Texto da reforma tributária é aprovado com limite ao IVA; carne entra na cesta básica

O Estado de S. Paulo

 

O texto da regulamentação da reforma tributária foi aprovado ontem pela Câmara. A proposta estabelece limite de 26,5% para a alíquota do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), amplia a cesta básica com imposto zero e o alcance do mecanismo de devolução de parte dos impostos (“cashback”). O texto votado inicialmente havia deixado carne fora da lista de produtos isentos. Depois, o relator, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), anunciou que mudaria seu relatório para incluir carnes, queijos, peixes e sal na cesta básica. Pivô dos principais embates no Congresso nos últimos dias, a isenção das proteínas animais foi defendida pelo setor de alimentos, pela bancada do agro e pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

 

A Câmara dos Deputados aprovou ontem à noite o primeiro projeto de regulamentação da reforma tributária, com 336 votos favoráveis, 142 contrários e duas abstenções. A proposta estabelece uma trava para a alíquota do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA) – que não deverá ultrapassar 26,5% – e inclui as carnes na cesta básica com imposto zero, após pressão do setor de alimentos, da bancada do agronegócio e da defesa do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O texto segue agora para análise no Senado.

 

O texto votado inicialmente havia deixado a carne fora da lista de produtos isentos. Após a aprovação, o relator da regulamentação da reforma tributária na Câmara, deputado Reginaldo Lopes (PTMG), anunciou em discurso que mudaria outra vez o seu relatório para incluir também carnes, queijos, peixes e sal na cesta básica zerada.

 

“Estamos acolhendo no relatório da reforma todas as proteínas. Carnes, peixes, queijos e, lógico, o sal, porque o sal também é um ingrediente na culinária brasileira”, afirmou Lopes, em plenário.

 

Pivô dos principais embates no Congresso nos últimos dias, a demanda pela isenção das proteínas animais acabou sendo aprovada por meio de um destaque (sugestão de mudança ao texto principal) apresentado pelo PL. Desta vez, foram 477 votos a favor, 3 contra e duas abstenções. Lopes já havia ampliado a cesta básica com imposto zero para incluir óleo de milho, aveia e farinhas.

 

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária sobre bens e serviços foi aprovada pelo Congresso no fim do ano passado, depois de inúmeras tentativas nos últimos 30 dias para tentar desatar o nó tributário que pesa hoje sobre cidadãos e empresas. A fase atual é de regulamentação do que foi aprovado anteriormente. O governo ainda vai apresentar ao Congresso uma proposta para mudar a tributação sobre renda e patrimônio.

 

O projeto votado ontem pelos deputados trouxe o “coração” do novo sistema de impostos sobre consumo, com as regras para o funcionamento do IVA – que unificará cinco tributos existentes hoje. Serão dois IVAs: um de competência do governo federal, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), e um de Estados e municípios, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

 

‘Paternidade’

 

A inclusão das carnes na cesta básica gerou um embate entre governo e oposição pela “paternidade” da proposta. A deputada Jandira Feghali (PCdoBRJ), que discursou pelo governo, destacou que o presidente Lula havia apresentado essa demanda ao Congresso. “É muito fácil a oposição, agora, dizer que foi ela que conquistou (a inclusão desses itens na cesta). Não é verdade; eles votaram contra a reforma tributária o tempo inteiro, e têm nas suas costas a fila do osso sem carne para o povo brasileiro”, afirmou.

 

A parlamentar foi rebatida pelo deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS): “Vitória da oposição. Vitória do PL. Vitória da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária)”, afirmou. “Esse governo cometeu estelionato eleitoral: prometeu picanha e só entregou pé de frango. E agora, aos 45 minutos, vendo que ia perder de lavada, mudou seu voto.”

 

Desde as primeiras horas de ontem, a bancada ruralista tentava incluir as carnes na cesta básica com isenção total. A articulação foi encampada pela FPA, que conta com o apoio de 324 deputados, sendo a maior bancada da Câmara. Na proposta anterior, as carnes estavam na alíquota reduzida, com 60% de desconto na tributação.

 

A movimentação ganhou o reforço do Palácio do Planalto nos últimos dias, com falas do presidente Lula em defesa da isenção das carnes – cobrado pela promessa de campanha de que o brasileiro iria voltar a consumir picanha. Porém, se de um lado Lula afirmou que vai “ficar feliz se puder comprar carne sem imposto”, de outro o presidente da Câmara, Arthur Lira (PPAL), chegou a dizer que isentar as carnes pode deixar o “preço pesado” – em referência ao impacto na alíquota-padrão do IVA.

 

Nos cálculos do Ministério da Fazenda, a alteração representará uma elevação de 0,53 ponto porcentual, o que faria a alíquota média passar de 26,5% para 27%. Já nos cálculos do Banco Mundial, o impacto será de 0,57 ponto.

 

No texto-base, o relator já havia retirado salmão e atum da alíquota “cheia” do IVA, itens que migraram para o grupo com 60% de desconto. Já bacalhau e ovas (caviar), por exemplo, seguem pagando 100% do IVA. Pão de forma e extrato de tomate também foram contemplados com a alíquota reduzida – antes, estavam na alíquota cheia.

 

Trava

 

Como antecipou o Estadão/Broadcast, diante do receio de aumento na alíquotapadrão, os deputados incluíram no texto uma trava para evitar que a alíquota do IVA ultrapasse 26,5%, como projetado inicialmente pela equipe econômica.

 

A trava passaria a valer a partir de 2033, depois do período de transição da reforma tributária, que começa em 2026. Caso a alíquota ultrapasse o limite, o governo seria obrigado a formular, em conjunto com o Comitê Gestor do IBS, um projeto de lei complementar com medidas para reduzir a carga tributária.

 

A emenda constitucional da reforma tributária aprovada em dezembro já contém uma trava para evitar aumento da carga tributária do País (medida pela relação entre a arrecadação de impostos e o Produto Interno Bruto) na comparação com a carga atual. A trava proposta agora na regulamentação, por sua vez, diz respeito à alíquota média do IVA (mais informações na pág. B2).

 

Nos medicamentos, os deputados do grupo de trabalho concederam desconto de 60% da alíquota-padrão para todos aqueles registrados na Anvisa ou produzidos por farmácias de manipulação. Antes, esses medicamentos estavam divididos entre desconto de 60% e alíquota cheia. Outra parte dos remédios conta com isenção total – e isso não foi alterado.

 

O relator do projeto de regulamentação da reforma tributária também contemplou demanda da bancada feminina e incluiu o DIU (Dispositivo Intrauterino, um método anticoncepcional) na lista de dispositivos médicos com redução de 60% do IVA.

 

O texto também autoriza que as empresas se creditem de planos de saúde coletivos previstos em convenção, o que antes era proibido pela proposta inicialmente apresentada pelo Ministério da Fazenda. Os deputados incluíram ainda os planos de saúde de animais domésticos, os pets, com alíquota reduzida em 30%.

 

A proposta ainda amplia o cashback, sistema de devolução de parte da CBS, de 50% para 100%, nas operações de fornecimento de energia elétrica, água, esgoto e gás natural encanado. Para o cálculo da devolução, serão consideradas as compras nos CPFs de todos os membros da unidade familiar, e não apenas do representante. (O Estado de S. Paulo/Bianca Lima, Mariana Carneiro e Alvaro Gribel)