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Helen Rödel veste uma de suas criações. Imagem: Guilherme Thofehrn

Helen Rödel é como suas criações: etérea. Tudo nela inspira arte: seu sonho de infância era ser patinadora; quando criança, era amiga das senhorinhas bibliotecárias da escola em Lajeado, pequena cidade do Rio Grande do Sul onde nasceu. Tentou fazer faculdade de publicidade, de letras e acabou na moda, onde encontrou o ponto ideal para o retorno às suas raízes. Sua principal plataforma de trabalho é o crochet.

Em seu site, ela diz: ”Penso que o crochet é o passado, é agora e o futuro. É uma arte milenar de infinitas possibilidades para qual eu oferto a minha visão. Essa fantástica combinação de uma agulha, fios, mãos e mente presente me encanta sobremaneira e meu esforço em renovar a técnica é, além de realização pessoal e crença, uma vontade sincera de que a técnica se mantenha viva carregando consigo a mudança dos tempos”.

Como foi sua infância de menina do interior? Ela influenciou na sua vida profissional?

Eu nasci em Lajeado, uma cidade que tem 50 mil habitantes e, quando eu era criança, queria ser patinadora, eu sempre quis fazer patinação! Eu era inquieta, criada em apartamento, morava ao lado do colégio, andava muito de bicicleta. Desde muito pequena eu colecionava revistas Elle, Manequim…. Eu amava imagens, ficava horas olhando as revistas. Eram revistas com imagens grandes, minha avó tinha uma salinha com todas as revistas de 1968, 1969 – ela mora em Ibirama, interior de Santa Catarina, onde eu passava as férias com meus primos. Eu também colecionava os cadernos Donna da Zero Hora, ficava impressionada com o que ilustrava a coluna do Xico Gonçalves (colunista de moda). Eu passava também muitas horas na biblioteca do colégio, folheando livros antigos de ciência, livros didáticos, lembro que também haviam revistas importadas, a Time, a Life, a Nacional Geographic… Eu gostava muito de revistas, sempre fui bastante imagética. Minha irmã mais velha desenhava e eu tentava copiar os desenhos dela depois…

Helen ajusta a cabeça de coruja criada para a Ellus. Imagem: Eduardo Carneiro
Helen ajusta a cabeça de coruja criada para a Ellus.
Imagem: Eduardo Carneiro

E como você começou a desenhar?

Fui me soltar mesmo quando fiz um curso no SENAC em 2005, onde aprendi sobre medidas, proporções. No final de 2000, me formei no Ensino Médio e passei para a faculdade de Letras, na UFRGS. O curso sempre me fascinou, mas não queria aquilo como carreira, e a rotina em Porto Alegre era bem difícil para mim. Acabei voltando para Lajeado, onde comecei a fazer Publicidade. Gostava das aulas de semiótica, era super matona de aulas (risos). Eu sempre soube que queria fazer faculdade de moda, mas não tinha vontade de ir para Caxias.

O que você carrega destes dois inícios de graduação? 

Eu faço alguma arte gráfica quando precisamos, logotipo, trago bastante coisa de teoria da comunicação, semiótica… Da Letras, o que ficou foram as leituras – eu nunca li tanto como quando cursava Letras. Isso enriquece muito teu vocabulário, te dá mais repertório e fluidez na hora de escrever.

E então você foi para Porto Alegre fazer Moda…

Isso. Depois de aprender a desenhar, fiz um curso de Modelagem no SENAC, e acabei ganhando a oportunidade de mostrar algum trabalho meu num desfile. Uma colega de curso, a Kelly, sempre me incentivava, era pedagoga e me mostrou um trabalho de crochet. Perguntei se ela topava o desafio de criar um vestido todo em crochet, e ela aceitou. Mostrei o ponto, o fio, e era um tipo de crochet que ela nunca tinha feito. Ela se sentiu desafiada, saiu da sua zona de conforto. Eu sou uma pessoa etérea, tenho bastante sonhos, e sem um catalisador para me tirar desse meu foco caleidoscópico em várias coisas, fica difícil realizar algo. Nesse caso, foi uma união, começamos a pensar nas peças em crochet, e aquilo naturalmente foi se desdobrando…

E quando o crochet entrou na sua vida?

Eu comecei a tricotar com seis, sete anos. O armarinho que vendia fios e lãs de Lajeado era um mundo tão encantador como a biblioteca do colégio para mim. No meu trabalho, o crochet é uma certeza emocional e material: amo-o porque dou muito valor à técnica manual, artesanal. As peças são construídas com os sentimentos de quem as faz, acredito que parte da vida das artesãs fica no trabalho delas. O crochet tem o peso da tradição, da minúcia.

As pessoas acham meio démodé, pensam naquelas revistas de crochet que vêem nas bancas de revista… Por isso eu sinto que tenho esse desafio: fazer as pessoas gostarem de crochet tradicional, trabalhando nele com um viés artístico, de produção detalhada e cuidadosa. Pensando de uma maneira mais racional, também era um nicho de mercado não explorado no Brasil, onde há muito preconceito com o crochet, as pessoas não valorizam. Minha proposta é dar uma visão contemporânea sobre o crochet tradicional.

A Rödel LA chega à Islândia. Imagem: Eduardo Carneiro
A Rödel LA chega à Islândia.
Imagem: Eduardo Carneiro

Como funciona a parceria profissional com seu marido?

Eu e o Guilherme Thofehrn criamos a Rödel LA em 2007, e nossa sintonia é total. Desde o início, cuidamos de tudo, da concepção das peças até o layout do site. Gostamos muito do ‘do it yourself’. Houve um tempo, por exemplo, em que eu mesma posava como modelo para as fotos, que Guilherme tirava depois de chegar do trabalho. Isso era para ter certeza de passar no ensaio exatamente a ideia que queria. As fotografias do Guilherme surgiram de uma necessidade e considero-as maravilhosas, porque estão conectadas com meu processo orgânico de criação e, é claro, afinadas com o que curto esteticamente.

E como foi que a Rödel LA chegou a Islândia?

Quando julho de 2009 estava terminando, fui convidada a desfilar minhas criações na semana de moda da Islândia, a Iceland Fashion Week, que aconteceria entre os dias 2 e 6 de setembro de 2009. A semana de moda islandesa, que já teve como patronas Vivienne Westwood e Patricia Fields, tem como enfoque conclamar um seleto grupo de jovens designers do mundo inteiro a desfilar suas coleções no país, também referência em design de vanguarda.

E, hoje em dia, você faz os vestidos de crochet?

Ainda não. Um dia eu chego lá.

Então você tem uma equipe que executa suas ideias? 

Sim. As pessoas da minha equipe são amorosas, simples, gentis, senhoras que encontram dificuldade para enxergar a minúcia dos pontos de crochet… Tudo isso faz parte do processo e o torna o que ele é: algo entre o real e mágico. É uma coisa de gente que encontra satisfação pelo labor. Gosto muito de citar Camões quando falo de crochet: ‘cantando, espalharei por toda a parte/se tanto me ajudar o empenho e a arte’.

Há um ano, trabalho com uma equipe coordenada por três crocheteiras, e busco sempre novas técnicas, existe muita possibilidade de criar pontos novos.

>Em janeiro e abril de 2010, você criou peças para a Ellus, certo?

Isso. No final de novembro de 2009 fui convidada pela stylist Letícia Toniazzo a desenvolver acessórios em crochet para compor os looks da coleção apresentada no desfile do inverno 2010 da 2nd Floor, marca jovem da Ellus, na São Paulo Fashion Week. A inspiração foi a foto de uma incrível e enorme cabeça de cavalo feita em um crochet bem grosseiro, com algo de muito impressionante: havia de fato um cavalo ali com forma e expressão. Essa característica foi meu guia. A partir disso, mais o briefing da coleção e a eleição dos animais a serem trabalhados, comecei a pesquisa de linhas, para trazer para o crochet a coruja, a raposa e o morcego com suas formas, com seu design. Como resultado, peças construídas com fios nobres de lã de alpaca do Peru, de ovelha dos pampas gaúchos e com os delicados mohair e angorá trazidos da Islândia na oportunidade de meu desfile em Reykjavík. As peças foram estruturadas com maleáveis armações metálicas que deram forma e permitiram o ajuste. Em abril deste ano, criei e desenvolvi cabeças de coelho em crochet com acabamento em feltragem de agulha a convite da marca Ellus para o lançamento nacional do filme Alice in Wonderland, em parceria com Disney.

As pessoas no Brasil não estranham o fato de uma designer de moda trabalhar com crochet? O que você pensa sobre isso?

Aqui, parece que as pessoas não valorizam o crochet e no exterior é o contrário. Aprendi com o crochet de ontem, mas realizo o crochet do meu tempo, da minha vida vida. O acabamento, o perfeito tecimento e a modelagem precisa garantem modelos sem costuras se unindo a materiais de alta qualidade e designs com conceitos atemporais, resultando em peças valiosas. Meu crochet presta uma homenagem. Penso que o crochet é o passado, é agora e o futuro. É uma arte milenar de infinitas possibilidades para qual eu oferto a minha visão. Essa fantástica combinação de uma agulha, fios, mãos e mente presente me encanta sobremaneira e meu esforço em renovar a técnica é, além de realização pessoal e crença, uma vontade sincera de que a técnica se mantenha viva carregando consigo a mudança dos tempos.