Ian Black é um dos mestres da geração Social Media. Ele já trabalhou e é consultor de projetos em mídias sociais para uma miríade de agências como LiveAD, Wunderman, Riot, Young & Rubican, W/McCann, DPZ, Boca e Dentsu. Vencedor de dois Leões no Festival de Cannes, foi responsável por um dos primeiros blogs coletivos do país, do primeiro blog a ser referenciado como fenômeno cultural e também pelo primeiro portal profissional de blogs do Brasil. Aqui, vamos tentar desvendar como esse universo da internet virou cultura de fato.
Ian, todo o pessoal que trabalha com internet geralmente tem uma trajetória de carreira pouco convencional. Contigo a história não muda, certo?
Exatamente. Primeiro que não tenho nenhuma formação acadêmica. Bem, passei pelas faculdades de serviço social, design, redes e pedagogia, mas abandonei todas elas. A única coisa dessas que concluí foi meu curso de técnico em Contabilidade. Mas trabalhei em diversas áreas nos mais curiosos cargos. Já trabalhei de sorveteiro a gerente de planejamento. Com internet, tudo começou com a produção de conteúdo em zines e blogs há mais de dez anos, e também com meu trabalho como analista de suporte técnico. Sempre trabalhei com muita coisa diferente e foi só em 2007 que comecei a trabalhar com comunicação.
É possível falar de cultura hoje sem Internet? Existe uma cibercultura aparte da cultura? Ainda há como separar as duas coisas?
Cibercultura é um termo que procuro evitar. Tudo que envolve produção intelectual, seja um desenho de uma criança ou uma obra erudita, é cultura. E existem os meios de produção e difusão. Falar em cibercultura é quase o mesmo que dizer que novela é uma “telecultura“.
É possível falar de cultura sem internet, mas é que a internet possibilitou a multiplicação dos agentes culturais e seus produtos. A internet possibilitou às pessoas uma forma rápida e fácil de compartilhar ideias e os resultados disso são mais que visíveis hoje.
Em sua opinião, quais foram as maiores contribuições do mundo virtual?
Todo e qualquer meio de distribuição de conteúdo digital e daí dá pra pegar inúmeros exemplos, como as plataformas de redes sociais, os fóruns, os torrents. Se antes dependíamos da TV, do rádio e dos meios impressos, que são limitados em espaço e em editores, com a web vimos que todo mundo tem algo a compartilhar, e a partir daí as pessoas puderam ser mais independentes culturalmente. E essa independência é o maior legado desse novo universo.
Hoje a palavra de ordem é conteúdo. As pessoas estão mais atentas ao que lêem ou é apenas uma tendência?
Não necessariamente atentas, mas as pessoas estão mais dispostas a consumir o que lhes interessa. A relevância de um determinado conteúdo é subjetiva: a importância é dada de acordo com seus interesses. Como mencionei anteriormente, o fim da dependência cultural dos poucos meios veio com uma oferta incontável de conteúdo, sobre os mais diversos assuntos. E por isso vemos mais pessoas interessadas em consumir conteúdo.
Como se avaliar um conteúdo de internet? Existe o bom, o mau e o feio?
Sempre vai existir a avaliação de um determinado conteúdo, mas isso não quer dizer que ele não terá seus consumidores. E a fragilidade do julgamento estético é cada vez mais clara. A classificação mais coerente do que é mau e feio está relacionada ao conteúdo que fere a constituição.
Vamos falar sobre blogs. Você pensava, quando começou, que essa ferramenta iria se profissionalizar como está acontecendo?
Quando fui apresentado aos blogs pelo meu amigo Alexandre Inagaki, em meados de 2000, ele disse-me que aquilo ali era a ferramenta do futuro. Não há como negar isso hoje em dia. Mas o que se profissionalizou não foi a ferramenta, mas apenas algumas pessoas. As ferramentas de blog evoluíram bastante, e muito por demandas profissionais das pessoas, a ponto de grandes veículos, como o Link, do Estadão, utilizar WordPress.
Qual a diferença de um coletivo para um portal?
O que existe é uma frescura em igual proporção das pessoas que querem se definir por uma ou outra denominação. No geral, são pessoas produzindo conteúdo.
As sociedades aproveitam mais as atividades culturais com a informação mais acessível ou isso é um mito? Podemos falar em maior democratização da cultura? Outra questão diretamente ligada a essa revolução cultural é a da própria propaganda, sua área de atuação. A propaganda teve que se adaptar a um novo meio de comunicação onde o consumidor não aceita ser pressionado. Como funciona isso?
Ainda há muitos mitos quando falamos de propaganda e internet. A questão com o consumidor é menos sobre ele querer ou não ser pressionado, e mais sobre novas oportunidades de chamar sua atenção. Há pouco mais de dez anos a única forma de atingi-lo era através dos impressos, da televisão e do rádio. A internet ofereceu novas formas de entretenimento e, consequentemente, novas formas de comunicação publicitária. E assim como a TV não é só comercial, na internet não é apenas banner. Os formatos são bem distintos, e sempre em constante renovação, o que implica num desafio bem grande para quem trabalha em produzir conteúdo para esse meio. E ainda há o fato de que a internet possibilita a interação das pessoas com mais facilidade. Mas é preciso lembrar que a internet é um meio muito pouco rentável comparado com a televisão. Então os investimentos são menores, o que nos permite imaginar que o futuro será bem mais interessante para comunicação digital.
Indo mais além, o consumidor se transformou no porta-voz do consumo. Concorda?
Não concordo. A propaganda é a porta-voz do consumo. E ela soube usar a voz do consumidor para potencializar seu poder. O que aconteceu foi que, com um monte de gente podendo registrar suas opiniões sobre produtos e serviços, os produtos com maior qualidade ganharam destaque. Mas ainda assim, quem organiza isso de forma a atrair outros consumidores é a propaganda.
Pensando nisso tudo, não escapamos da explosão das redes sociais. Orkut, Facebook, Twitter, entre outras. É aqui que tudo acontece?
Aqui é onde boa parte da informação se organiza. O que é uma coisa bem diferente. Eu gosto de usar o exemplo do Orkut que, na minha opinião, possibilitou a maior revolução cultural no país. Antes dele, as pessoas sabiam um pouco de cada coisa, mas muitas vezes não tinham com quem compartilhar ou mesmo onde pesquisar. O Orkut possibilitou que as pessoas se organizassem em comunidades sobre os mais diversos assuntos. Acadêmicos discutindo “cibercultura“, punheteiros discutindo o extinto programa Coquetel, do SBT. Em ambos os casos, pela primeira vez pudemos ter fóruns públicos de construção de conhecimento acessível a qualquer pessoa, a qualquer instante. Ainda não conheço ninguém que pudesse discordar que o Orkut é o maior repositório de conhecimento popular no Brasil.
E a confusão de significados com a invenção desses novos termos? Como definir o que são redes sociais e mídias sociais?
Eu confesso que dou pouca atenção aos termos desse meio. Talvez eu seja o cara que trabalha com isso que menos lê coisas ou se mete em discussões de definições. Mas eu costumo chamar de plataformas de redes sociais coisas como o Orkut e o Facebook, que são lugares onde podemos criar diversas redes de relacionamento. Não existe uma única rede. Mídia social, por sua vez, é todo o meio onde é possível comunicar algo, possibilitando a participação direta de outras pessoas.
Como você enxerga a influência dessa nova dinâmica de informação para a cultura de massa, mainstream? Existe uma liberdade maior de escolha, ou ainda existe uma indústria que se impõe na opinião pública?
Acho que a televisão influencia e ainda vai influenciar muito, pois ela é um canal agregador de massas, diferente da internet, onde há muita gente, mas elas estão concentradas em pequenas redes que raramente se conversam. A internet possibilitou o acesso: por exemplo, eu posso ver um artista na TV, mas é a internet que vai me permitir saber mais dele, que vai me permitir baixar suas músicas e conversar com outros fãs. Mas foi a TV quem despertou esse primeiro interesse. O que prova que esses meios são muito menos conflitantes e muito mais complementares.
Você costuma usar uma frase que já se tornou um clássico entre os usuários mais assíduos da internet: “Que época para se viver!”. E como bom “nerd”, gosta de listas, certo? Faça um Top 5 relacionado a essa frase.
– Conheci minha esposa no Orkut
– Nunca produzi, consumi e compartilhei tanta cultura, dos mais diversos modos e sobre os mais variados assuntos
– Conheci pessoas fantásticas nas interwebs
– Ganhei bastante dinheiro com meu trabalho
– Posso dar entrevistas legais como essa.
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