Com mais de 20 anos de experiência como fotógrafo, Mike Hill nasceu na Alemanha, foi criado em Las Vegas e, depois disso, viveu perto do oceano durante 15 anos em San Diego, Califórnia. Em 2009, mudou-se para o Brasil (mais especificamente, para Porto Alegre). Inspirado e influenciado pelas coisas que sempre amou – fotografia, cinema, música, skate, surf, grafitti –, formou-se pelo Art Institute of Colorado e atuou durante dez anos como Diretor de Fotografia da empresa prAna. O fotógrafo recentemente conquistou prêmios como o Paris Prix de la Photographie, o International Photography Awards, o PDN e também o National Geographic. Hoje, trabalha como fotógrafo freelancer e conta que sua maior inspiração vem das pessoas apaixonadas pelo que fazem.
Como e quando você começou seu trabalho com fotografia?
Quando eu tinha 13 anos, visitava a minha avó Maxine, no Death Valley, um dos mais quentes e cênicos desertos com uma elevação abaixo do nível do mar. Minha avó amava fotografia e estava sempre capturando momentos reais, espontâneos dos seus netos brincando, sem nunca nos fazer parar e posar para ela. Ela tinha incontáveis álbuns de foto que documentam nossa vida quando estávamos na casa dela. Um dia, ela me deu sua Nikon e me disse para fotografar o que eu quisesse no deserto, enquanto ela ficava trabalhando. Eu fiquei horas explorando e fotografando imagens de formações rochosas diferentes, fragmentos de vida selvagem… Na semana seguinte, ela revelou o filme e foi empolgante para nós dois quando vimos o resultado das impressões. Ela também me deu de presente uma Polaroid vintage, dos anos 60, e eu comecei a experimentar, usar filmes diferentes, longa exposição, múltipla exposição e, em alguns anos, eu tinha meu próprio laboratório de revelação e comecei a descobrir a mágica de revelar fotos. Eu fui “fisgado” cedo pela fotografia.
Já mais velho, na adolescência, eu comecei a fotografar as coisas em que eu estava envolvido, as coisas de que mais gostava. Meus temas favoritos nesta época eram meus amigos andando de skate e retratos de figuras interessantes da cena musical. Comecei a levar minha câmera para os shows e descobri que era relativamente fácil ir para a frente do palco ou para os bastidores das bandas novas, que sempre ficavam felizes quando alguém as fotografava. No começo dos anos 90, comecei a fotografar bandas como Bad Religion, Green Day, No Doubt, Dinosaur Jr., Afrika Bambaataa, Zulu Nation e muitas outras. Sempre era divertido estar em um ótimo show de música e fotografar, já que sempre havia muita energia no ar, o que tornava mais fácil tirar boas fotos.
De que forma a música, o cinema e outros tipos de arte influenciam no seu trabalho?
A inspiração está em todos os lugares e eu me sinto mais empolgado para me expressar quando vejo alguém que está fazendo seu trabalho com o máximo de paixão e de sinceridade. Pode ser um músico, dançarino, cantor, escritor, designer, ativista, cozinheiro, empreendedor, grande professor, uma pessoa que esteja viajando pelo mundo ou apenas uma pessoa que tenha alcançado a arte de viver de forma equilibrada. No que diz respeito à música, eu tenho gostado bastante de escutar Bossa Nova para melhorar meu português – estou esperando pelo momento em que eu possa usar a letra de “Águas de Março”, quando Tom canta ”um caco de vidro” no meu vocabulário do dia-a-dia. Eu tenho a tendência de escutar vozes femininas como Neko Case, Lauryn Hill e Cat Power. Tenho uma grande foto de Chan Marshall quando ela e sua banda tocaram em Porto Alegre no mês passado.
São muitos os filmes que me impressionam, e eu sempre sou cativado por aquele momento dos créditos iniciais de qualquer filme. Eu amo o filme “Sonhos”, de Akira Kurosawa e acredito que a palavra ‘dreamy’ (“sonhador, devaneador”) pode ser uma boa maneira de descrever meu estilo de fotografia. Eu adoro ler revistas que tenham um design harmonioso, boa tipografia, como a Esquire, Licia e a brasileira Trip, por exemplo. Eu gosto muito de ver murais grafitados pela cidade, com suas cores, personagens e estilos impressionantes, mas detesto quando as pessoas apenas deixam seus nomes pichados em todos os lugares. Eu também busco bastante inspiração em livros que nos lembram de viver o “agora” com intensidade, especialmente de autores como Thich Nhat Hahn, Eckhart Tolle, Krishnamurti e o poeta sofista Rumi.
O fato de ter sido criado em Las Vegas, perto do deserto… Isso te influenciou também?
Crescer em Las Vegas foi surreal. O lugar é conhecido como “Cidade do Pecado” (Sin City) e há jogos e bebidas 24 horas por dia. Mesmo quando você vai até a padaria encontra máquinas de apostas e de pôquer para quem quer jogar. A cidade é um destino para adultos que querem ter aventuras e, por isso, não é um lugar muito infantil. Todavia, eu e meus amigos criávamos nosso próprio mundo naquele deserto: íamos andar de skate durante a madrugada, sob as luzes de neon, saíamos para colar nossa própria arte pela cidade, fazíamos curtas filmados com câmeras Super 8 ou em VHS, levávamos geradores elétricos para o deserto e fazíamos shows… Fico feliz por ter usado minha imaginação para me divertir e acho que minha maneira de olhar para os diferentes lugares onde estive no mundo foi resultado de ter crescido em Las Vegas. Também acho que o espaço vasto e as luzes coloridas da cidade ainda influenciam bastante a forma como fotografo hoje em dia.
E essa mudança recente para o Brasil, como te influencia?
Acredito que eu mudei bastante desde que cheguei aqui, há um ano. Eu acho que simplifiquei a minha vida. Há três anos, eu tinha um emprego sólido, morava na Califórnia, tinha carro (risos)… Agora, estou em outro país, ando de bicicleta e sinto que aprendi a dizer mais “sim” para as coisas. Tenho menos despesas, sigo a maré, acompanho o crescimento dos meus filhos e tenho mais tempo para fazer o que gosto. Ter filhos mudou a minha vida completamente. Eu era muito competitivo, parei de me levar a sério, a vida é uma só e passa tão rápido. Sou muito autocrítico, a ponto de me paralisar, por isso estou aproveitando mais a vida – mas também trabalhando, claro.
Quais são suas coisas favoritas no Brasil?
Eu acho que a Guarda do Embaú é um dos lugares mais lindos do mundo e eu amo surfar lá. Também tenho praticado wake boarding (esporte aquático praticado com uma prancha tipo snowboard, puxado por uma lancha) e estou fazendo uma série de fotos no Rio Guaíba (mais especificamente no Saco da Alemoa e no Canal da Conga). Acabei de descobrir o kite surfing (uma mistura de windsurf com esqui, wakeboard, surf e voo livre) e estou tendo aulas em Osório, contrariando os conselhos do meu sogro sobre o lago (risos).
Uma coisa que eu gosto muito aqui é o jeito como as pessoas interagem com as outras quando se encontram ou se despedem com um beijo e um abraço. Certa vez, uma senhora me parou na rua quando eu estava com meu filho Niko, de um ano, e ela foi tão calorosa, nos desejando toda a saúde do mundo, e você percebia a sinceridade nela – acho que foi o sorriso mais acolhedor que eu já vi. Eu ganhei o dia e precisava passar isso para alguém que eu conhecia. No supermercado ou na rua eu vejo pessoas estabelecendo conexões umas com as outras e tendo conversas interessantes – não apenas as coisas automáticas, o “oi” e o “tchau” robóticos. Eu geralmente demoro muito tempo no supermercado quando peço ao atendente da padaria meu pão, peito de peru e queijo por causa do meu português – e a pessoa sempre me devolve o pedido com mais perguntas, o que me deixa com uma cara de interrogação, o mesmo olhar que domina a pessoa que está me atendendo (risos). Adquirir os itens mais simples tornou-se uma aventura e uma experiência cômica, mas acho que estou melhorando. Quanto ao Brasil, preciso comentar que não gosto da forma maluca como as pessoas dirigem, especialmente quando eu estou de bicicleta – eu acho que deveria ter um cavalo ao invés dela, já que os cavalos e carroças parecem ir para onde eles querem aqui (risos).
O que você mais gosta de fotografar?
Estou num momento em que gosto de levar minhas luzes de estúdio para um lugar interessante onde eu possa tirar retratos de pessoas interessantes em um ambiente bonito, combinando a luz artificial com a natural harmoniosamente. Eu gosto de fotografar paisagens que parecem não ter fim, com nenhuma pessoa incluída. E, como sou pai há pouco tempo, frequentemente me vejo pegando a câmera para capturar pequenos momentos espontâneos dos meus filhos com a mesma atenção para os detalhes que eu daria para um trabalho. Por isso, não posso dizer que há algum assunto que eu prefira fotografar, eu me esforço para não fotografar muitas coisas que me fascinam na vida, mas algumas vezes acontece algo tão interessante que é impossível não fotografar.
Você também fotografa para publicidade. Como se sente com isso?
Sempre gostei de trabalhar com projetos de publicidade, especialmente com marcas que se interessam por trabalhos únicos, diferenciados. É muito bom trabalhar com um time que permite que o melhor de cada pessoa apareça no trabalho. Eu passei muitos anos fotografando para catálogos e trabalhando em parceria com para a marca de roupas para ioga e escalada prAna, as imagens sempre eram belas e autênticas – isso me fez aprender bastante sobre boa publicidade. Morando em San Diego eu ainda tive a oportunidade de trabalhar com várias marcas de surf, como a Rusty surfboards, Zoot Sports e Spy Optics, e a natureza destas marcas é bastante livre e isso permite que as fotos para suas campanhas sejam assim e comuniquem isso – exatamente do jeito que amo fotografar. Acredito que, quando muitas pessoas estão envolvidas numa campanha publicitária, ela pode se tornar enfadonha, o que tornará muito difícil a conexão com o público-alvo. Porém, quando você tem grandes fotógrafos, modelos, redatores e designers, este pode ser um trabalho muito divertido e inspirador, com resultados incríveis.
Você ganhou um prêmio da National Geographic em 2009… Fale um pouco sobre isso.
Nossa família passa muitos finais de semana em Xangri-la, (praia do litoral gaúcho) e, um dia, eu estava deitado na areia e decidi tirar uma foto do chão mesmo, com uma perspectiva diferente – uma pequena quantidade de areia parecia enorme e as pessoas ao longe, tão pequenas. Eu inscrevi esta foto no prêmio, junto com muitas outras, e ela ganhou o prêmio na categoria “paisagens”, tornando-se parte da mostra da National Geographic no Jacob Javitz Center, em Nova Iorque.
Qual sua parte favorita do processo todo do teu trabalho?
Gosto muito de conhecer gente interessante com quem eu possa construir algo junto, para documentar seus momentos da minha maneira. Quando penso nos tempos em que apenas fotografávamos com câmeras analógicas, a minha parte favorita era o momento da revelação do filme. E, mesmo estando na era digital, eu ainda amo a parte em que eu, finalmente, posso visualizar as imagens no meu computador para editar pequenos detalhes com um olhar mais crítico para os pequenos detalhes de cada fotografia.
Quais são seus novos projetos?
Eu terminei recentemente uma série de fotos preto e branco em que registrei o processo de gravação do novo CD do Fernando Noronha & Black Soul. Em seguida, ajudei na filmagem e direção de fotografia do vídeo novo deles, feito com o Gabriel Horn. Eu tenho planos de trabalhar mais com vídeo – amo fazer isso! Também estou planejando trabalhar com o fotógrafo Nicholas Galvão em fotos de moda neste ano. E continuo fotografando e reunindo material que capturei nos diversos países em que estive para um livro. Eu adoraria expor minhas fotos em Porto Alegre, gosto muito do espaço da Usina do Gasômetro. Gostei muito da última Bienal do Mercosul e quero descobrir como posso fazer parte de uma próxima edição. Quero muito trabalhar com ensaios fotográficos para revistas, com atletas, celebridades, fotografando retratos e comecei a fazer contato com algumas agências brasileiras e espero projetos interessantes pela frente! E, é claro, planejo continuar melhorando meu português, a conjugação verbal é muito difícil!
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