O paulista Laerte Coutinho é um dos principais quadrinistas do Brasil. Ele participou de diversas publicações como a “Balão” e “O Pasquim”. Também colaborou com as revistas Veja e Istoé e os jornais Folha de São Paulo e Estado de São Paulo. Criou diversos personagens, como os Piratas do Tietê e Overman. É famoso pelo senso de humor refinado, pela irreverência e sensibilidade, e considerado uma referência para quem faz quadrinhos no Brasil.
Onde você busca inspiração para as suas tirinhas?
Acho que a principal motivação (prefiro à “inspiração”, tudo bem?) vem das obras que vejo, leio e ouço, desde sempre. Livros, filmes, músicas, quadrinhos – o fato de gostar dessas coisas me faz querer fazê-las também, ser parte desse mundo.
Fora isso, é difícil pra mim explicar como um pensamento vira uma idéia. É tudo imaginário, acho.
Como é ter que publicar uma tirinha todos os dias ao longo de todos esses anos? Você produz todos os dias, ou desenha em pequenos lotes? Você fica satisfeito com aquilo que sai diariamente nos jornais?
Posso dizer que não é uma tirinha só. Ao longo desses anos, mudei várias vezes de registro – e de título, também. “Condomínio”, Striptiras”, “Piratas do Tietê” são a mesma tira, com núcleos de personagens muito diversos – ou mesmo sem nenhum personagem.
Minha rotina mais comum é fazer a tira do dia seguinte. Às vezes, por exemplo para viajar, adianto.
Também atraso, que horror.
Você declarou em entrevistas anteriores que a morte de um de seus filhos (em um acidente de carro, em 2005) foi uma espécie de “divisor de águas” na maneira como você concebe o seu trabalho. O que foi que mudou?
Tudo mudou, não só em relação ao meu trabalho. Acho difícil discorrer sobre isso – tudo o que digo parece uma sombra do que há para se dizer, se é que há. O silêncio é melhor.
No ano passado as suas tiras tiveram a circulação suspensa em jornais de grande tiragem (como, por exemplo, a Zero Hora, de Porto Alegre). Por que você acredita que isso ocorreu?
Os jornais argumentaram que a tira não correspondia mais ao produto que eles haviam contratado. Eles têm razão, não é mais a mesma.
Você acha que essa recusa a sua produção mais recente pode, de certa forma, estar ligada a um conceito ultrapassado de que o humor deve ser direto, não havendo nele espaço para a reflexão?
A reflexão também é “direta” – pelo menos, tanto quanto o humor pode ser. Acho que a recusa é em relação a outro tipo de humor que não o estabelecido por um certo padrão. De novo, acho chato, mas normal que isso aconteça.
O fato de você ter se formado em jornalismo influenciou de alguma maneira o seu trabalho?
Eu nunca me formei, nem em música nem em jornalismo. Comecei fazendo música, saí da faculdade, voltei para fazer jornalismo porque já trabalhava em imprensa – tinha o registro profissional, inclusive. Minha intenção, ao voltar, era me desenvolver dentro da academia. Como dizem em seriados americanos – a quem eu estava tentando enganar?
E o fato de você já ter sido preso por andar pelado, influenciou? (Como foi essa história?)
Eu – e mais uma meia dúzia – fui detido durante uma filmagem, dentro do campus da USP, em 1971. Era uma cena onde faunos e ninfas dançavam dentro de um bosque. Fomos todos parar num quartel da polícia militar. Alguém da equipe tinha um parente oficial do exército e nossas barras foram aliviadas.
Influência no meu trabalho?
Claro, ué! Toda.
Você já fez um clipe para o Pato Fu (para a música Uh Uh Uh La La La Ie Ie), no qual trabalhou em parceria com seu filho Rafael Coutinho, também cartunista. Como foi trabalhar com ele?
Foi ótimo – mais para mim, porque só fiz o roteiro e os desenhos principais. Ele (e mais outros desenhistas) pegou no pesado, fazendo o trabalho da animação.
Mais tarde ele fez outro filme com uma história minha (Aquele Cara), desta vez usando o próprio traço. Ficou maravilhoso. Ele é um grande desenhista.
Na década de 1990 você escreveu os roteiros de alguns dos melhores programas de humor da história da televisão brasileira: a TV Pirata, o infantil TV Colosso e o Sai de Baixo. Como foi essa experiência? Foi difícil adaptar o seu processo criativo para a mídia audiovisual?
Foi difícil, mas contei com a ajuda paciente e sábia do Cláudio Paiva – também cartunista e autor de quadrinhos.
Achei fascinante as possibilidades da linguagem da tevê, onde, ao contrário dos quadrinhos, o espaço é virtual e o tempo é real. Outra diferença fundamental é que na tevê o trabalho final é necessariamente resultado do esforço de uma equipe.
Outras linguagens, como teatro e cinema, também me interessaram, a partir dessa experiência.
Falando em TV, conte um pouco sobre o Laertevisão (HQ lançada pela editora Conrad em 2007).
Eu tenho mais ou menos a idade da televisão, no Brasil. Tive a vontade de mudar o discurso de um espaço que mantinha na Ilustrada pra falar sobre televisão e fazer um pouco de memória pessoal e do que se via nos anos 50 e 60.
E 70.
Foi uma viagem, algo muito emocionante.
Não é muito comum no meu trabalho essa intimidade comigo mesmo.
Dois anos atrás, começou a ser publicada, em diversos volumes, uma antologia completa dos Piratas do Tietê. Como você se sente em relação ao seu trabalho antigo?
Tenho sentimentos contraditórios. Ora vejo com um criticismo exagerado, ora com ternura – não tenho uma opinião muito estável sobre o que já andei fazendo.
Confesso que já joguei fora muitos originais, recortes e registros de coisas que fiz. Tento não fazer isso de novo…
E o filme, a quantas anda? (longa-metragem do Piratas do Tietê, que será produzido pelo estúdio Otto Guerra – o mesmo que lançou Wood & Stock: sexo, orégano e rock’n roll, baseado na obra de Angeli)
Está em fase de roteiro, ainda. Não dá pra adiantar mais que isso…
O seu blog se chama Manual do Minotauro (o endereço é http://verbeatblogs.org/manualdominotauro ). O que isso quer dizer, se é que quer dizer alguma coisa?
A intenção com o blog é permitir a publicação de uma história seriada no espaço da tira diária de jornal – de modo que o leitor pudesse ter à mão os capítulos anteriores, a história inteira.
Manual do Minotauro é o nome da primeira história. Uma aventura meio apocalíptica com o Minotauro, personagem de que gosto muito.
Outras séries vieram, mas resolvi deixar esse nome geral.
Neste blog vou postar meus trabalhos atuais.
Tenho outro blog para as tiras transgêneras de Hugo/Muriel ( http://murieltotal.zip.net) e estou – estamos, eu e o pessoal do UOL – reformando o site www.laerte.com.br , de modo a deixá-lo como uma nave-mãe, um arquivo de todo o material anterior.
Em fevereiro de 2007 você publicou na revista Piauí a estória Esfinge, uma das mais geniais de sua produção recente. Nela, o personagem central pergunta por que tem que ir para o escritório, mas prefere não saber a resposta. Você acha que vale a pena saber a resposta?
Ah, não curto ficar atalhando as minhas histórias, coitadas!