O diretor Spike Jonze é, como o francês Michel Gondry, conhecido pela inovação que trouxe ao universo dos clipes de música que dirigiu, tornando-se referência neste meio. Os dois resolveram aventurar-se no cinema, com iniciativas muito elogiadas pela crítica, porém de difícil assimilação do público. Gondry estreou no cinema com “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”, uma narrativa não-linear e imaginativa que deixou muita gente sair do cinema sem entender absolutamente… nada. Spike Jonze seguiu a mesma linha: seu longa de estreia, “Quero ser John Malkovich”, escrito por Charlie Kaufman e filmado em 1999, conta a historia de um arquivista que encontra um portal que o transporta diretamente à mente do ator John Malkovich. Seu segundo filme, “Adaptação”, também escrito por Kaufman, foi lançado em 2002 e mistura realidade e ficção, narrando a dificuldade de um roteirista (Kaufman) em adaptar um conto para o cinema.
“Onde Vivem os Monstros”, o filme mais recente de Spike Jonze, foi lançado em outubro de 2009 mas só agora chega aos cinemas brasileiros. Impulsionado por um trailer absolutamente bem montado, o filme parecia fadado ao sucesso de público, porque também é uma adaptação do livro homônimo, que conta a singela história de Max, um garoto que fica de castigo em seu quarto, onde imagina um reino desconhecido, repleto de monstros, onde é o rei.
Porém, vindo do diretor americano, nada é tão simples assim. Muitos torceram o nariz para o filme, por não saberem onde encaixá-lo: seria um filme infantil para adultos? Ou apenas um filme infantil, com roteiro linear e cândido?
A verdade é que, no mundo de Spike Jonze, nada é gratuito. O livro, escrito e ilustrado por Maurice Sendak, é um dos clássicos da literatura infanto-juvenil nos Estados Unidos e ficou conhecido por milhares de adultos e crianças desde a publicação nos anos 1960. Leitor do livro desde a infância e admirador da obra do escritor, Jonze ficou um pouco intimidado ao receber a proposta do próprio Sendak para dirigir o filme. Mas, inventivo, viu a possibilidade de realizar um sonho de infância e, ainda, acrescentar seu toque autoral ao roteiro.
Na adaptação para as telas, os monstros das ilustrações foram ganhando corpos, personalidades e nomes próprios – além de expressões produzidas por computação gráfica. O ator mirim Max Records dá vida ao protagonista (por coincidência com o mesmo nome). A mãe é interpretada pela atriz Catherine Keener, amiga de Jonze e parceira em alguns de seus filmes como “Quero ser John Malkovich” e “Adaptação”.
O filme torna-se mais interessante quando começa-se a perceber as engrenagens da mente do diretor que, ao reescrever o roteiro, tornou aspectos marcantes da personalidade de cada um dos monstros do novo reino de Max um reflexo de sua própria persona. O roteiro, então, torna-se mais interessante para adultos, que começam a perceber a confusão de crescer bem delineada no personagem principal do reino dos monstros, Carol, que representa impetuosidade do garoto.
“Onde vivem os Monstros” não é, definitivamente, um filme puramente infantil, embora talvez a intenção da Warner fosse vendê-lo como tal (Jonze passou mais de dois anos mexendo no roteiro e adaptando-o aos pedidos da empresa), mas o que fica do filme, pelo menos para os adultos, é a marca registrada de Jonze. Impossível não sair do cinema bastante reflexivo, pensando sobre o difícil processo de crescer, deixar o fantástico mundo da infância, onde tudo pode acontecer, aprender a relacionar-se com os próprios pais e, ao mesmo tempo, lidar com os ímpetos de agressividade e carência que todas as crianças têm. Dentro de nós, realmente, há um pouco de cada um dos monstros. O segredo é como lidar com eles.
Veja mais: Site Oficial do filme