‘Eletrificação veicular global está no estágio de não-retorno’

O Estado de S. Paulo/Mobilidade

 

O norte-americano Brian Collie é uma das vozes mundiais mais conceituadas no tema eletrificação veicular. Líder global das áreas de mercado automotivo e mobilidade do Boston Consulting Group (BCG), Collie é especializado no trabalho com fabricantes e fornecedores em uma ampla gama de tópicos de estratégia, operações e organização, além do potencial de convergência de compartilhamento, tecnologias autônomas e, principalmente, eletrificação.

 

Baseado em Chicago (Estados Unidos), Collie viaja o mundo para conhecer novos projetos relativos à eletrificação. “Europa e Estados Unidos passaram por uma primeira onda. Os desafios vão aparecer agora”, revela. Em visita ao Brasil, o executivo deu a seguinte entrevista ao Mobilidade.

 

No Brasil, os veículos eletrificados vêm registrando aumento de vendas. Como está a situação lá fora?

É preciso olhar por região, porque não há uma progressão homogênea no mundo. A China já passou do ponto de não-retorno, com crescimento rápido, muitos lançamentos, além de investimentos.

 

Lá, 50% das vendas são de elétricos puros ou híbridos plug-in. Há uma adesão em escala dos consumidores e a infraestrutura está sendo colocada em curso. Nos Estados Unidos e na Europa, o quadro é um pouco menos claro. Tudo que é novo tem seus solavancos e, nos últimos 12 meses, houve mais desafios principalmente nos Estados Unidos, com os juros altos brecando um pouco a demanda, além de problemas de qualidade em alguns produtos.

 

O mercado norte-americano de picapes pesadas é muito forte e difícil de eletrificar. A bateria é pesada demais e muitas vezes a utilização do carro acontece no off-road. Então, as vendas estacionaram em 10%.

 

O que deverá acontecer agora em mercados como o dos Estados Unidos?

A visão de longo prazo não mudou, mas o caminho é menos linear. Apesar do momento difícil, esses mercados vão eletrificar por razões simples. Primeiro em função da necessidade de descarbonização e o principal caminho – parece ser claro – é a eletrificação veicular. Segundo porque os custos tendem a ficar favoráveis. O preço da bateria vem caindo, os consumidores estão mais acostumados e os produtos, cada vez melhores.

 

Com tais solavancos, não há o risco desses mercados enfrentarem um refluxo nas vendas?

Passamos do ponto de não-retorno para carros de passageiros. Nos Estados Unidos, uma pesquisa com consumidores apontou que 40% pretendem comprar carro elétrico nos próximos dois, três anos. É uma amostra grande, bem maior que os 10% do volume de vendas. As montadoras enfrentam desafios, como ganhar escala para fazer os números fecharem, porque carro elétrico é menos rentável. Portanto, ele precisa ser viabilizado economicamente a longo prazo. Por fim, os governos devem investir em infraestrutura de recarga. São fatores que vão ditar a velocidade, mas é um caminho sem volta.

 

Quais são os obstáculos que impedem o crescimento maior?

Preço, obviamente, é uma barreira, embora esteja caindo. O outro é a ansiedade da autonomia. Os híbridos entram na equação, pois resolvem esse dilema. Nos próximos anos, as ondas de adoção serão de famílias com dois veículos – um a gasolina e o outro eletrificado. A China já é um grande mercado para híbridos, os Estados Unidos estão começando também. E, para chegar a 50%, 60% de penetração, a infraestrutura de recarga precisará ser construída nas vias e estradas.

 

A exploração do lítio pode ser um problema no futuro para a fabricação das baterias dos carros elétricos?

Onde está a matéria-prima é um tema relevante na eletrificação. Os minerais e seu refino encontram-se concentrados mais na Ásia. No entanto, existe um movimento de reduzir a dependência da cadeia de suprimentos nos Estados Unidos. É um desafio, porque mover uma cadeia de uma região para outra demora e exige investimentos.

 

Como é esse movimento?

O Departamento de Energia dos Estados Unidos lançou o projeto Li-Bridge, com a missão de elaborar estratégias para uma cadeia de fornecimento de baterias de lítio robusta e sustentável. Até 2030, a LiBridge quer duplicar a captura de valor atual, para os Estados Unidos aumentar a sua participação doméstica para 60%.

 

O hidrogênio verde pode ser uma boa solução de combustível para o futuro?

A aplicação do hidrogênio é mais limitada em automóveis de passageiros, porque exige uma infraestrutura complexa. Talvez seja mais viável em veículos comerciais, que percorrem distâncias longas e transportam cargas pesadas. O Brasil tem tudo para ser líder em hidrogênio verde, mas para aplicações específicas.

 

Perguntas & Respostas

 

No embalo da entrevista de Brian Collie, Masao Ukon, diretor executivo e sócio do BCG no Brasil, falou sobre a transição energética no País.

 

Frente ao cenário mundial, como está a eletrificação No Brasil?

Estamos em posição privilegiada para a descarbonização em razão dos recursos sustentáveis. Mas o caminho será mais gradual e com a combinação de forças de várias tecnologias, como motores híbridos, elétricos e flex. Não se pode descartar toda a estrutura construída em torno do etanol.

 

Aqui, há uma forte discussão se o carro elétrico realmente vale mais a pena que o etanol. Qual é a sua visão?

A discussão é difícil, porque depende do uso do veículo. Dá para dizer que biocombustíveis e motores elétricos são forças complementares. Uma combinação viável e possível.

 

O híbrido flex é uma solução ideal para o Brasil até que o mercado de elétricos esteja consolidado?

É uma tecnologia acessível e sem o impeditivo da infraestrutura. Trata-se de uma opção necessária, até porque o portfólio brasileiro é focado em carros de entrada, na qual a eletrificação pura é muito custosa. (O Estado de S. Paulo/Mobilidade/Mário Sérgio Venditti)