O Estado de S. Paulo
Ao falar sobre o déficit fiscal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que o governo “não é obrigado a estabelecer uma meta e cumpri-la se tiver coisas mais importantes para fazer”. Ele voltou também a afirmar que precisa “estar convencido” se “há necessidade ou não de cortar (gastos)”. As afirmações feitas em entrevista à TV Record, num momento em que o governo é cobrado pelo mercado e pelo setor produtivo a cortar gastos, reacenderam a preocupação de que a equipe econômica anuncie, na próxima semana, um contingenciamento (congelamento preventivo de despesas) menor do que o necessário para a meta de déficit zero em 2024. A cotação do dólar chegou a R$ 5,46, mas depois recuou com projeções de corte de juros nos EUA. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tentou minimizar as palavras de Lula e voltou a dizer que o governo “possivelmente” anunciará contingenciamento de despesas, sem especificar valores.
Num momento em que os ministérios da Fazenda e do Planejamento são cobrados pelo mercado e pelo setor produtivo a realizar um ajuste fiscal pelo lado das despesas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que não vê problema se o déficit fiscal for zero, de 0,1% ou de 0,2% do PIB. Ele disse ainda ser aceitável não cumprir a meta fiscal se houver “coisas mais importantes para serem feitas”.
“Você não é obrigado a estabelecer uma meta e cumpri-la se você tiver coisas mais importantes para fazer. Este país é muito grande, este país é muito poderoso. O que é pequeno é a cabeça dos dirigentes e a cabeça de alguns especuladores”, afirmou o presidente, em entrevista à TV Record que foi ao ar ontem à noite. Trechos da entrevista foram divulgados durante o dia pelo portal R7, ligado à emissora.
Lula disse que o “importante é que este país esteja crescendo, que a economia esteja crescendo, que o emprego esteja crescendo, que o salário esteja crescendo”. Também afirmou que precisa “estar convencido” se “há necessidade ou não de cortar (gastos)”. Em outro trecho da entrevista, porém, disse que fará o “necessário para cumprir o arcabouço fiscal” – que prevê o déficit zero.
A reação no mercado foi quase imediata. O dólar à vista, que operava em baixa pela manhã, ganhou força, trocou de sinal e chegou a bater em R$ 5,46 às 13h39, quando as primeiras declarações começaram a circular. Voltou a desacelerar ao longo da tarde, para fechar em R$ 5,42, com queda de 0,28%, na esteira da projeção de corte dos juros nos EUA.
A fala de Lula reacendeu a preocupação no mercado de que a equipe econômica anuncie, na próxima semana, um contingenciamento (congelamento preventivo de despesas) menor do que o considerado necessário para cumprir a meta de déficit zero para 2024.
Na segunda-feira, está prevista a divulgação do terceiro relatório bimestral de receitas e despesas, e a expectativa dos analistas é de anúncio de um bloqueio de recursos mais expressivo, a fim de demonstrar compromisso com a meta e com o limite de gastos estabelecido pelo arcabouço – que prevê alta real (acima da inflação) de até 2,5% ao ano.
Questionado, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, minimizou o efeito das declarações de Lula e disse que sua divulgação, antes de a entrevista ir ao ar, se deu de forma “descontextualizada”. Haddad disse ainda que “possivelmente” haverá bloqueio e contingenciamento no anúncio de segunda-feira.
Interlocutores ouvidos pelo Estadão/Broadcast apontam que as cifras iniciais de contingenciamento em debate dentro do governo estavam na faixa de R$ 10 bilhões. Economistas projetam, porém, que seria necessário um montante bem mais expressivo: ao redor de R$ 40 bilhões.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou ontem que “possivelmente” haverá bloqueio e contingenciamento (congelamento preventivo de gastos) no anúncio do novo relatório bimestral de receitas e despesas – previsto para a próxima segunda-feira. Ele acrescentou que o número, no entanto, não foi ainda levado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo Haddad, a Junta de Execução Orçamentária (JEO) deve se reunir nesta semana para tratar do tema e divulgar o quadro fiscal ao chefe do Executivo na semana que vem. O anúncio da próxima segunda-feira é encarado no mercado como um teste sobre o comprometimento efetivo do governo com a meta fiscal deste ano.
Haddad também minimizou as declarações de Lula sobre não haver problema em registrar um déficit de 0,1% ou de 0,2% do PIB nas contas públicas do País. Lula disse também que ainda precisa “ser convencido” sobre a necessidade de cortar gastos. Haddad afirmou que a divulgação das falas do presidente – feitas em entrevista à TV Record, mas que teve trechos divulgados ao longo da tarde pelo portal da emissora – se deu de forma “descontextualizada”, e reiterou o compromisso do chefe do Executivo com o cumprimento do arcabouço fiscal. “O problema é que, quando você solta uma frase descontextualizada, você gera desnecessariamente uma especulação em torno do assunto. Eu colhi algumas frases, não tinha visto a entrevista ainda, liguei para a Secom (Secretaria de Comunicação) e pedi a íntegra da resposta”, disse Haddad.
Haddad reforçou que o presidente reiterou seu compromisso com o arcabouço fiscal. “A lei é deste governo. Ele (Lula) falou: ‘Vou fazer o possível para cumprir o arcabouço fiscal porque não cheguei agora à Presidência, já tenho dois governos entregues e aprendi a administrar as contas da minha casa e do País com a mesma seriedade e tranquilidade’”, afirmou. (O Estado de S. Paulo/Caio Spechoto e Sofia Aguiar)