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Santiago, em seu estúdio-casa

Neltair Rebés Abreu, o Santiago, nasceu em 1950 em Santiago do Boqueirão – por isso o apelido, dado pelos colegas da Faculdade de Arquitetura no início da década de 1970. Foi nessa época que Santiago começou a participar de vários jornais estudantis, com desenhos de humor político. Em 1975, profissionalizou-se como ilustrador e chargista no jornal Folha da Tarde e como colaborador do Correio do Povo. A partir de então, seus trabalhos também passaram a ilustrar jornais da imprensa alternativa como Coojornal e O Pasquim.

Em 1994, a revista Witty World, voltada a profissionais do desenho de humor, incluiu Santiago na lista dos 13 melhores do mundo no gênero gag cartoon(cartum de uma única cena), após uma pesquisa realizada entre os leitores-cartunistas. Entre seus ”vizinhos” na lista estão Quino, Sempé e Aragonés.

Ao longo de sua carreira, ele expôs na Itália, França e Bulgária; foi premiado em salões no Brasil, Japão, Alemanha, Canadá e Turquia.

Ele mora e trabalha em Porto Alegre, num sobrado antigo, recheado de livros de cartuns, arte, enciclopédias, prêmios, fotos… e sempre acompanhado de seu fiel escudeiro, um bulldogue francês chamado Ugo Tarugo.

Como era o Santiago criança? Gostava bastante de histórias em quadrinhos? Nascer e crescer em uma cidade do interior te influenciou?

Eu nasci em Santiago do Boqueirão, numa família muito ligada ao meio rural, de pecuaristas. Uma família típica da Fronteira, que dizia que plantar era coisa de gringo, a gente tinha é que criar gado. Eu e meus 5 irmãos comprávamos muito gibi, revistas humorísticas, a televisão demorou para chegar lá. Por isso, líamos os gibis da Disney, os de aventura, de super-heróis como o Super-Homem e Mandrake. Além do cinema, que abastecia os sonhos da gente nas matinês, as musas povoavam nosso imaginário: Cláudia Cardinale, Sophia Loren, que continua bonita até hoje, Virna Lisi…

Minha mãe conta que, quando eu tinha 3 anos, já desenhava. Todos nós desenhávamos. Eu lembro que levava bronca no colégio porque desenhava em todos os cadernos. A maioria dos professores não aceitava, mas sempre fui um desenhista compulsivo, até hoje sou assim: psicografo desenhos quando estou ao telefone, por exemplo.
Vim para Porto Alegre jovem, para trabalhar e estudar desenho técnico e industrial. Eu tinha 20 anos, e passei na Ufrgs aos 22, para Artes Plásticas. Cursei 1 ano, depois passei para Arquitetura. Aos 28, desisti da faculdade, porque vi que avançava nas cadeiras humanas e artísticas e ficava empacado nas de cálculo e mecânica.

Como você iniciou sua carreira de desenhista/cartunista?

Ainda na época da faculdade, eu trabalhei em jornais estudantis da Ufrgs, do Centro de Engenharia e trabalhávamos com uma máquina um pouco melhor que o mimeógrafo. Desenhávamos direto na matriz, ou seja, precisávamos imaginar os desenhos ao contrário – a xilogravura é assim também. Por volta de 1972, por pura ignorância e inocência, eu fazia desenhos criticando a ditadura militar em jornais, não tinha idéia das prisões, do que as pessoas estavam passando. Em 74, comecei a trabalhar como ilustrador na Folha da Manhã e, no ano seguinte, na Folha da Tarde, sem medo de ‘tomar porrada’. Como eu assinava os trabalhos como ‘Santiago’, tinha a sorte de estar sob um pseudônimo. Em 72, fiz um logotipo para o jornal “Construção” que foi parar no Dops (Departamento de Ordem Política e Social), mas saí ileso devido ao pseudônimo.
Depois, fui para o Coojornal junto com o Edgar Vasquez, Eugênio Neves, Eduardo ‘Peninha’ Bueno, para fazer charges assinadas e ilustrações. Comecei também a fazer ilustrações para o Correio do Povo – sempre gostei de ilustrar, gosto de trabalhar com um tema e linha de pensamento definidos.

Auto-retrato de Santiago
Auto-retrato de Santiago

Como é o seu processo de criação, da idéia até a arte-final? 

Eu sofro, mas já estou tarimbado. Sei pegar alguns atalhos que facilitam a minha criação. Digo que o processo de criação mas é bom, é desafiador, é como desbravar florestas. Eu faço pelo menos 1 desenho por dia. Depois que eu deixei de ser funcionário e passei a trabalhar como autônomo, trabalhando para Sindicatos, ONGs e empresas, consegui manter este ritmo de produção.

E o que você pensa sobre a liberdade de expressão, tendo passado por uma ditadura e, mais recentemente, pela demissão de um jornal que não gostava do tom político dos seus cartuns?

Eu sempre pensei que o humor deve ser questionados, surpreendente. Ele deve levantar a ponta do tapete, e hoje existe esse nó na imprensa brasileira, essa dificuldade de publicar coisas realmente questionadoras. No Jornal do Comércio, eu, o Kayser e o Moa trabalhávamos com censura prévia: não podíamos falar de determinados políticos, então as charges eram sempre leves, havia um controle. Por isso, olho com cada vez mais pessimismo para a presença do humor no jornal gaúcho.

E o Macanudo Taurino, como nasceu? Qual a reação dos gaudérios mais “puristas”?

O Macanudo ‘nasceu’ na Folha da Tarde, era um gauchinho gordinho que ainda não tinha nem nome. Logo que decidi transformá-lo em personagem, foi para uma revista chamada Agricultura e Cooperativismo, também na década de 70. Eram histórias longas, de página inteira. Nunca tive problemas em relação à interpretação das histórias do Macanudo, mesmo os gaúchos mais puristas levam na brincadeira. E eu tenho que ter um certo respeito porque o Macanudo é meu pai, são meus tios… Lancei o primeiro livro do Macanudo em 76, chamado de “Humor Macanudo” e, no total, são 13 livros lançados. È um exercício de imaginação forçada, de me lembrar da minha infância, de quando morava na Fronteira…

img_ptg_1_1_1330Qual a importância das outras artes para a nossa profissão? O cinema e a música te influenciam?

Eu gosto muito de música, especialmente instrumental e clássica, para trilha sonora de trabalho. Eu nunca consegui gostar de rock, gosto de jazz.

Que desenhistas, cartunistas e ilustradores você admira e que foram fundamentais na sua formação?

Nessa questão de referências, eu digo que sou um panelão onde tudo ferve e vira sopa (risos). Fui muito influenciado pelos desenhistas de humor de O Cruzeiro, especialmente pelo Amigo da Onça, personagem do cartunista Péricles de Andrade Maranhão. Sempre gostei muito do Ziraldo, foi um estímulo quando ele lançou “A turma do Pererê”. Claro que eu não poderia deixar de citar O Pasquim, uma inspiração no que diz respeito a fazer arte politizada. Sempre li bastante Tintin, do cartunista belga Hergé, apreciava muito o tipo de desenho dele.

Quais os seus planos daqui para diante?

Na próxima feira do livro, estou lançando a segunda edição de “Conhece o Mário?”, que é um pequeno dicionário de ‘empulhas’ e pegadinhas, com mais de 200 exemplos. A primeira edição foi lançada pela L&PM no ano retrasado, e os dois livros são brincadeira pura. Continuo trabalhando como autônomo e as pessoas ficam insistindo para que eu tenha blog, site, me aproximei de uma gurizada mais nova que desenha muito bem – e é sempre bom ver que tem um grãozinho de influência dos teus desenhos nos desenhos deles.