Carol Bensimon é uma escritora que nasceu em Porto Alegre, em 1982. Publicou alguns contos na Zero Hora, revistas Ficções e Bravo!, entre outros veículos. “Pó de parede”, lançado em 2008 pela Não Editora, foi seu livro de estreia e recebeu grandes críticas em jornais, sites e jornais. Em 2009, ela lançou seu primeiro romance, “Sinuca embaixo d’água”, que ganhou a Bolsa Funarte de Estímulo à Criação Literária, pela Companhia das Letras. Carol é Mestre em Teoria da Literatura e, atualmente, mora em Paris fazendo doutorado, na Sorbonne Nouvelle.
Quando criança, o que você queria ser quando crescesse?
Eu queria ser detetive.
Como foi que você percebeu que queria ser escritora? Quando esse turning point aconteceu na sua vida?
Comecei a escrever quando ainda era criança, mas, na hora em que é preciso escolher uma profissão, aos 17 anos, a carreira literária nunca parece ser uma opção. Então muitos acabam, como eu, entre o jornalismo e a publicidade, caminhos que parecem muito mais seguros.
Entrei na Publicidade na UFRGS, me formei, e trabalhei alguns anos como redatora publicitária. Em todo esse tempo, continuei escrevendo. O “turning point” foi numa viagem solitária pelo interior da França, durante as minhas férias. É preciso tomar distância para enxergar algumas coisas de sua própria vida. Na volta, saí do meu emprego e comecei a estudar para entrar no mestrado da Letras.
Você lançou recentemente o romance “Sinuca embaixo d’água”. Conte um pouco sobre o processo de criação do livro.
Foi bastante trabalhoso, como imagino que sempre será. Durante o processo, inclusive, fiz um blog para discutir algumas questões que surgiam (o blog acabou quando terminei de escrever o livro, mas ele ainda pode ser lido em www.carolbensimon.com/sinuca). O mais duro talvez tenha sido segurar a ansiedade. Muitas vezes, estamos loucos para ir para frente do computador escrever mais um capítulo, mas ainda não é a hora. Geralmente, as ideias levam tempo (mais do que gostaríamos) para amadurecer.
Como nasce um livro, Carol?
Nasce sempre de uma espécie de incômodo existencial. E provavelmente também de uma tendência a controlar as coisas. Uma vontade de criar e reger um mundo próprio.
O “Sinuca” foi agraciado com uma bolsa Funarte de Criação Literária que, em troca de incentivo financeiro, cobra dos escritores o cumprimento de algumas metas burocráticas, como prazos e fidelidade ao projeto apresentado inicialmente. Como foi pra você trabalhar com isso?
Foi muito tranquilo e, na verdade, não era tanta coisa assim: relatórios trimestrais e um prazo final para a entrega do livro. E, no fim das contas, acho que eu gosto de trabalhar com metas.
De qualquer modo, não entendo como um escritor (há casos) que recebe incentivo pode reclamar de qualquer cobrança burocrática, ou relativa a prazos; estamos falando de dinheiro público, e o mínimo que o escritor pode fazer é trabalhar com seriedade e prestar contas sobre o que está fazendo.
Quais são seus escritores favoritos?
Ih, são muitos, e estou sempre descobrindo novos. Alguns de longo tempo são Cortázar, Faulkner, Nabokov; o Céline, li recentemente e achei incrível, os queridinhos do mundo anglo-saxão, tipo Ian McEwan, Jonathan Safran Foer, o mais pop Michael Cunningham (embora o último romance dele seja bem ruim)…
Quem é a primeira pessoa que lê seus livros?
O Diego Grando, poeta, namorado e doutorando em literatura.
E valeu a pena, no fim? Você acha que o fato de ter recebido a bolsa teve algum reflexo significativo no resultado final da obra? Ou a diferença maior é em relação à edição e distribuição?
É, a diferença vai para além da obra, quero dizer, quando apresentei para a editora, já havia aquele “selo”, um tipo de aceitação prévia, uma marca de que algumas pessoas já tinham lido e gostado o suficiente para decidirem que valia a pena financiar aquele projeto. Agora, se isso influenciou o aceite da editora, é difícil dizer. Talvez não tanto quanto, por exemplo, eles terem lido e gostado do meu livro anterior.
Você concluiu um mestrado em Escrita Criativa. Como o estudo acadêmico influiu sobre a sua obra, mais especificamente o “Sinuca”, que foi finalizado mais ou menos na mesma época?
Acho que lidar com teoria me deixou mais consciente do processo criativo, e me fez errar menos. De qualquer maneira, não sou do tipo que escreve 10 páginas para aproveitar uma; sou, ao contrário, do tipo que pensa e esquematiza bastante antes de escrever, e portanto aproveito quase tudo o que coloco no papel (digo, na tela). No caso do Sinuca, o romance inteiro foi pensado para deixar Antônia em uma situação fronteiriça, de ausência ao mesmo tempo que de presença constante (pela voz dos outros). Estar consciente, desde o início, desse efeito que eu queria criar, criou o “molde” para todo o romance.
O “Pó de Parede”, que veio antes, tem o conto/novela “A Caixa”. Uma das temáticas centrais de sua narrativa é a passagem da adolescência para a idade adulta. E o “Sinuca”, de certa forma, mostra esse mesmo processo, mas já em um estágio mais avançado. Há alguma relação temática intencional entre as duas obras?
Não há uma relação intencional, mas certamente tem a ver com a minha experiência e a minha idade. Não dá para dizer o que vai acontecer no futuro. Talvez os personagens tendam a envelhecer comigo. Ou então vai ser aquela coisa meio Gus Van Sant de ficar eternamente discutindo a adolescência, o que não deixa de ser interessante também.
“Falta Céu”, conto/novela do livro “Pó de Parede”, passa uma certa sensação de desgosto em relação à publicidade. Alguma relação com o fato de você ter formação nessa área?
Sim, sem dúvida. Havia coisas que eu queria dizer sobre consumo, e, em Falta Céu, coisas que eu queria dizer especificamente sobre o consumo de empreendimentos imobiliários, que é algo que me fascina. Comprar um casa, um apartamento, bem, talvez seja uma das compras mais importantes de sua vida, talvez A compra mais importante de sua vida. Ao mesmo tempo, as pessoas se deixam seduzir por uma lógica de mercado, que diz por exemplo que agora o legal é comprar um apartamento em um edifício pastiche de neoclássico (espero que essa moda já esteja passando), ou que o piso da sua sala precisa ser de porcelanato. E, em muitos casos, as pessoas nem se perguntam o porquê disso tudo. Apenas aceitam o que está sendo oferecido a elas.
Os seus textos apresentam um tratamento narrativo muito cuidadoso nas descrições de elementos arquitetônicos. Tanto no “Sinuca” como no “Pó de Parede”, as construções parecem às vezes ganhar o status de personagens. Por que essa opção estética? Ela é inconsciente ou premeditada?
No Pó de Parede a relação com a arquitetura é mais clara, afinal, isso acaba sendo o fio condutor mais evidente das três histórias. Mas, sim, no Sinuca Embaixo d’Água também há uma preocupação muito grande com as construções (sobretudo com o bar do Polaco). Acredito que isso faz parte da minha estética, a preocupação com o ambiente, o que é, aliás, uma das coisas que as pessoas mais comentam a respeito do meu jeito de escrever.
Na sua opinião, qual a importância da pesquisa para um escritor? Noto que pesquisas bastante…
A pesquisa é essencial. Sou da opinião de que não é possível produzir um bom texto sem pesquisa, quero dizer, partindo do pressuposto de que o autor quer colocar no seu livro coisas que fazem parte de um universo que ele ainda não domina. No meu caso, pesquisei sobre arquitetura modernista para o Pó de Parede, sobre sinuca, serrarias, carros para o Sinuca embaixo d’água, e isso só para ficar em alguns exemplos. Uma das piores sensações em ler um livro é não acreditar no que ele está nos dizendo. E isso muitas vezes pode ser evitado com pesquisa.
No texto “A Essência dos Excessos”, que você publicou recentemente na revista virtual Cadernos de Não-Ficção, você fala sobre uma necessidade de assumir os processos lógicos por trás de uma construção literária. Ao mesmo tempo, os seus textos exploram com profundidade os sentimentos humanos, freqüentemente de forma dolorosa. O quanto sua escrita tem de lógica, e como você faz pra conciliar esses aspectos técnicos com o envolvimento emocional?
O segredo, como em tudo na vida, é trabalhar em um ponto de equilíbrio. De qualquer maneira, eu não preciso estar, por exemplo, chorando copiosamente ao escrever uma cena cuja intenção é deixar o leitor emocionado. Aliás, isso só atrapalharia, ou até impossibilitaria, a criação dessa cena. Ao mesmo tempo, é claro que uma cena dessas tem na sua origem um punhado de reflexões, um punhado de dores, ou seja lá o que for. Só que, na hora de transformar sentimentos e sensações em literatura, é preciso uma certa dose de frieza.
Morando em Paris, que impressões você tem sobre a cena literária francesa? Quais as diferenças em relação à brasileira? Quais os pontos fracos e fortes de cada uma?
Olha, na verdade sou incapaz de comparar, porque não estou dentro da cena literária francesa como estou na brasileira.
Os seus dois livros, ainda que de forma não-declarada, têm enredos que se passam predominantemente em Porto Alegre. Qual a sua relação afetiva com Porto Alegre, pra além do fato de ser sua terra natal? Você ama, odeia, ou os dois ao mesmo tempo?
Gosto bastante de Porto Alegre. Acho que eu não poderia passar o resto da minha vida morando em Paris (a ideia é ficar mais um ano). Não dá pra escapar de um certo determinismo, na minha opinião. Quero dizer: nasci em Porto Alegre, esse lugar me é familiar, é onde está a família, os amigos, e também as lembranças. Ainda assim, não quero que isso me impeça de viver outras coisas. Mas tenho a impressão que Porto Alegre será um “eterno retorno”.
Quais são seus próximos projetos literários?
Já comecei a fazer anotações sobre meu terceiro livro, um romance, que provavelmente vai se passar parte em Paris e parte em algum lugar do Brasil.
Veja mais: Site Oficial de Carol Bensimon – Blog Paris 75004, sobre a vida na capital francesa – Primeiro capítulo do Pó de Parede > Boca de Palhaço (conto)