Verdadeiras obras de arte. Os bolos de Lis Fonseca, uma especialista emsugarcraft, encantam quem os vê e tornam-se inesquecíveis. A técnica dosugarcraft criada na Inglaterra, permitiu abandonar o bolo simples com glacê branco por verdadeiras obras de arte coloridas e divertidas, com a cara das pessoas. Lis mora e trabalha em Porto Alegre.
Antes de aventurar-se no sugarcraft, era redatora publicitária. Foi morar no exterior e, voltando ao Brasil, resolveu unir o tino para a publicidade e começar a criar bolos, docinhos, lembrancinhas – tudo minuciosamente decorado. Podem ser miniaturas, coisas que as pessoas gostem, que as identifiquem. Tudo começa como na publicidade: um briefing é feito com o cliente, que envia fotografias, dicas, sugestões; e então Lis modela bonequinhos com a cara de um cliente, situações que têm a ver com outro, esculpe personagens famosos. Tudo personalizado. E muito saboroso.
Como aconteceu essa mudança radical na sua vida, de publicitária à criadora de bolos?
Em 2000, aos 25 anos, fiz uma viagem que não tem ligação direta com esta mudança de vida. Viajei para Praga para viver uma experiência diferente, e também porque estava cansada do dia-a-dia de publicitária. Decidi morar lá por 1 ano, e voltei com a certeza de que iria fazer algo diferente da minha vida – ainda sem saber direito o quê.
Sempre gostei de gastronomia e, na volta da viagem, resolvi fazer um curso de minibolos junto com minha mãe, mais como um programa familiar, de mãe e filha.
Minha mãe diz até hoje que nunca viu meus olhos brilharem tanto como nesse curso. Eu estava encantada com as possibilidades que poderiam ser feitas a partir de bolos. Comecei a treinar em casa, fazer meus próprios bolos, sempre querendo inventar minhas modelagens. Eu trabalhava como publicitária durante o dia, e ficava até de madrugada confeccionando as primeiras encomendas. Fiz o curso em abril e, em novembro, deixei a carreira de publicitária. Eu fazia tudo sozinha. Nunca me esqueço quando no Dia dos Namorados produzi 100 minibolos para entregar em dois dias, fazendo tudo: assava bolo, modelava, limpava o chão, lavava a louça, falava com o cliente. Até meus pais tiveram que colocar a mão na massa, ajudando nas compras e nas embalagens. Foi muito difícil começar do zero, e produzir algo que até então não existia aqui. Muita gente ficou apavorada com a minha mudança. “Como assim, estudou uma coisa e vai trabalhar com outra? Na cozinha, ainda por cima?”. Isso me lembra uma história engraçada. A Emilie, que trabalha comigo, encontrou um ex-colega da área de eventos, com que ela trabalhava antes, e ele perguntou com o que ela trabalhava agora. Ela respondeu: “faço bolos”. A pessoa respondeu: “Não sabia que tu estavas desempregada” (risos). E é mais ou menos isso aí, lidei com um pouco de preconceito… Hoje, digo mesmo é que sou doceira.
Conte um pouco sobre o seu começo como criadora de bolos… Como eram os primeiros modelos? Como você desenvolveu a técnica impecável que usa hoje em dia?
Tentativa e erro. Muita tentativa e erro. Quando encontro fotos dos meus primeiros bolos, tenho vontade de rasgar (risos). Acho tudo muito precário!
Fiz muitos testes para chegar no que faço hoje, e continuo fazendo, com todos os tipos de material, que também têm que estar de acordo com o clima úmido de Porto Alegre. Em São Paulo, por exemplo, as pessoas adicionam glicerina à messa para manter a umidade. Imagina fazer isso aqui? Impossível. Na Inglaterra, os bolos são firmes e recheados com buttercream, o que permite fazer bolos esculpidos, impossíveis de serem feitos com massas fofas e muito recheio. Para o nosso paladar, são impossíveis de comer, muito diferentes do que estamos acostumados. Então, acabo optando por estruturas de bolos que permitam trabalharmos com recheios que as pessoas gostem de comer. Não adianta nada o bolo ser lindo e não ser gostoso.
Como é a sua rotina? Você trabalha com ajudantes?
Sim, trabalhamos em 3 pessoas aqui no ateliê. Eu, a Emilie e a Ana. Eu procuro passar a maioria do tempo fazendo modelagem, mas a Emilie já começa a me ajudar bastante nessa parte, além de fazer o atendimento aos clientes, tratar com fornecedores e realizar um trabalho realmente cuidadoso: as entregas. A Ana cuida dos preparativos iniciais, da massa dos bolos, dos recheios, dos doces. Ninguém faz um brigadeiro como a Ana! A pessoa precisa ter “mão” pra trabalhar com doce, senão o ponto não fica bom. A Emilie é minha amiga de infância, e trabalhava com eventos. Me mandou um email há pouco mais de 1 ano, perguntando o que eu achava dela seguir para a carreira publicitária. Eu a desencorajei e aproveitei e fiz o convite para ela vir trabalhar comigo. E ela aceitou na hora. Deu tão certo que, hoje, eu uso meu know-how de publicitária aqui, e ela, o de produtora de eventos.
Sobre o topo dos bolos: eles estão cada vez mais criativos. Como é o processo de criação dos bonecos? E como funciona o seu processo de criação? Você usa fotografias, descrições?
Sim, fazemos um briefing com o cliente, que nos envia fotos, dicas, fala sobre as pessoas e eventos. Tem também muita gente que nos dá liberdade total para criarmos coisas novas. Não fazemos cópias de bolos que já fizemos e muito menos dos que outras pessoas fizeram, que as pessoas tiram de revistas… Não fazemos isso. Tudo é muito bem planejado, programado, há todo um processo de criação. Muitas vezes, fazemos o desenho do bolo, enviamos para o cliente aprovar, daí partimos para a modelagem.
O que colabora muito para o meu processo de criação é o Google. Eu, sem Google, não existo. Principalmente se tenho que modelar personagens. Busco referências estéticas, coisas que possam ser associadas ao tema, fotos, às vezes assisto filmes novamente.
Com quanto tempo de antecedência as pessoas devem encomendar um bolo elaborado?
As pessoas tem que encomendar o bolo com, no mínimo, 30 dias de antecedência. A gente tenta mostrar que aqui é um ateliê, não uma padaria. Ainda tem muita gente querendo fazer encomenda de hoje para amanhã, mudar tudo em cima da hora. E temos também a filosofia de não usar nada congelado. Tudo é feito na hora, para que não alterar o sabor e a consistência dos bolos e doces. Trabalhamos de maneira diferente do que outros profissionais, e acho que essa é a idéia mesmo: fazer algo diferente.
Que material é usado para fazer os bonecos do topo do bolo?
Tudo o que usamos como decoração é feito de açúcar e comestível.
E como é o processo de preparação do bolo?
A modelagem geralmente é o que começa antes, é uma etapa demorada – ainda mais para mim, que sou muito detalhista, minuciosa. Recentemente, fiz um bolo de casamento em que passamos uma semana modelando as mais de 1000 flores que compuseram um bolo de casamento. Já passei 8 horas modelando 50 docinhos com o rosto da Minnie. Pouca gente imagina que é preciso tanto tempo assim para as coisas saírem conforme o desejado.
Depois de feita a modelagem, preparamos o recheio, assamos o bolo, ele é prensado e coberto. É preciso respeitar o tempo de cada processo para que o resultado não seja alterado.
Você tem algum tipo de modelagem favorito? Qual assunto mais gosta de fazer?
Eu gosto muito de fazer coisas para bebês – batizados, maternidade, festas de 1 ano. Nestes 6 anos de trabalho, já fiz muitos bolos que fiquei com pena de entregar (risos). Mas os que mais nos realizam são aqueles em que as pessoas não dão liberdade para fazer, aqueles em que o cliente confia e que podemos seguir nosso instinto, usar livremente nossa criatividade. A gente também inventa muita coisa, trabalha num lance ‘Tabajara’ total (risos). Principalmente em busca de materiais, procurando coisas que não existem por aqui. Também há dificuldade para se encontrar frutas vermelhas frescas, pistache, é uma luta! Mas, no final, tem as histórias recompensadoras.
Quais os pedidos mais desafiadores que você já recebeu?
Os mais desafiadores são aqueles em que têm uma estrutura que vai contra a lei da gravidade. Ou aqueles que têm modelagens que devem ser quase réplicas das originais. É preciso muito cuidado, respeitar as proporções e as formas. Temos histórias de pessoas que comeram o bolo por dentro, para não estragar o modelo… São tantas histórias!
Fizemos um bolo esculpido em que a forma era a cabeça do Shrek e onde até o recheio era verde. As crianças adoram esse tipo de coisa! Esses tempos também fizemos um Yellow Submarine, um baú aberto cheio de elementos… Fizemos recentemente uma modelagem sobre O Mágico de Oz. Revi o filme, que tinha visto há muito tempo atrás, para tentar buscar elementos da história. É difícil criar algo novo, sem cair no lugar-comum, ter idéias legais e conseguir executar.
E quais as modelagens mais pedidas?
Modelagens de aniversário, com o aniversariante; casamentos, chás-de-bebê. Os temas são bem variados. Vão desde um mimo para presentear, um bolo que chega como um pedido de desculpas, ou um bolo enorme de casamento.
O que você usa como referências?
Tudo é referência: o que vejo e observo nas ruas, em revistas, no comportamento das pessoas. Uso muito o Google, a Internet. Estamos numa onda scrapbook, fazendo e pesquisando bastante coisa sobre isso. Leio livros, algumas revistas nacionais, fiz poucos cursos, mas muito bons.
Qual a melhor parte do seu trabalho?
Ver, no final do dia de trabalho, a bancada cheia de bolos prontos. É recompensador ver os desafios realizados.
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