Tiago Flores nasceu em 1960 e, desde pequeno, recebeu sua educação musical com sua mãe, que tocava piano e acordeon, e de seu pai, que tocava violão. Graduou-se em Regência pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e fez curso de especialização em Regência Orquestral em São Petersburgo, na Rússia. Desde 1996, é regente titular da Orquestra de Câmara da Ulbra, considerada uma das melhores orquestras de câmara do Brasil, e tem recebido muitos elogios da crítica especializada. Há 13 anos, Tiago realiza, com a Orquestra da Ulbra, os Concertos Dana, unindo música popular e erudita num projeto de muito sucesso de público e crítica. Nesta entrevista, o maestro fala sobre seus primeiros passos pelo mundo da música, conta como funciona a parceria com a Dana e antecipa as novidades da próxima temporada dos Concertos Dana.
Como foi sua infância?
Eu nasci em Porto Alegre. Meus pais moravam na Rua São Manoel, entre a Protásio e a Ipiranga, e ali fiquei com eles até meus seis anos. Depois, fomos morar em Viamão, num sítio com todos os animais possíveis – cavalo, vaca, porco… Éramos em 12 irmãos e todos tínhamos que ajudar em casa, plantar. Eu sou o décimo filho da minha mãe. Meu pai, Dangremon, era funcionário público da Universidade Federal do RS e tocava violão nas horas de lazer. Minha mãe, Maria Conceição, tocava acordeon e piano, já que ela era de uma família tradicional de São Luis Gonzaga, em que as moças precisavam aprender a tocar instrumentos para ter um bom dote. Meu pai gostava de fazer serestas e se reunia todas as noites para tocar e cantar com os amigos. Minha primeira lembrança musical sou eu, aos sete anos, tocando na missa. Eu toquei muito na Igreja, por isso com essa idade já estava comandando o coral. Eu sempre gostei muito de palco, ainda mais se essa função também agregasse a liderança. Eu sempre gostei de cantar e tocar, mas não pensava em viver disso, porque achava que eu ia ser um pé rapado. Então, fiz vestibular para Engenharia na Federal e passei.
Então você não queria seguir pelo caminho da música?
Não. Eu tinha muita facilidade com as Ciências Exatas e, em 1978, entrei na faculdade. No ano seguinte, fiz concurso para o Banco do Brasil e, aos 19 anos, passei. Comecei a cursar Engenharia e, no ano seguinte, pedi transferência para música. Nunca achei que eu ia viver de música, mas me dediquei muito, comecei a me interessar por arranjo e composição. Ainda na faculdade, comecei a fazer regência e, em 1987, comecei a reger o Coral do Banco do Brasil. Eu era muito determinado, estudava muito – todas as horas livres que eu tinha eram dedicadas ao estudo. Me formei em 1990 e, assim que isso aconteceu, saí do banco para trabalhar com música. Comecei, então, a fazer cursos para reger orquestra. A experiência trabalhando em banco foi muito boa pra mim, acumulei experiência e eu gosto de trabalhar com o público, mas eu estava com muita vontade de reger orquestra quando entrei para o curso de Jovens Regentes da OSPA. O passo seguinte aconteceu em 92, quando fui para a Rússia, onde morei de setembro a dezembro, estudando regência orquestral. Eles têm muito mais estrutura e rigidez que nós e aprender com isso foi muito bom para mim.
E quando voltou ao Brasil?
Em dezembro mesmo. Mas gostei tanto da experiência que voltei à Rússia mais três vezes. Continuei trabalhando com regência de corais e, também, orquestras, até que, em 1996, fui chamado para montar a Orquestra de Câmara da Ulbra. Escolhi os músicos a dedo, chamei só profissionais que eu já conhecia. Quis montar uma orquestra que fosse referência. E, juntos, desenvolvemos um trabalho muito sério. Nossos ensaios começam na hora e terminam na hora. Há um clima de concentração muito grande nos ensaios. Meu lado profissional é extremamente rígido e isso também é incentivado pelos próprios músicos, que me cobram isso. Mas eu também tenho que ter humildade pra aprender com eles. Embora esse tipo de trabalho não seja, na sua essência, muito democrático. É preciso ser líder, mas também, é preciso ter jeito para pedir as coisas.
Qual é a essência de um bom maestro?
Teoricamente, você está sendo pago para fazer poucos elogios e dar muitos xingões. Claro que isso também corresponde a um estereótipo do maestro que xinga bastante, manda os músicos longe, e isso, hoje em dia, não cola mais. Mesmo que a execução esteja muito ruim, ainda é preciso tratar os músicos como colegas. É preciso detectar os erros e corrigir na execução. E eu gosto demais do que faço. Nem se eu ganhasse um prêmio de 500 milhões eu deixaria de ser maestro.
Como nasceu a ideia para os Concertos Dana?
A ideia partiu de Fernando Schüler, que teve a ideia de fazer um projeto que incentivasse a música erudita, mas ainda sem a participação da música popular, que viria a caracterizar os Concertos Dana. Ele saiu à procura de patrocínio e já conhecia a Dana, que sugeriu esta mistura com a música popular. Decidimos, então, que no primeiro ano de projeto mesclaríamos a música erudita e popular. No segundo ano de Concertos Dana foi que veio a definição de fazermos concertos com artistas oriundos da Música Popular, já que a experiência havia sido recompensadora. A partir daí, o projeto adotou este formato, que acabou sendo a sua marca registrada. Percebemos que ele tinha tudo pra dar certo.
E .como funciona a seleção dos artistas convidados?
Nossa primeira preocupação foi de não chamar só artistas que estivessem com destaque na mídia. Queríamos também fazer um trabalho de resgate de grandes compositores do Rio Grande do Sul, tentando valorizar tudo de bom que tínhamos “em casa”. Queríamos gente que tem “bala na agulha” e, ao fazer uma lista destes compositores, percebemos que tínhamos uma lista de possíveis convidados que renderia anos de Concertos Dana.
Como é trabalhar como maestro nos Concertos?
Isso exige de mim uma postura rígida sempre – é preciso ser meticuloso com tudo. Cuidar da iluminação no palco para que nenhuma lâmpada colocada a mais incomode um músico. Cuidar da leitura de partituras com os músicos para que elas sejam executadas com todo o cuidado. E, caso o músico convidado não tenha esse lado perfeccionista, eles esperam que eu tenha.
Como funciona a parceria com a Dana?
Eu já tive contato com vários patrocinadores para outros projetos, mas nunca tive uma relação parecida com a que temos com a Dana. A empresa se envolve, divide os sucessos e também os problemas do projeto e, mais importante de tudo, assume responsabilidades. Além disso, a empresa também envolve os funcionários em seus projetos, que devem sentir-se envolvidos por ele. Isso agrega um valor imenso aos Concertos Dana.
Como você avalia estes 13 anos de Concertos Dana?
Eu considero um dos mais importantes projetos musicais de nosso Estado. É quase uma unanimidade entre artistas convidados, orquestra, público e crítica. O retorno que tenho de todos estes grupos não poderia ser melhor. Eu me sinto gratificado por estar a frente de um projeto tão significativo para a cultura do Rio Grande do Sul e do Brasil.
Nesta temporada dos Concertos Dana, os convidados são Lenine, Cachorro Grande, César Oliveira e Rogério Melo com participações de Daniel Torres e Guri de Uruguaiana, além de uma nova edição do concerto em homenagem aos Beatles. Qual a expectativa para estas apresentações?
Como sempre, teremos diversos estilos nesta temporada. São quatro shows completamente diferentes um do outro. E isso é muito rico. Lenine é um grande compositor com projeção nacional, o swing dele é impressionante. Cachorro Grande é uma banda de rock da melhor qualidade, gaúchos que também fazem muito sucesso no restante do Brasil. César Oliveira e Rogério Melo, Daniel Torres e Guri de Uruguaiana são expoentes da nossa música regionalista, nomes muito fortes num mesmo espetáculo. Beatles é um dos maiores shows que já montamos, ganhou Prêmio Açorianos de melhor espetáculo de 2008. É o show mais requisitado pelos fãs dos Concertos Dana e nesta edição teremos quatro novos arranjos. Imperdível!