Não é novidade para ninguém: hoje, quem gosta bastante de cinema vai atrás dos filmes dirigidos por seus cineastas favoritos. Os cinéfilos buscam, acima de tudo, o cinema autoral, as obras de arte, e sabem que os diretores são tão importantes como os atores. Nem sempre foi assim. É essa a premissa básica do livro “Easy Riders Raging Bulls – Como a geração sexo, drogas e rock and roll mudou o cinema”, escrito pelo crítico Peter Biskind e traduzido para o português pela jornalista Ana Maria Bahiana, uma das mais conhecidas críticas de cinema do país. O livro trata do período entre os anos 60 e 70 em que, influenciados pelo cinema europeu de Truffaut, Fellini e Antonioni, alguns diretores americanos começaram a despontar nas grandes distribuidoras e fazer um tipo de cinema diferente.
Antes de John Cassavetes, Francis Ford Coppola, George Lucas, Martin Scorsese, Steven Spielberg, Stanley Kubrick, dentre outros, os filmes eram conhecidos por seus atores e produtores, nunca pelos seus diretores. Antes, o que reinava no cinema americano eram os estúdios, que tinham controle absoluto sobre as suas produções e faziam com que elas arrecadassem o máximo de renda possível. Os atores destas produções, inclusive, tinham uma participação ínfima nos lucros de bilheteria – Marilyn Monroe, por exemplo, foi uma das primeiras atrizes da antiga escola de Hollywood a reclamar publicamente disso.
Com a chegada do cinema autoral, inaugurado por “Bonnie & Clyde: Renegados até a última rajada”, dirigido por Warren Beatty, as coisas seriam diferentes. Pela primeira vez, o sangue era mostrado ao público de cinema em cenas mais realistas – basta relembrar da sequência final do longa metragem para se dar conta disso.O público já estava cansado das fórmulas prontas dos estúdios e fatos históricos como o festival de Woodstock e a Guerra do Vietnã pediam dos filmes uma visão mais realista do mundo.
Como todo livro de bastidores, ele é repleto de fofocas e revelações sobre os atores e diretores daquela época. Porém, o mais interessante são os detalhes das produções, que encantam qualquer pessoa que se interesse por cinema. Robert Altman, por exemplo, foi o primeiro diretor americano a ousar mexer no negativo do rolo de filme para obter uma tonalidade diferenciada no produto final. O resultado foi a inovação estética trazida por “Quando os homens são Homens”, lançado em 1971. “M.A.S.H”, o filme anterior do diretor, lançado em 19270, mostrou que, no cinema autoral, quase tudo era permitido: inclusive demitir o técnico de som para que o filme soasse mais realista.
Esses jovens cineastas conseguiram dar ao público o que eles nem sabiam que queriam assistir, conseguindo atingir bilheterias recordistas e transformando o modo de se fazer cinema, assim como as cifras investidas nas diversas etapas. Interessante notar que “O Poderoso Chefão”, um filme que revolucionou a fotografia no cinema, também foi o primeiro a ser lançado num esquema hoje normal. O filme estreou em 232 cinemas americanos simultaneamente, inaugurando a divulgação dos filmes como a conhecemos hoje. Os executivos da distribuidora, inicialmente, não botavam fé no filme: era escuro demais, longo demais. Coppola mostrou que estavam errados e inauguraria um sistema que perdura até hoje. Antes, as grandes corporações do cinema demoravam anos para ganhar lucro sobre seus lançamentos. Com “O Poderoso Chefão”, provou-se que um filme podia não apenas pagar-se logo, podia também gerar lucros e fluxo de caixa para sua distribuidora.
Segundo o jornalista Peter Biskind, deste cenário teria nascido a última “era de ouro” do cinema americano. O livro é extremamente detalhista. Biskind se baseou em dezenas de entrevistas feitas por ele mesmo com os envolvidos e coloca o leitor em contato direto com os bastidores de uma Hollywood distante do glamour costumeiro. “Ego” é uma palavra que aparece muito no livro. Francis Ford Coppola se achava um “artista”, mas é chamado pelo diretor de fotografia Haskell Wexler de “ladrão”: o diretor é famoso por gastar muito o dinheiro dos outros, tendo como filosofia deixar os estúdios tão endividados que eles não poderiam mais cancelar o filme em que ele estava trabalhando. Já William Friedkin ficou famoso com “Operação França”, vencedor do Oscar, e teve como próximo projeto adaptar o livro “O Exorcista” para as telas. Quando um padre de verdade, que estava atuando no filme, não conseguia transmitir a emoção que ele queria, Friedkin lhe perguntou: “Você confia em mim?”. Quando o padre disse “sim”, Friedkin lhe deu um tapa na cara, conseguindo a interpretação que queria. “O Exorcista” foi um sucesso, mas os membros da equipe – inclusive a protagonista, Linda Blair – juraram nunca mais trabalhar com o diretor.
O fato é que o cinema dos anos 70 acabou sendo destruído por seus próprios criadores. O ego inflado e o acesso a grandes quantidades de dinheiro, sexo e drogas acabou com as idéias libertárias daqueles jovens e os transformaram em tiranos piores do que os estúdios contra os quais lutavam. Hoje, infelizmente, a maioria dos filmes americanos almeja apenas a bilheteria, com filmes “evento” baseados em histórias em quadrinhos ou antigas séries de televisão, sem se arriscar muito e lançados em milhares de salas ao mesmo tempo, para arrecadar o máximo possível na menor quantidade de tempo. Mas ainda há espaço para cineastas como Tarantino, os irmãos Coen, Soderbergh, Jason Reitman, entre outros.
Trechos de Easy Riders, Raging Bulls
“William Friedkin gostava de manipular os atores, gostava de truques. Mas ele foi sempre correto comigo, a não ser quando lesionou minha coluna permanentemente.”
– Ellen Burstyn
“Ele (Martin Scorsese) sangrava pela boca, sangrava pelo nariz, sangrava pelos olhos, pela bunda. Estava semimorto. (Isabella) Rossellini precisava viajar para a Itália a trabalho, e quando foi embora depois daquele fim de semana, achava que nunca mais o veria com vida.”
– Mardik Martin (co-roteirista de “Caminhos Perigosos” e “Touro Indomável”), lembrando do pior momento de Scorsese)
“Olha só, Steven, é assim que se faz – não vá para a cama de meias e camiseta, tenha alguma outra coisa além de barras de chocolate na geladeira e leia Dylan Thomas para ela.”
– Margot Kidder, ensinando a Steven Spielberg como se dar bem com as garotas.
“Algumas pessoas são naturalmente generosas, é fácil para elas serem assim. Para outras, não. Eu acho que George simplesmente não tem isso em sua natureza.”
– Francis Ford Coppola, sobre o fato de George Lucas ter lhe negado o empréstimo de um milhão de dólares.
“Francis me ajudou e me deu uma oportunidade, mas, ao mesmo tempo, ganhou um bocado de dinheiro comigo. Francis tem uma tendência de, ao ver uma parada marchando pela rua, correr na frente dela, pegar uma bandeira e se dizer o líder.”
– George Lucas, respondendo à acusação do amigo
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