A Fundação Pensamento Digital nasceu com o objetivo principal de arrecadar e doar computadores e dar formação em informática em comunidades carentes. Dez anos depois, mais do que pensar em hardware, a Fundação atua na construção do conhecimento. Tem parcerias com renomadas instituições internacionais – como a Universidade de Washington, o Massachusetts Institute of Technology e o Banco Interamericano de Desenvolvimento –, administra um Centro Social e viabiliza a utilização de softwares livres para uso educacional. Confira a entrevista com Marta Dieterich Voelcker, Superintendente Executiva e co-fundadora da Fundação Pensamento Digital e conheça o trabalho desta instituição que está buscando mantenedores no Brasil para continuar promovendo o desenvolvimento a partir da educação.
A Fundação Pensamento Digital está completando 10 anos em 2011. Como surgiu a ideia de criar esta organização?
Os primeiros passos começaram dentro da ONG Parceiros Voluntários, em 1999, onde eu era voluntária. Na época, funcionava dentro da Parceiros um centro de voluntários da ONG carioca CDI (Comitê para Democratização da Informática), que iniciou esta movimentação de doar computadores para ONGs dentro de comunidades de baixa renda, além de dar formação em informática e questões de cidadania. Várias empresas ligavam para a Parceiros dizendo que estavam trocando seus computadores e gostariam de doar. A partir dos primeiros grandes descartes de computadores, eu comecei a coordenar este processo na Parceiros. Na mesma época, a Dell estava iniciando suas atividades aqui no Sul e nos procurou com a intenção de doar 20 mil dólares para iniciar um trabalho social. Esta seria a nossa largada inicial dentro da Parceiros Voluntários. Mas na reunião de Conselho da Parceiros, realizada no fim do ano, concluiu-se que este projeto saía do foco da Parceiros. Então, com o apoio jurídico da Parceiros, que me ajudou a criar o estatuto, resolvi criar a Fundação Pensamento Digital. Com a cara e a coragem, começamos uma fundação com 20 mil dólares, tendo como objetivo principal captar doações de computadores, recuperar os computadores usados, doar para ONGs e oferecer formação para os educadores destas ONGs.
A Fundação nasceu ligada a Dell, mas logo alçou voos maiores. O que ajudou a conquistar o apoio de outras organizações e quais as dificuldades enfrentadas?
Desde o início, com o investimento da Dell e a criação da Fundação, estava claro que não seria uma ONG ligada exclusivamente a Dell. Era um recurso para mobilizar a sociedade gaúcha pela inclusão digital. Nós recebemos este investimento inicial e depois fomos até 2003 sem outros recursos da Dell. Em 2003, nós começamos outro projeto com a Dell, o “Cidadão Digital”, que criava laboratórios em determinadas ONGs para oferecer acesso à tecnologia e formação de educadores. O projeto foi desenvolvido em 18 ONGs e durou até 2009, quando concluímos o trabalho com a Dell.
Durante nossa parceria, a Dell nos apresentou outro financiador americano que deu continuidade ao trabalho que nós havíamos iniciado, a ONG McMahn Center Abilities Activists, ligado a Cristina Foundation. A Cristina Foundation faz um grande trabalho de mobilização para recuperar e doar computadores para ONGs nos Estados Unidos. O McMahn nos apoiou de 2004 a 2009 no projeto “Rede de Cooperação Digital”, onde captávamos e doávamos computadores para as ONGs e levávamos informação e conhecimento. Recebemos este apoio até o final de 2009, quando esta ONG cortou todos os recursos em função da crise financeira americana. As dificuldades são muitas, pois, infelizmente, não temos mantenedores fixos. Fomos sempre uma Fundação captadora de projetos e recebemos por estes projetos.
A Fundação começou com o objetivo de doar computadores e formar educadores e agora está em um processo de reorganização. Hoje, qual o foco principal da Fundação Pensamento Digital?
Neste momento, a Fundação está reorganizando a sua missão, que agora não é mais tão voltada ao acesso à tecnologia, mas sim às habilidades do século XXI. A missão não mudou tanto, mas o que temos que priorizar para chegar nesta missão é o que muda. No início, a gente tinha o acesso ao hardware como principal barreira para conseguir fazer da tecnologia da informação um recurso de desenvolvimento social, principalmente através da educação. Depois que esta tecnologia ficou mais barata e o Governo assumiu como prioridade facilitar este acesso, a gente vê um cenário na sociedade onde existem muitos laboratórios de informática mal-utilizados. Então a Fundação começou a priorizar o conhecimento, até pelo nosso percurso muito forte com centros de pesquisa, tanto da UFRGS como da PUC. Temos parcerias com instituições internacionais extremamente renomadas, como o MIT, a Universidade de Washington e outras, justamente para trazer o conhecimento pra cá e através de alguns pilotos fazer as coisas andarem.
Hoje, a nossa principal contribuição é ajudar as organizações a pensar e organizar seus objetivos. Fala-se muito da necessidade de colaboração, criatividade, mas quando é feito um planejamento tudo fica muito subjetivo, os indicadores para avaliação não são levados em conta. Muitas vezes, são colocados computadores numa escola e aparecem ganhos muito significativos em motivação, comprometimento, colaboração, mas nada disso é avaliado, então não se sabe pra que a informática foi boa. Por isso, nós estamos mudando o nosso foco principal, que agora está mais direcionado a conceituar, criar metodologias para que cada organização consiga customizar, priorizar o que importa pra eles, aprender a planejar e mensurar o desenvolvimento destas habilidades do século XXI, complementares e, ao mesmo tempo, fundamentais à educação.
Em 2010, a Fundação começou a administrar o Centro Infanto Juvenil Zona Sul, em Porto Alegre. Quais atividades são desenvolvidas neste Centro?
Nós começamos a gerenciar o Centro Social na Vila Cruzeiro através de uma licitação do Governo do Estado. É o nosso principal projeto hoje, a principal fonte de recursos da Fundação. Nós atendemos 200 alunos, entre 13 e 17 anos. E o diferencial do projeto é exatamente este: o atendimento extraclasse a jovens de uma faixa etária que não é coberta por recursos do SASE – Serviço de Apoio Socioeducativo. Para o Governo, é a gestão de um Centro. Para nós, é um laboratório de metodologia, a construção de um modelo que atraia, motive e construa. Os alunos de 13 a 15 anos têm como atividade principal a educação digital, que é o uso do laboratório, da tecnologia para desenvolver novas habilidades. Dos 15 aos 17 eles têm iniciação profissional e podem optar entre “Montagem, Manutenção e Rede” e “Rotinas Administrativas”, que envolve todo o mundo do auxiliar administrativo para prepará-los para o mercado de trabalho. Eles ficam 20 horas na escola e mais 20 horas no Centro, estudando 10 períodos semanais. Três períodos são de educação digital ou iniciação profissional e os outros períodos englobam reforço escolar em matemática e português, atividades esportivas e atividades culturais.
Além do Centro, em que outros projetos a Fundação Pensamento Digital está envolvida?
Em 2008, a Fundação iniciou uma parceria com a Universidade de Washington – que tem verbas da Gates Foundation e do IDRC (International Development Research Centre), do Governo Canadense – para desenvolver no Brasil o projeto “Global Impact Study”. O projeto tem sido realizado em vários países, através de parceiros locais, para avaliar o impacto causado pelo acesso à tecnologia da informação e da comunicação em locais públicos de comunidades (telecentros, bibliotecas e lan houses). No Brasil, a Fundação Pensamento Digital adapta o questionário, faz toda uma crítica local, define a amostra, contrata pesquisadores de outros Estados, aplica, analisa, faz os relatórios e manda pra eles. Já estamos no segundo projeto. No ano passado, aplicamos no Rio Grande do Sul, Maranhão, Rio de Janeiro e São Paulo.
Outra ação que estamos concluindo agora é um projeto com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Em 2007, quando começamos a trabalhar com a UFRGS no projeto “Um Computador por Aluno”, representantes do BID estiveram aqui para conhecer o projeto e sugeriram que mandássemos uma proposta para eles pedindo recursos para avaliar os resultados do projeto “Um Computador por Aluno” no Brasil. Demorou três anos para conseguirmos os recursos do BID, mas nós não desistimos e conseguimos. Em 2010, iniciamos o projeto de documentação, contratamos cinco universidades que já estavam ligadas com as cinco primeiras escolas brasileiras que implantaram o “Um Computador por Aluno”. Este projeto, que foi todo viabilizado e coordenado pela Pensamento Digital, tornou-se uma referência bastante importante sobre o “Um Computador por Aluno” no Brasil.
Também temos parcerias para promover o uso de alguns softwares no Brasil, como o o Squeak Etoys, um software para crianças aprenderem a programar. Mas além de desenvolver habilidades para programação, o software também desenvolve o pensamento crítico, a colaboração, a iniciativa e uma série de questões muito positivas para a educação. Em 2011, começamos a apoiar o Scratch, que é um software muito bom para construir histórias e jogos com muita facilidade, muito próprio para usar em telecentros. Então, estamos trazendo para o Brasil produtos, recursos, metodologias, olhares de ponta para tentar difundir aqui, para trazer para as organizações daqui mais do que a doação de hardware.
O software livre era uma grande promessa quando surgiu a Pensamento Digital. Depois de 10 anos, até que ponto este é um potencializador da inclusão digital?
Cada vez mais é um potencializador da inclusão digital. Tem muito software bom que pode ser usado. O Sugar, por exemplo, que foi feito pra rodar no laptop verdinho do projeto “Um Computador por Aluno”, hoje se transformou num pacote de softwares educativos livres, desenvolvido por uma rede internacional de desenvolvedores apaixonados por isso, ex-alunos do MIP. No Brasil, liderado pelo Governo Federal, as escolas recebem computadores com Linux Educacional, que é um pacote com aplicativos livres.
Para a construção conceitual, o software livre é muito importante, mas é utópico achar que a gurizada dos Centros vai sair programando, isto não existe. O acesso aos softwares é fundamental para a comunidade de desenvolvedores. Temos como exemplo o Noosfero, um software livre com foco na produção e compartilhamento de conteúdo, desenvolvido por uma rede social. É importantíssimo que ele seja livre e seja feito no Brasil, pois o objetivo da Fundação é usá-lo para a educação. Nós viemos de um grupo de pesquisa construtivista, então temos conceitos de que construindo o arquivo, seja de textos ou multimídia, a criança organiza o seu conhecimento. Quando ela publica um arquivo e o colega ou o professor ou o voluntário interage com ela sobre este arquivo, dá palpite, e ela edita ou defende a sua ideia, ela está construindo conhecimento e nunca mais na vida vai esquecer o que ela está defendendo. E isso não acontece num software comum, num software de educação à distância. Este software já existe, estamos começando a usar e estão surgindo demandas para adequar ao uso educacional. Então, em contato com esta comunidade que o desenvolveu, vamos solicitar estas demandas, sinalizando que vamos sugerir para o Ministério da Educação utilizar no projeto “Um Computador por Aluno”. Se este software não fosse livre, não seria possível fazer isto.
Desde 2006, a Dana tem uma parceria com a Fundação que prevê a doação de computadores que tenham entre cinco e sete anos de uso. Como tem sido a participação da iniciativa privada nesta campanha?
Nós seguimos recebendo computadores e equipamentos das empresas que já são nossas parceiras e usamos nos nossos cursos de montagem e manutenção de computadores na Vila Cruzeiro. Continua sendo muito importante, pois melhoramos os quatro laboratórios do Centro e também doamos para algumas organizações que já tinham parceria conosco. Infelizmente, não estamos cadastrando novas organizações para receber doações porque não temos mais a logística que tínhamos antes, com parceiros para coletar e distribuir os computadores e equipamentos. Nós tínhamos um canal aberto para estas doações até 2009. De lá pra cá não temos mais um projeto com recursos específicos para estas doações.
O Incentivo Fiscal é um elemento estratégico e, em muitos casos, vital para a Responsabilidade Social Corporativa, mas há pouco suporte de leis. Embora o RS seja uma exceção em outras leis (Lei da Solidariedade, Lei de Incentivo à Cultura), não há algo especifico para a capacitação através da inclusão digital. O que poderia ser feito para melhorar?
Na minha opinião não deve existir nenhuma lei. O que deve mudar é o olhar em relação à tecnologia. A tecnologia deve ser usada como um recurso para a cultura, por exemplo. A tecnologia tem que ser usada dentro da LIC, dentro do Funcriança. Ela tem que ser um recurso. Não precisa de uma grande movimentação para ensinar aplicativos de escritório, pois isso as ONGs já fazem. Agora, como ajudar o jovem de 13 e 14 anos a deixar de evadir a escola, a escrever melhor, a se comunicar melhor, a ter ética? Como um telecentro pode ajudar nisso? Podemos ir pra dentro da LIC e fazer um projeto de cultura com o uso de tecnologia. Por exemplo, um projeto da LIC dentro de um telecentro para produzir vídeos, multimídias sobre a comunidade. O que tem que mudar é a cultura de quem faz os projetos. As empresas que patrocinam os projetos podem exigir que conste o uso da tecnologia nos projetos da LIC que vão apoiar. Podem pegar uma assessoria da UFRGS, da PUC, da Pensamento Digital para saber como usar a tecnologia em determinada faixa etária. Existe um potencial excelente pra isto. São projetos que nós não conseguimos fazer porque não temos recursos, mantenedores.
Quais os planos da Fundação Pensamento Digital para o futuro? O que esperar para os próximos 10 anos?
A Fundação quer ser referência no Brasil no desenvolvimento das habilidades do século XXI a partir do uso da tecnologia na educação. Queremos fundamentar este tema, conceituar, mostrar a importância, mostrar como planejar e avaliar o uso da tecnologia para este objetivo. Estas habilidades são muito importantes para o profissional e cidadão de hoje e não eram tão consideradas na era industrial, onde se priorizava a memorização de fatos e procedimentos pra resolver problemas. Hoje, os problemas borbulham novos a cada momento, então é preciso ser mais criativo, mais colaborativo, interdisciplinar, saber buscar determinada informação num fluxo gigantesco de informações que estão à disposição para resolver o problema. Este cenário muda drasticamente a formação que devemos dar para o jovem. E isto é muito difícil de mudar. A tecnologia é a causa da necessidade desta mudança e também a solução pra conseguir fazer esta mudança. Está faltando conceituar um pouco as coisas, por isso estamos buscando conhecimento lá fora. Nosso objetivo é ser um catalisador, reunir quem está interessado neste tema, organizar este conhecimento e colocar à disposição.
Fundação Pensamento Digital
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