Fabrício Carpinejar, 35 anos, é poliédrico, hiperativo, onipresente. Sua aparência revela essa atração pelo diferente: unhas pintadas, óculos coloridos e cabelos raspados, sempre com um desenho diferente a cada semana.
Curioso pensar que a literatura o fez superar a timidez e os problemas de dicção e o desembaraçou no palco com a leitura gritada e particular de seus textos.
O escritor tem levado o lirismo para lugares antes cativos da prosa, criando uma empatia com o público e esfacelando estigmas do gênero. Polêmico, irreverente, é o menino louco da nova geração de autores. Um louco que defende a normalidade e a rotina. “Não subestimo o que sofre um paranóico e um esquizofrênico, não vou usar a loucura como charme, ela dói”, afirma. O blog de Carpinejar, onde reúne suas crônicas, já ultrapassou a marca de 450 mil visitantes. Extensamente premiado, é autor de onze livros, oito de poesia.
Como nasce um livro?
Da solidão. O livro é um amigo imaginário, uma amante imaginária, um filho imaginário. É preparação de sua futura família. Aprendi a ser homem, a ser pai, a ser vulnerável escrevendo. Escrever é reconhecer que sempre estamos esperando alguém. É arrumar a cama e nossa vida para a visita.
A maioria se arruma para sair, eu me arrumo para entrar em casa.
O escritor é aquele que brinca com seriedade. Crianças conversam com brinquedos, converso com as palavras.
O que muda no seu dia-a-dia quando está passando pelo processo de criação de um livro?
Fico ansioso, entro em surto, é minha TPL (Tensão Pré-Lançamento). Fase de hipersensibilidade, tudo me comove, tudo choro, para tudo solto risada.
Recito versos sem querer, solto pensamentos em voz alta. Não me controlo. é uma doideira deliciosa.
A má notícia é que sempre estou criando algum livro (risos). O estado de alteração, portanto, é permanente.
Quais são as suas influências literárias?
Bah, tantas, os personagens de Shakespeare me ensinaram a mentir, Dante a conversar com o inferno sem me queimar, Goethe a não vender minha alma sem antes consultar o SPC, Lezama Lima a evitar o engarrafamento das metáforas. A literatura me tornou prático. O que leio uso em minha vida.
Quem é a primeira pessoa que lê seus livros?
Ana, minha mulher. Ela é meu silêncio em estado puro, eu só me aquieto com ela. Não publiquei nenhum livro antes de nossa história, foi seu amor que me transformou em escritor. Ouvir sua opinião é jantar fora. A rotina de um casal pode ser sobrenatural se prestamos atenção. Ela é monótona para quem nunca se interessou em fazer alguém feliz.
Qual a sua opinião sobre sites na internet que estimulam a criação literária e a discussão na rede?
Os sites e os blogs são ótimos, porque oxigena a literatura de imediato, não há mais pó e gavetas trancadas. Publica-se e aqueles que permanecem têm o desejo de ficção maior do que alimentar a vaidade de sua biografia.
Como você descreveria para o leitor a sua poética?
Sincera. Posso ser cruel comigo para ser generoso com o leitor.
Qual a influência do trabalho do seu pai, Carlos Nejar, na sua poesia?
Meu pai me alcançou o cuidado com o final dos poemas, os ganchos. Assim como a valorização de uma narrativa nos versos. Minha mãe, que também é poeta, me possibilitou os enredos mágicos, o exercício dos paradoxos, de encontrar sempre o outro lado do meu ponto de vista. Ambos foram insubstituíveis.
O que é poesia para você?
Não desperdiçar nenhuma expressão. Não falar para fingir que está conversando, não falar ocupado, desatento. Falar com a inclinação do corpo. Palavra é beijo, não pode ser enganada. Tenho que gostar muito, senão ela sente meu desamor e se afasta. Já viste algum apaixonado com hálito ruim? Nunca. O apaixonado inventa sua boca, prepara, o coração perfuma.
Como você analisa a poesia brasileira contemporânea?
Com ares de feira, faminta dos ruídos da rua, cuidadosa com os relacionamentos, preocupada em ser compreendida e aberta à música. Deixou de ser latifúndio acadêmico – o hermetismo das teses e metalinguagem – para transpirar e suar a mortalidade.
Quais são seus próximos projetos literários?
Estou relançando Um terno de pássaros ao sul, uma nova versão de meu segundo livro, que traz o acerto de contas de um filho com seu pai distante. E, para Bienal, deve sair meu novo livro de crônicas, uma visão masculina de O Amor Esquece de Começar.
Em algum lugar, li que você que escreve do jeito que escreve por causa da asma. Como assim?
A asma foi minha professora. Eu escrevo com as pausas e os cortes de minha respiração. Não posso fazer versos muito longos senão morro asfixiado. Faço versos curtos em poemas longos. Muitas paradas, para aproveitar melhor a estrada. Não quero chegar a nenhum lugar, sou um lugar viajando.
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