e ocupar o espaço que merece.Ele precisa estar lá! Também tenho escutado o EP que eu e os meninos gravamos no “Realidade Paralela”, e estou curtindo muito. Acho que porque o processo de gravação deste disco foi diferente eu curti tanto, e as músicas ganharam tanta vida!
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