Adriana Deffenti é tão intensa quanto sua música. Gesticula, sorri, canta lindamente e dá entrevista ao mesmo tempo. Ela é uma artista completa: ama cantar, dançar, atuar e tem diversas experiências nestas áreas. Isso também se reflete em seus dois discos, “Peças de Pessoas”, de 1999, e “Adriana Deffenti” (2006), ambos vencedores do Prêmio Açorianos de Música (o mais importante do Rio Grande do Sul). Antes de lançar os discos, ela já havia sido indicada como Revelação no mesmo prêmio. Como escreveu o jornalista Juarez Fonseca, “La Deffenti” é uma artista que desde o início da carreira se apresentou sem rótulos. O resultado? Toda a sua formação (erudita e popular) numa mistura deliciosa de pop, rock, blues, Música Popular Brasileira, ópera, folclore latinoamericano, jazz, samba-choro e flamenco.
Nascida em Porto Alegre, aos nove anos ingressou no Projeto Prelúdio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde iniciou os estudos de música optando pela flauta transversal e cantando no Coro Infanto-juvenil. Posteriormente, participou da Escola de Música da OSPA (Orquestra Sinfônica de Porto Alegre) e do próprio Coral da UFRGS. Antes de se lançar como cantora em 1998, teve diversas experiências em dança, teatro e música, do clássico ao contemporâneo.
Como solista, seu foco está na voz e suas intermináveis maneiras de expressão, transitando naturalmente por diferentes estilos em interpretacões dramáticas de técnica elaborada. Além dos dois discos, Adriana participou de projetos voltados ao jazz (a cantora se apresentou duas vezes ao lado do pianista e arranjador Michel Dorfmann, dentro do Projeto Blue Jazz BrasilTelecom), ao flamenco e clássicos espanhóis (apresentou solo em duas oportunidades o show Las Canciones de Almodóvar, dentro do Projeto Encuentros con la Música), à música erudita (ela é mezzo-soprano na ópera cômica “As Sete Caras da Verdade”, de Nico Nicolaiewsky), além de cantar com o músico Nei Lisboa, acompanhada da Orquestra da UFRGS, e cantar nos Concertos Dana – Clássicos do Rock, entre muitas outras coisas. Adriana é uma leonina ligada em 220 volts, que lamenta ter muito tempo livre e muitos projetos e sonhos para realizar ainda. Aqui, ela conta um pouco da sua história.
Como e quando a música entrou na sua vida?
Meus pais ouviam bastante música em casa, foi uma época em que se ouvia bastante música lá em casa, especialmente Música Popular Brasileira, música latinoamericana, coisas que eles gostavam quando eram jovens. Meu pai teve uma fase de Little Richard, mas o que predominava eram os boleros, Gilberto Gil, Elis Regina, Mercedes Sosa…
Ninguém é músico na minha família direta mas, dos dois lados da família, muitos tocavam instrumentos. Meu bisavô era do tipo que colocava todos os filhos na escola para aprender a tocar algum instrumento. A educação musical era outra naquela época, começava muito mais cedo, era mais fácil para eles entenderem o que é música. Minha mãe, Eliane, sempre cantou bastante em casa e tem uma voz linda, é afinadíssima.
E você começou a estudar flauta com nove anos no Projeto Prelúdio da UFRGS por incentivo dos seus pais?
Eu estudava no Aplicação, e tinha uma professora de música maravilhosa, a Marta. Um dia, na saída do colégio, ela pegou minha mãe pelo braço e aconselhou ela a me colocar numa escola de música, disse que não estava dando conta. Minha mãe não pensou duas vezes e me colocou no Projeto Prelúdio para estudar flauta doce. Mas minha primeira experiência no palco foi com dança, não com música. Mas eu não me via como flautista… Estudei dos nove aos 18 anos.
Você fez faculdade de Comunicação. Como foi o período da graduação? Você acha que isso contribuiu para a sua carreira de alguma forma?
Eu fui escolhendo os cursos por eliminação dos pesos das provas – os cursos em que eu precisasse de menos média para passar em matemática, física, química eu ia selecionando. Sobraram as Ciências Humanas e a Comunicação, e eu sempre gostei muito de escrever, de me expressar. Eu escrevo muito até hoje, e eu nunca teria estudado coisas como teoria da comunicação se não tivesse passado pela graduação.
E quando descobriu que queria viver de música?
Eu não me via como flautista, mesmo depois de todos os anos de estudo. Eu já estava cansada de estudar e tocar flauta, e, com 20 anos, viajei de mochila para a Austrália, onde meu irmão mais velho estava morando. Mesmo morrendo de medo de viajar sozinha, fui e passei dois meses lá. Foi quando conheci o Waldo Garrido, um baixista e produtor chileno que estava precisando de vozes para gravar uma demo e, como sempre tive facilidade com espanhol, com a fonética de outras línguas, ele me convidou para participar da gravação. Foi quando me deu aquele estalo: ele me disse: “Como assim, você não é cantora profissional?”. Se aquele cara, lá longe, estava me dizendo isso…
Isso foi parte de um processo em que eu percebi que, se eu não trabalhasse como artista, ia ser infeliz. A música sempre foi meu foco de trabalho. Durante a graduação, eu fiz estágios, mas detestava aquilo, embora adorasse comunicação. A faculdade contribuiu muito para meu desenvolvimento como artista… Como disse, eu sempre gostei de escrever, e saí da faculdade escrevendo muito melhor. Noventa por cento do que tem sobre mim na internet foi escrito por mim, cuidei do MySpace… A formação também me ajudou na hora de escrever projetos pro Fumproarte (financiamento da Prefeitura de Porto Alegre), meus dois discos foram gravados por causa dele. Voltei para o Brasil e terminei a faculdade, faltava muito pouco.
E, em 1999, você decidiu ter uma carreira solo…
Foi quando começaram a acontecer várias coisas. Com o passar dos anos, aperfeiçoei minha técnica vocal e virei integrante do grupo Fróide Explica, para depois me lançar como cantora solo. Em 1999, também participei do show coletivo “Sai, Catiça!”, que reuniu músicos da nova geração porto-alegrense, como Juli Manzi, idealizador do projeto. Então, montei uma banda e reuni repertório para gravar meu primeiro disco, “Peças de Pessoas”. Nesse disco, cantei músicas de Vitor Ramil, Jimmy Page, Nico Nicolaiewsky, Luiz Tatit, Herbert Vianna… Nascia a intérprete.
E o segundo disco, “Adriana Deffenti”, como você vê ele?
Esse é o disco em que tive coragem de colocar a minha cara na capa, né? Aquele disco cujo repertório eu poderia cantar até hoje, inteiro, sem mexer em nada. É um disco fundamentalmente enraizado em cordas e percussão, com várias músicas cantadas em espanhol, o que acabou rendendo o lançamento do disco na Argentina pela Random Records e vários shows por lá…
O que você anda escutando ultimamente?
Eu estou fazendo um show com a Império da Lã especial Novelas, com trilhas sonoras clássicas. Comecei a pesquisar na Wikipédia e encontrei coisas maravilhosas, tipo o disco de “O Outro”, perfeito para pessoas que eram DJs nas festinhas como eu: um lado do LP só de lentas (risos). Então, estou o dia todo com uma música do Toto na cabeça, “I’ll Be Over You” (risos)! Ando ouvindo música pop dos anos 80, adoro A-ha, Cindy Lauper, Erasure… Eu me impressiono escutando isso agora, os arranjos eram tão bons, tirando aquelas baterias, o começo da eletrônica, mas as letras eram lindas… Eu tenho isso com letra: se eu não gosto da letra de uma música, não canto ela! Independente do gosto, acho que a música pop está cada vez mais pobre e isso me assusta até, dá um medo porque a gente cresceu ouvindo essas coisas tão ricas sem se dar conta de como eram boas!
Atualmente, qual é o seu sonho como cantora?
Poder viver trabalhando só como cantora, intérprete e ganhar o justo por isso, pelo trabalho que sei fazer. Eu sonho com desafios, com coisas que me desafiem, como o trabalho que fiz agora, a ópera “As Sete Caras da Verdade”, do Nico Nicolaiewsky, que me permitiu cantar, dançar, atuar, coisas que eu amo fazer! E eu tenho um sonho grande… Ter um grupo como o Théâtre du Soleil, só que com música. Um grupo que reunisse muita gente talentosa que trabalhasse em esquema de cooperativa, trabalhando cada vez mais juntos. Eu estou muito interessada em projetos coletivos, em criar algo junto com outras pessoas!
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