Um quadro como fotografia do imaginário. Nele, seres míticos, cores e um mundo próximo e distante fazem parte da história que a artista Talita Hoffmann conta, sintetizando e hibridizando o próprio inconsciente. Formada em Design na ESPM, Talita, aos 22 anos, já expôs com muita gente e em diversos lugares, como Londres, Perth, na Austrália e na Califórnia.
Vencedora da mostra coletiva “A Novíssima Geração”, realizou em 2009 sua primeira exposição individual, “Campos e Antenas”, no Museu do Trabalho de Porto Alegre. Em 2010, trocou o bairro pequeno em Porto Alegre pela Avenida Paulista, em São Paulo, onde vive com o namorado e também artista, Bruno 9li. Atualmente, Talita pinta quadros maiores e também prepara-se para uma exposição coletiva em Taiwan.
Quais foram as suas primeiras experiências com desenho?
Comecei quando pequena, que nem todo mundo. Sempre gostei, assim, era o que eu mais gostava de fazer. Meu pai pinta também, e então isso sempre esteve na minha família. E aí, na hora de escolher a minha profissão, eu pensei “tá, alguma coisa ligada a isso”, que é o que eu sei fazer. Eu ia fazer faculdade de artes, mas não passei no teste. [Risos]. Então pensei em fazer design, que eu gosto também. Daí entrei na faculdade de design, mas não queria ser designer. Mas aí acabou que na faculdade de design eu conheci gente que trabalhava com artes. Daí eu vi que era isso mesmo. Tive aula de desenho na faculdade, então eu vi que poderia desenhar e desenvolver uma linha de desenho e investir naquilo. Acabou que foi isso, fui desenhando e não parei mais.
Seu trabalho mostra um universo inventado. Você tinha isso na infância, de criar mundos?
Não sei. Na verdade, quando eu comecei a investir no desenho, eu tinha uma preocupação assim, de que o meu trabalho fosse reconhecivelmente meu. E daí desenvolvi bastante isso. Agora, eu não sei direito como isso veio. Olho às vezes algumas coisas que meu pai pinta e me reconheço um pouco, sabe?
Você trabalha com elementos bem míticos, como os animais. Alguns se repetem, como as torres.
Acho que são esses elementos que eu fui criando ao longo do tempo e que já fazem parte daquela história. Mas em cada desenho eu tento fazer uma história diferente, e alguns elementos acabam se repetindo.
Mas cada um tem um significado específico. Eu nem sei direito o que quer dizer, mas é uma narrativa. Acho difícil falar, por que é uma coisa que vem muito do inconsciente, sabe? E às vezes é difícil contar uma “historinha”. Enfim, cada um interpreta do jeito que quiser.
Seus quadros parecem o retrato de uma cena. Cada trabalho é como se fosse uma história?
É, exatamente. Cada quadro é uma história. Mas não é uma história que eu pensei antes, é algo muito inconsciente. Não gosto muito de dizer assim, como se baixasse em mim [risos], por que não baixa, né? Mas é difícil de explicar. Mas vou desenhando e montando, e a história vai acontecendo.
E a questão do surrealismo? Li em alguns textos que citavam “surrealismo pop”.
Ah, não. Esse termo maldito [risos].
São duas palavras que carregam muito significado, não?
Ah, eu não gosto quando usam esse termo.
E quem criou o termo?
Ah, eu fiz a burrice de colocar num release uns dois anos atrás. Aí, veem um terminho ali e já usam em tudo. Não sei se foi algo muito esperto de ser feito.
Você tem uma relação forte com música, não? Me lembro da sua banda, a Tom Enola…
Ai, que saudade da Tom Enola. É, eu amo música, então acaba aparecendo um pouco. Um pouco não, na verdade bastante.
O que você gosta de ouvir?
Coisas que tenho escutado direto: Bob Dylan, Nina Simone. É difícil dizer que eu me inspiro nas letras das músicas, por que não tem como apontar algo específico. É que nem algo muito comum na arte contemporânea, sabe? De fazer uma obra e ter passo-a-passo o método e os motivos. Não sei se sou eu que não consigo contar, mas…
A obra tem que falar?
É. Ah, para, né. [Risos]
O surrealismo leva à questão do sonho, do inconsciente em tempo real. Existe algum estado de evasão no processo?
É difícil falar, mas acho que sim. Quando estava fazendo os desenhos para exposição do Museu do Trabalho, foi o máximo de produção em menos tempo que eu fiz. Eu tive pesadelo todas as noites [risos], acho que era por causa disso. Ficava muito tempo trabalhando, mexendo com a memória. Não sei, talvez seja por isso também que uso vários elementos da infância. As cores, talvez. Mas acho que trabalhar principalmente com a memória.
Sobre as cores, comparando os primeiros e últimos trabalhos, é bem claro um alinhamento.
Na verdade, é uma questão de material. Primeiro eu desenhava com caneta, e então fui explorando a tinta, que eu não usava. E, com a tinta… ah, o mundo se abriu pra mim [risos]. E daí eu comecei a trabalhar bastante a cor, uma das partes que eu mais gosto, na verdade, é de usar cor. Exercito meu lado designer [risos], eu gosto bastante. Eu faço estudos no photoshop, é o meu lado pintor-designer [risos]. Procuro sempre equilibrar, uso cores meio apagadas às vezes.
Você já sofreu preconceito por ter se formado em Design?
Ah, já. Aqui em Porto Alegre, inclusive. Mas enfim, é uma coisa besta. Às vezes sinto um certo preconceito por não ter feito faculdade de artes. Pode ser até paranoia, mas sinto um pouco. Até essa coisa de trabalhar com publicidade. Prefiro vender quadros a ter que fazer uma campanha pra Adidas, mas é um outro trabalho, sabe? Tem gente que vê com preconceito, mas, ah, sabe. Estamos em 2010. Eu até vejo vários projetos com apoio cultural, eles valorizam mais aquela coisa acadêmica, apoiam só arte conceitual, aqueles trabalhos cheios de argumentos. Se não trabalhasse com isso me sentiria enganada vendo. E as pessoas se sentem burras olhando, por que deveriam estar entendendo alguma coisa. Me irrito com isso.Eu carrego comigo uns bloquinhos, aí vou desenhando, sem pensar muito. Quando quero fazer um quadro, pego os rascunhos e monto. Primeiro faço um rascunho pequeno do quadro inteiro, depois desenho na tela, testo as cores no photoshop (não me julguem), e depois eu pinto. Mas é que a ideia inicial acaba sempre se transformando, né? Eu rabisco muito antes, sou meio medrosa pra chegar já pintando.
Os novos quadros possuem um formato horizontal, landscape, não?
É, isso é uma coisa que eu comecei a testar. Um artista que eu descobri, que gosto bastante, é Henry Darger. Os trabalhos dele têm esse formato bem horizontal e também são cheios de elementos. Achei lindo. E a narrativa ganha mais força. Não é só um foco, são vários. Estou gostando bastante de fazer nesse formato.
Você está focando na pintura com tinta acrílica agora?
Sim, até gostaria de trabalhar com tinta a óleo, mas demora tanto pra secar, dá uma preguiça… Ah, eu tenho bordado bastante também. Em trabalhos futuros pretendo inserir no meu trabalho. Quero usar nas telas, ainda não sei como vou fazer. Mas estou gostando muito, pela lã, fica um pixelado, mas ao mesmo tempo artesanal.
O seu trabalho de conclusão foi sobre o livro “Alice no País das Maravilhas”, não?
Sim. Na graduação de design, meu trabalho de conclusão foi um livro. Eu não queria fazer ilustração, mas acabei fazendo, antes até da febre Tim Burton. Eu amo esse livro, na verdade, ele é todo como se fosse um diário, escrito à mão. Ficou tão legal, gostaria de publicar. Mas acabou parado. No dia em que acabei o trabalho de conclusão, eu entro no site da Cosac Naify e, claro: “Alice no País das Maravilhas” sendo lançado. Acabou que teve um filme, e todo mundo lançava um livro por dia. E agora meio que passou. Mas um dia eu lanço.
E agora, você está trabalhando no quê?
Só pintando. Estou conversando com uma galeria de São Paulo, a Thomas Chon com, acho que vou expor lá no ano que vem. Por enquanto estou só pintando quadros maiores. Agora, inclusive, estou pintando um quadro de dois metros. Meu Everest [risos]. Dia 4 de abril tenho uma exposição coletiva em Seattle, com artistas dos Estados Unidos. Em janeiro vou participar em Taiwan, olha só? A conquista do Oriente [risos]. Eu, a Carla Barth e outros de lá. Vai ser outra coletiva.
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