Mesmo com pressão de última hora das empresas, Câmara manteve Imposto Seletivo para produtos como carros, minerais e bebidas

O Globo Online

 

Faltando poucas horas para a votação da regulamentação da Reforma Tributária ontem na Câmara dos Deputados, associações de diversos setores econômicos passaram o dia dedicadas a intensificar as conversas com parlamentares, na tentativa de evitar uma maior carga tributária.

 

Entre as principais mobilizações estavam as de segmentos ameaçados de entrar no Imposto Seletivo, o chamado “imposto do pecado”, que vai estabelecer uma taxação a mais para produtos e serviços que tenham algum impacto negativo social, ambiental ou prejudicial à saúde (à exceção daqueles produzidos na Zona Franca de Manaus). Mas para a maioria deles não funcionou.

 

A regulamentação da Reforma Tributária, aprovada ontem na Câmara dos Deputados, manteve o Imposto Seletivo (IS) para uma série de setores, de montadoras de automóveis à mineração de carvão. Isso significa que seus produtos poderão pagar mais imposto que a alíquota padrão, de 26,5%.

 

Armas fora do ‘pecado’

 

A regulamentação deixou de fora, no entanto, armas e munições do “imposto do pecado”. Com 316 votos contra, o destaque do PSOL que pedia a inclusão do setor na taxação adicional foi derrubado. A inclusão das armas e munições constava numa emenda da líder do PSOL, Érika Hilton.

 

O relator da Reforma Tributária, Reginaldo Lopes (PT-MG), acrescentou em novo relatório de regulamentação o carvão mineral como item a ser tributado pelo Imposto Seletivo. Antes, apenas “bens minerais” eram citados como tributáveis, o que gerou dúvidas dos setores.

 

A alíquota do Imposto Seletivo incidente sobre minérios de ferro e seus concentrados será fixada em até 0,25%. O setor de petróleo e gás também foi incluído na tributação maior com a mesma alíquota, abaixo do 1% previsto anteriormente.

 

Sobretaxa para todos os carros

 

O texto estabelece que veículos, inclusive elétricos, fiquem dentro do Imposto Seletivo. Nesse caso, as alíquotas serão reduzidas ou aumentadas de acordo com a potência, a eficiência energética, o desempenho estrutural e tecnologias assistivas à direção, a reciclabilidade de materiais, a pegada de carbono e a densidade tecnológica, devendo ser reduzidas a zero quando atenderem a critérios de sustentabilidade ambiental ou se forem destinados a taxistas e pessoas com deficiência.

 

Também ficaram dentro do imposto embarcações e aeronaves; produtos de fumo; bebidas alcoólicas; bebidas açucaradas; bens minerais; concursos de prognósticos (qualquer tipo de jogos de azar, inclusive bets) e fantasy sport (esportes eletrônicos).

 

Alíquotas do Imposto Seletivo ainda serão definidas

 

As alíquotas só serão definidas no futuro. A taxação é uma forma de compensar concessões feitas no texto da reforma, como inclusão de mais itens na cesta básica, dos setores de saúde e educação e profissionais liberais, por exemplo.

 

O GLOBO ouviu dirigentes de algumas associações mobilizadas sobre os principais argumentos apresentados na interlocução com o Legislativo antes da votação.

 

No setor de energia, o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) criticou a inclusão de petróleo e gás na lista de produtos sobretaxados. Segundo Roberto Ardenghy, presidente da instituição, a inclusão do petróleo no Imposto Seletivo pode gerar inflação, já que fontes de energia como os combustíveis de origem fóssil formam um custo que faz parte de toda a cadeia produtiva. Ele também mencionou a possível perda de competitividade na exportação:

 

“O setor é importante para a balança comercial. Ao ser taxado com o Imposto Seletivo, a arrecadação dos estados produtores será afetada com a menor Participação Especial (PE) nos campos produtivos de petróleo, já que o cálculo é feito após a dedução dos custos. Só no Rio, a perda será de R$ 700 milhões por ano”, calcula Ardenghy.

 

Para ele, o melhor seria é ter alíquota zero:

 

“Ainda temos esperança de aprovar uma emenda para retirar óleo e gás do imposto do pecado. E vamos recorrer à judicialização, que é algo inevitável, pois o objetivo do imposto seletivo é desestimular o consumo de alguns itens e não o que está sendo feito”.

 

O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) também acredita que a incidência do Imposto Seletivo sobre a indústria extrativista afetará diretamente a indústria nacional frente aos concorrentes externos, impactando a competitividade e a balança comercial do país.

 

Para a associação, haverá impacto nas exportações. Lembrou ainda, em nota, que a atividade mineral já paga taxas para compensar o impacto ambiental.

 

“O setor da mineração já tem uma carga excessiva de tributos e encargos, que, em 2023, somaram R$ 85,6 bilhões”, afirmou um comunicado do Ibram.

 

Conflito na origem

 

A entidade avalia que o “imposto do pecado” tem conflito na origem, uma vez que sua aplicação é voltada a reduzir o consumo do produto final destinado aos consumidores, mas, no caso do setor mineral, a cobrança é gerada na matéria-prima de diversas cadeias produtivas.

 

Na indústria automobilística, o presidente da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE), Ricardo Basto, considera um “equívoco” a inclusão da categoria no “imposto do pecado”. Segundo ele, os carros elétricos e híbridos beneficiam o meio ambiente e a saúde da população. Ele diz que “a eletrificação não faz mal nem à saúde e nem ao meio ambiente”:

 

“A decisão não permitirá o crescimento da demanda por veículos em geral e por veículos elétricos em particular, inibindo a escala necessária inclusive para a produção local. O IBS já vai impor uma penalidade em torno de 26%. Uma carga ainda mais alta não permitirá o crescimento da demanda por veículos em geral e por veículos elétricos em particular, inibindo a escala necessária inclusive para a produção local”.

 

No caso dos veículos a gasolina e etanol, houve a inclusão na última hora da previsão do Imposto Seletivo incidir sobre a venda de automóveis, vans, caminhonetes, picapes, veículos urbanos de carga (VUC) e caminhões de até cinco toneladas.

 

Impacto nas vendas

 

Para a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), o setor automotivo deveria ser excluído, pois há risco de impactos diretos nos preços ao consumidor e nos empregos. A alíquota padrão do IVA por enquanto é estimada em 26,5%, sem contar o Imposto Seletivo.

 

“Precisamos garantir a conclusão do maior ciclo de investimentos dos fabricantes de veículos nacionais, que já soma mais de R$ 130 bilhões, tornando o setor automotivo cada vez mais competitivo”, argumenta Márcio de Lima Leite, presidente da Anfavea.

 

O dirigente afirmou que a Anfavea vai insistir no diálogo com o Congresso e o Poder Executivo para obter a menor alíquota possível. Ele diz que um aumento de 1 ponto percentual afeta as vendas do mercado em 3%, nos cálculos da entidade.

 

“Todo o esforço em curso vai sobrecarregar o consumidor e prejudicar a renovação da frota. Um carro usado emite 23 vezes mais CO2 do que um modelo zero. A métrica deve ser baseada no nível de emissão, não na tecnologia. Nosso objetivo é evitar a inclusão no imposto seletivo, algo que não seria benéfico para o Brasil”.

 

A Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas (Abir) também defende a exclusão das bebidas açucaradas do Imposto Seletivo, proposta que considera “discriminatória e ineficaz”, pois não reduzirá a obesidade e ainda vai gerar aumento de preços. (O Globo Online/Victoria Abel, Geralda Doca e Bruno Rosa)