“Você está lendo um livro de obituários? Que coisa mais mórbida!”, disse-me uma colega de ônibus, vendo-me atenta à leitura de “O Livro das Vidas – Obituários do New York Times”.
Pois o que pareceria mórbido foi um dos livros mais cheios de vida que já li. Ao contrário da imprensa brasileira, onde escrever na seção de obituários muitas vezes é considerado o pior castigo para jornalistas. Matinas Suzuki Jr., coordenador da coleção Jornalismo Literário da Companhia das Letras, disse que o problema está na cultura brasileira, que não lida bem com a morte. No Times, a morte representa, sim, a dor da perda, mas isso não impede de celebrar os fatos relacionados à vida do obituariado. Foi então que essa seção ganhou status de jornalismo literário, tamanha a qualidade dos textos publicados. Não é à toa que uma frase famosa do ex-editor de cidades do New York Times, A. M. Rosenthal, diz “se você tiver que morrer, é melhor morrer no Times”.
O livro reúne 57 textos publicados na seção de obituários do New York Times, com ênfase nas histórias de pessoas comuns, cujas vidas ganham outra dimensão ao serem descritas com o olhar curioso e afetuoso dos repórteres do diário americano.
Difícil não se emocionar com os perfis de pessoas como “o Calvin Klein do espaço”, Russel Colley, estilista frustrado de roupas femininas que se tornaria o inventor dos trajes espaciais. Como ficar impassível diante do obituário de Helen Bunce que, durante 47 anos, tricotou mais de 40 mil pares de luvas para doar a campanha do agasalho da sua igreja? Impossível também não sorrir ao ler o obituário de Angelo Zuccotti, o sujeito que cuidava da porta de El Marocco, famosa boate nova-iorquina, e que considerava sua atividade uma arte. Tudo isso descrito sempre com maestria, delicadeza, humor e até ironia. São pequenas biografias, cheias de cor e vida, de detalhes deliciosos e apuração jornalística impecável. As pesquisas do Times afirmam que os obituários estão entre as seções favoritas dos leitores.
Esta seção o jornal começou a ganhar importância há 40 anos, a partir dos obituários escritos pelo Alden Whitman, chamado de “Senhor Má Notícia”. Ele inaugurou uma prática que até hoje acontece no jornal: entrevistar os possíveis obituariados antes da sua morte. Aí nascia a precisão de informações e a riqueza de detalhes dos obituários do jornal. No posfácio que acompanha o volume, Matinas Suzuki Jr. disse que “a seção de obituários do Times é uma cerimônia de adeus diária de bom jornalismo e uma das campeãs de leitura do jornal mais influente do mundo”. Fato. E é fato também que é impossível não se emocionar lendo esta coletânea de verdadeiras pérolas.
Veja mais: Site do New York Times – Obituário de Douglas Corrigan, publicado em 1995