Mesmo sem conhecê-lo ao vivo, pode-se dizer que o músico baiano Lucas Santtana é um homem livre. Pelo menos livre de preconceitos e de amarras em relação à sua música. Explica-se: além de disponibilizar os arquivos de suas músicas para download em seu site oficial, ele ainda permite que as pessoas façam remixes delas e os enviem para que ele também os disponibilize em seu site, usando os princípios de licença creative commons.
Apesar de jovem, Lucas tem muita estrada debaixo dos pés: já foi músico da banda de Gilberto Gil, lançou discos por gravadoras (EletroBenDodô), teve música como trilha sonora de novela das oito e hoje se dedica a fazer as coisas acontecerem na internet. Seu primeiro disco independente, “3 sessions in a greenhouse” foi lançado em CD, mas também pode ser baixado no seu site oficial – assim também como seu novo disco, “Sem Nostalgia”.
Seu novo disco, ”Sem Nostalgia”, foi lançado nesse ano. Conte um pouco sobre o conceito dele e o porquê desse nome.
Fiz esse disco porque queria brincar com esse formato de voz e violão. Outros formatos clássicos foram se trasnformando ao longo do tempo. Como o quarteto de cordas ou o Power trio (guitarra, baixo e bateria). O voz e violão passou os últimos 50 anos no banquinho e violão. Daí achei que poderia me divertir em mexer com ele. O nome é tirado da letra de uma música do disco: ”sem ilusão, sem nostalgia, só o querer que acende! queima o trono, come a semente, sem vacilar segue em frente”. E também é uma brincadeira com “chega de saudade”, apesar do disco não ter nada de bossa nova.
No álbum você alterna letras cantadas em inglês e em português. Isso foi proposital, ou elas simplesmente nasceram assim?
As três músicas em inglês que fiz nasceram assim: fiz com o Arto Lindsay porque ele é um escreve muito bem em inglês. Já temos várias parcerias que foram gravadas em seus discos lançados no exterior.
E você acha que isso contribui para que sua música tenha apelo tanto no cenário nacional quanto no internacional? Você pensa nisso ao escrever?
Claro que não. Quando faço e produzo uma música só penso na música. Composição, gravação, produção, mixagem, masterização. O resto é consequência disso.
As músicas do disco foram gravadas em uma porção de estúdios diferentes. Tem até uma que foi gravada ao ar livre, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Como você acha que isso influi na obra como um todo? Há uma sensação de descontinuidade?
Cada disco é uma história. Nesse eu quis fazer com vários produtores diferentes porque já tinha um tema e uma limitação que dava amarra ao disco, então quanto mais colaboradores tivesse, mais possibilidades de atingir o desejo final , que era esticar o formato voz e violão, fazer ele não soar como um disco de voz e violão entende?
Outro pilar do disco é a questão do ambiente. Estou há muito tempo fascinado com ambient music. Com essa música que está o tempo todo ao nosso redor. O som das salas. Gravamos a voz e o violão com os microfones bem abertos para justamente captar o ambiente de cada sala de gravação. A batucada de amor em jacumã gravamos na casa de um amigo meu, se você solar os canais ouve até buzina de carro ao fundo (risos).
Os seus álbuns são disponibilizados gratuitamente na Internet sob a licença conhecida como Creative Commons, ou “alguns direitos reservados”. Como ela funciona, e por que a opção de oferecer suas gravações sem cobrar?
Esse disco não tem licença creative commons. Mas está liberado na internet porque acredito que sistema de vendas de disco não contemple a nossa extensão territorial. Sei que é um tema vasto e compicado para resumir numa resposta. Mas a minha experiência com o disco anterior ”3 sessions in a grrenhouse” foi muito positiva no sentido de fazer minha música chegar para mais gente. No blog URBe o Bruno Natal colocou o disco para download e nos comentários um rapaz de sete lagoas agradecia e dizia que se dependesse dele aquilo iria reverberar na sua cidade com os seus amigos. Pois bem, o disco terá uma grande distribuição nacional em lojas de cd, mas não chegaria em sete lagoas se não fosse o URBe. Eu compartilho muita informação de graça todos os dias na internet. Seria hipócrita se não colaborasse também. Tenho meu blog diginois, quem conhece sabe que isso já faz parte da minha história.
Isso interfere negativamente nas vendas da versão em CD?
No último disco ajudou bastante. Vendemos os CDs mais rápido que os 2 primeiros. Tem muitas pessoas que gostam tanto do disco que querem ter aquilo em casa, como uma lembrança, um sourvenir. E tem gente que vai ler no jornal, na revista e vai comprar na loja pois ñao tem a cultura do download. O importante nesse momento que vivemos é ele está em todo lugar.
E essa história de incluir samples de insetos no disco, como surgiu? Eles também trabalham sob o Creative Commons?
Hahahaha, espero que nenhum inseto me processe.
Em ”Parada de Lucas” (lançado em 2003) você trabalhou com elementos da música que toca nos bailes funk, um gênero musical que muitos críticos – se não todos – consideram “de mau gosto”. Você sofreu algum preconceito por causa disso? Como foi a recepção do disco com ao público?
Não recebi nehuma critica negativa por causa disso. Na época de fato o funk ainda não era moda hype como hoje. Se bem que até hoje ainda ouço neguinho reclamar que é de mau gosto. Eu sempre gostei, desde LP “Funk Brasil volume 1”, do DJ Marlboro.
Conte um pouco sobre a experiência de ter tocado na banda de Gilberto Gil.
Foi um grande aprendizado musical e de estrada. Viajamos por várias cidades da América do norte, sul e central e Europa. Várias situações diferentes, foi incrível. Ele é um grande músico.
Você tem uma boa visibilidade no exterior. Seu disco de estréia, “Eletro Bem Dodô”, entrou na lista dos dez melhores álbuns independentes de 2000 publicada no jornal New York Times. No Brasil, porém, você tem menos espaço na mídia. Por que você acha que isso acontece?
Espaço em mídia significa ter uma assessoria de imprensa constante. Ter uma música conhecida na rádio através de pagamento de jabá. Enfim, é um outro universo. Precisa de dinheiro para manter isso. De fato não estou nessa indústria. Mas quando passo por cidades que nunca havia tocado, percebo que os lugares estão cheios e as pessoas conhecem as músicas, ou seja, outro universo está em formação. Apareço na mídia quando faço um disco, um show, não quando vou ao shopping.
Como você avalia a cena musical de hoje, tanto no Brasil quanto no resto do mundo? Quais as vantagens e quais as desvantagens de ser um artista independente?
Acho que são parecidas. Existe o mainstream, que é como a Champion leagues. Todo mundo praticando preços exorbitantes totalmente descolados da realidade. E existe essa geração que está fazendo sua história de maneira independente. Lá fora é mais fácil o tramite entre esse universos. No Brasil é muito difícil, por circular menos dinheiro e porque a cultura como um todo é mais conservadora. A cena musical no Brasil hoje é uma das mais ricas da história. Curumin, Cidadão Instigado, Céu, Nação Zumbi, Hurtmold, Wado, Siba, Rômulo Fróes, João Brasil, Ronei Jorge, porra, tanta gente boa e fazendo um som autoral.
Fiz a canção “Cá pra Nós” inspirado nessas pessoas.
O que é fundamental pra se fazer boa música? E o que deve ficar de fora?
Amar o som! E todas as coisas boas que ele provoca na gente. Seja o som da palavra ou das freqüências. O ego e o galmour eu procuro deixar de fora, porque eles sempre atrapalharam na história da música. Tem quem adore isso. Para mim é som sempre!
Quais são os discos que você mais escuta neste momento?
Eu escuto mp3. Baixo músicas quase todo dia. As vezes baixo disco, mas ultimamente tenho baixado mais faixas. Estou muito ligado em global ghettotech. Que é essa cultura de músicas feitas em computador, produzidas para sound system com bastante grave e batidas eletrônicas. Cumbia digital, balkan beats, reggaton, dub, dance hall, grime, new funk, enfim, essas coisas. Não confundir com world music ok? É som urbano.