Pedro Verissimo esconde algo dentro do brilho dos seus olhos e do sorriso gigante – prova de quem faz o que ama e ama o que faz. Quando começou a cantar como frontman da banda de rock Tom Bloch, no final da década de 90, era mais conhecido como “o filho de Luis Fernando Verissimo/neto de Erico Verissimo”. Aos poucos, ocupou seu espaço com jeitinho e, hoje, mora no Rio de Janeiro, vivendo de sua música. A Tom Bloch continua e Pedro agora investe em sua carreira solo.
Formado em Publicidade e Propaganda, ele acabou seguindo o caminho da arte “que sempre pagou as contas lá em casa”, ri ele, que já participou como solista nos Concertos Dana Clássicos do Rock. Pedro também foi convidado especial de Nico Nicolaiewsky e Fernanda Takai no último Concertos Dana.
Pedro mostra sua cara ao mundo como um cantor e compositor pra lá de interessante, que integra diversos tipos de manifestações artísticas: agora ele está fazendo uma série de shows que unem gastronomia e cidades do mundo. Aqui, num bate-papo ensolarado que aconteceu numa manhã de terça na casa dos Verissimo, ele nos conta um pouco dessa história e dos seus novos projetos.
Você cresceu numa casa mágica, repleta de livros, objetos de arte… O que você queria ser quando crescesse?
Eu sempre quis fazer algo que tivesse a ver com arte, desde cedo eu tinha essa noção. Eu tenho uma tia que mora nos Estados Unidos faz um tempão e a família toda foi passar um tempo lá em 1978, eu tinha oito anos, sempre tive essa ligação com o país, com Nova York, por causa disso… Em 1980, voltamos para lá porque meu pai estava fazendo os livros da série “Traçando” (uma espécie de guia afetivo das cidades mais famosas do mundo), e o primeiro era sobre Nova York. Lembro de irmos a espetáculos, musicais, cinema – que até pipoca tinha, imagina! (risos). Foi ali que me lembro da minha primeira vontade de fazer algo relacionado à arte na minha vida – não necessariamente ligado à música, mas à arte, sim. Sempre me senti muito ligado à arte, cresci nesta casa cercada de livros…
O que você gosta de ler atualmente?
Eu gosto de ler ficção, principalmente. Gosto bastante de literatura pop. Acho que a nossa geração não escapou ilesa de uma onda “vampiresca”, li bastante Anne Rice, gosto de livros pop.
E como era a influência musical na sua casa?
Eu cresci como ouvinte passivo. Tenho duas irmãs mais velhas, além do pai, da mãe e da vó sempre ouvindo música em casa. Minha avó Mafalda deixava o rádio o dia todo ligado na Rádio da Universidade, meu pai sempre ouviu bastante jazz, minhas irmãs Fernanda e Mariana ouviam bastante Música Popular Brasileira dos anos 70, Luiz Melodia, Caetano Veloso… E minha mãe Lúcia, carioca, ouvia bastante bossa nova, cantoras como Elizeth, Elis Regina. Então vinha um estilo musical de cada janela da casa, nascia daí uma confusão boa, sempre tinha muita música nessa casa. Até os 12 anos, eu ouvia o que os outros estavam ouvindo. No começo dos anos 80, com a chegada da adolescência, mergulhei no rock da época: Jesus and Mary Chain, Smiths – Morrisey é com certeza o cantor com quem mais cantei junto nessa vida (risos), David Bowie, Roxy Music, Joy Division, Pixies mais tarde… E, claro, peguei aquela onda dos anos 80 de rock nacional.
E como você se descobriu cantor?
Como muita gente se descobre: no chuveiro. Ali, me dei conta de que gostava de cantar, aquela acústica dos azulejos ajuda bastante (risos). Tudo o que tu cantas no chuveiro fica lindo, mas eu comecei a perceber que talvez tivesse algo interessante pra mostrar. Comecei a procurar professoras de canto, fiz um tempo de aula, mas não deu certo. Não lembro o nome da professora, mas era aquele estilo bastante empolado, não era o que eu queria. Me falaram da Lúcia Passos, “a” professora de canto. Ela foi super honesta: disse que não dava aula para iniciantes e indicou uma aluna dela, a Adriana. Ela era ótima, fiz aula com ela durante seis anos e, como tínhamos quase a mesma idade, nos tornamos ótimos amigos e a relação era de amizade e parceria. Ela veio a falecer de forma abrupta, e fiquei um tempão sem conseguir ter aula com ninguém. Depois, acabei indo ter aula com a Lúcia Passos mesmo, onde sigo até hoje.
Você trabalhou muitos anos como publicitário, certo?
Eu trabalhei durante dez anos como publicitário e acredito que não tinha o que os grandes publicitários têm: a paixão pela profissão. É uma criação direcional e foi ótimo pra mim, conheci muita gente durante estes anos em que trabalhei na Criação como redator. Aprendi bastante coisa que acabou influenciando a Tom Bloch, até a coisa estética da banda, da forma de se apresentar…
Mas, na minha casa a arte sempre pagou as contas. Então, quando eu avisei que ia pedir demissão da agência para me dedicar à música, não foi um choque tão grande assim. Eu ainda estou na minha fase “tô falido, mas feliz”.
E o que ficou dos tempos da Tom Bloch surgindo no cenário alternativo de Porto Alegre na década de 90?
Nosso primeiro show foi no Garagem, num Fornão do CardosOnline. Eu lembro que estava com uma camiseta preta e, olhando as fotos hoje, tu juras que eu estava usando uma camiseta de couro de tão quente que estava! Era o antigo Garagem, antes da reforma ainda… Eu aprendi muita coisa na Tom Bloch. Sempre gostei de ver o Mini compor, ele tem essa coisa visceral, de punch, pegada. Eu sinto muita falta de ter banda, éramos um grupo de gente que tinha influências completamente diferentes umas das outras. Hoje eu brinco com o Iuri (o componente remanescente da Tom Bloch) que, se eu quero uma coisa e ele outra, falta o voto de desempate! (risos).
Como funciona seu processo de composição?
Na verdade, são dois processos misturados. Um deles é bem orgânico – é muito raro eu escrever uma letra e, depois, a melodia. Geralmente, me vêm uma linha de melodia que eu cantarolo para o Iuri (Freiberger, o outro integrante da Tom Bloch), e daí surge alguma coisa. Eu não toco instrumento nenhum, apesar de ter tido aulas de flauta quando era criança, mas comecei a achar isso bom. Sempre coloquei a culpa disso no fato de ser canhoto (risos), mas está aí o Edgard Scandurra pra acabar com a minha teoria! Mas eu aceito isso como uma coisa boa, porque o Iuri toca de tudo, tem uma baita noção de harmonia e notas, e eu me sinto mais livre. A grande frase da Tom Bloch é “tá batendo, mas tá legal”. Porque eu componho umas coisas meio malucas harmonicamente, mas às vezes concordamos que, mesmo assim, ficou legal.
E as letras? São necessariamente autobiográficas?
Eu não sou aquele tipo de compositor que senta e, do nada, nasce uma música inteira. Meu processo é mais lento, é diferente. Lembrei agora de uma música do segundo disco da Tom Bloch, “Por favor, mente”. Eu fiquei com essa frase na cabeça. Depois, veio “Tonight I’m yours completely”, daquela música da Dusty Springfield… E eu pensei “Hoje eu sou teu pra sempre”. Me encantei com a dualidade dessa frase, da mistura do “hoje” com o “sempre”… Eu gosto de pedaços de letras intrigantes, sou fascinado pelos Pixies, que tem bastante surrealismo nas letras. Por isso, as letras não necessariamente são autobiográficas, mas é claro que algum pedaço do compositor sempre vai estar ali, explícito. Como já disse, acredito que essa exposição é o que proporciona a identificação do ouvinte, também.
E como surgiu a ideia dos shows “O Sabor e o Som”, que unem gastronomia e música e são temáticos?
A ideia é da Joca, produtora da Tom Bloch. Antigamente, ela trabalhava na Liquid e queria fazer eventos que reunissem um chef e um DJ, mas acabou não rolando. Hoje, me dou conta de que é um esforço gigante para uma noite de espetáculo. Mas vale muito à pena, eles acabam se tornando experiências. Na metade de 2009, a Joca lembrou dessa ideia e pensou que seria legal termos um tema para estes eventos. Eu sugeri as cidades. A reação das pessoas está sendo ótima.
E quando você decidiu se mudar para o Rio de Janeiro?
Foi em 2006, quando estávamos gravando o segundo disco da Tom Bloch na Toca do Bandido. Foi quando tivemos nosso primeiro contato e vontade de ficar no Rio. Eu e o Iuri Freiberger fizemos um contrato com a Som Livre para lançá-lo e resolvemos ficar por lá. A cidade é muito inspiradora, é linda. Mario Quintana costumava dizer que o que ele mais gostava do Rio eram os túneis (risos). Eu frequento muito a praia, mas só depois das seis da tarde. Mas aquele momento, quando o sol começa a baixar… É lindo, sempre inspirador.
E como anda a sua carreira solo?
Logo que eu me mudei pro Rio, vários lugares legais começaram a fechar e ficou difícil de conseguir onde fazer shows. Comecei a fazer alguns testes quando marquei uma temporada no final de 2009 num lugar chamado Drinkeria Maldita, com um show só de voz, baixo e guitarra. A temporada foi ótima e, depois, fiz algumas trilhas… Até que fui convidado em outubro para tocar no Auditório da FINEP, onde acontecem shows toda quinta-feira, sempre às 18h30min, de diversos estilos. Era um público diferente, que vai ali porque sabe que toda quinta tem algo interessante rolando, independente do estilo musical: samba, chorinho, música clássica… e até eu! (risos). Convidei um baterista para tocar comigo e sinto que cheguei à sonoridade que queria: o som é bem abafado, mas ele toca pra valer! Estou bem feliz, acho que coisas boas virão por aí. É difícil definir a tua “cara” como artista solo, mas acho que agora vai
!E o que você anda ouvindo?
A tecnologia fez o favor de acabar com a minha memória. Eu ando superatualizado, baixo um monte de música que vejo em sites como a Pitchfork, mas meu problema é que tenho um iPod Shuffle daqueles antigos, sem visor. Daí escuto muita música e, como a ordem é sempre randômica, nunca sei o que estou escutando ou quem é o artista! (risos). Mas posso falar de algumas coisas que lembro que estou gostando. Adorei o último disco do MGMT, e gosto muito do trabalho do produtor Danger Mouse, curti muito o disco do The Black Keys, o trabalho dele com o Beck no “Modern Guilt”. Gosto do Gnarls Barkley, dele também, assim como a banda Broken Bells, que lançou disco agora em 2010… Pouca gente se dá conta de que hoje ouvimos muito mais música nos fones de ouvido, por isso o estéreo nunca foi tão importante. É muito legal ouvir o trabalho de gente nova – e também dos antigos – sob essa nova perspectiva.
Quais são teus cantores favoritos? Quem você cita como influência?
A lista é longa… Nina Simone, Elza Soares, Luiz Melodia, David Bowie, Bryan Ferry, Annie Lennox, PJ Harvey…
Atualmente, qual é o seu sonho como cantor?
É conseguir fazer música como um ganha-pão estável sem ter que fazer algo que eu não queira fazer. Respeito muito a PJ Harvey, uma baita artista que não é nada mainstream. Eu nunca tive aquele sonho grandiloquente de ser o Freddie Mercury no Rock in Rio, de ser adorado por multidões. Acho essa unanimidade muito limitadora pro artista. Nada contra, mas vejo que muita gente faz concessões para agradar ao grande público, para fazer “o que está se ouvindo” e, pra mim, isso tira o grande barato da música, que é a sua pessoalidade, a possibilidade de uma pessoa ouvir uma música e se identificar com ela. Lembro do começo da Tom Bloch, a banda conversando sobre isso, queríamos fazer shows nem que fosse para que UMA pessoa na plateia se identificasse com algo, se sentisse tocada. Eu gosto quando um artista mostra a sua insegurança, se expõe.