Renault Kardian mostra como voltar ao jogo com um bom jogador

Motor 1

 

Por muito tempo, os carros da Renault não se destacavam muito além do seu preço. Sandero e Logan nasceram com essa concepção para emplacar volume e atrair compradores com o que ofereciam de espaço e conhecida robustez, sem muito refinamento. A marca já tinha sinalizado uma melhora no Duster em 2020, mas é o Kardian quem vai realmente iniciar essa nova fase da empresa por aqui.

 

Em junho de 2022, a Renault começou a desenhar esta fase com um investimento de R$ 2 bilhões na planta de São José dos Pinhais (PR). O então anunciado SUV compacto era o Kardian, muito testado com a mula de um Dacia Stepway pelo país, e o novo motor 1.0 turbo é da mesma família do 1.3 turbo, uma prova que a marca não quer mais ser conhecida por modelos simples, mas por carros realmente competitivos no mercado e em seus segmentos.

 

(Quase) como os velhos tempos

 

O atual Dacia Stepway foi a mula do Kardian não a toa. Sua base CMF-B não é exatamente a mesma do Renault, mas muito vem de lá na chamada RGMP, Renault Group Modular Platform, que estreia no SUV compacto e dará origem a, já confirmados, dois SUVs médios e uma picape para substituir a Oroch.

 

É perceptível como a Renault evoluiu em construção com o Kardian e a RGMP. Alinhamento e gaps de carroceria evoluem, assim como o trabalho da suspensão e direção que dependem diretamente da base. Em design, o Kardian vem com a nova identidade da Renault, com o novo logo da marca e pontos-chave como os faróis em duas partes – superior com luzes diurnas e setas de direção e inferior com farol baixo e alto -, conjunto todo em LEDs.

 

Na traseira, as lanternas remetem aos SUVs globais da Renault, com formato em C e tridimensional. Nas laterais, é perceptível que a linha superior das portas e teto vieram do Stepway europeu, mas a parte inferior é própria, assim como boa parte da lataria do Kardian são apenas dele. Nesta versão, as rodas são de 17″ com pneus 205/55 e acabamento em diamantado escuro.

 

Fazia tempo que a Renault não apresentava um produto tão bonito com produção nacional. O rack no teto pode ser usado como duas barras longitudinais para objetos de até 80 kg, basta soltar quatro parafusos. O laranja Energy destaca as linhas e coloca um pouco de cor nas ruas cheias de branco, cinza e preto e está disponível para as três versões do catálogo.

 

Por dentro, o Kardian trouxe bastante do Dacia Stepway, o que não é ruim. A ergonomia é boa no dia a dia, com os principais comandos em uma área de fácil acesso e o seletor do câmbio eletrônico ajudou a liberar um espaço considerável para um carregador por indução, porta-objetos e freio de estacionamento eletrônico. Ainda é carregado de plásticos, com alguns pontos, como parte do painel e nas portas, em couro com costura laranja, e o uso de preto brilhante e prata para dar um ar mais refinado.

 

Nas portas, os apliques plásticos recebem LEDs com oito opções de cores, também presentes no painel. O aspecto dos plásticos não é o mais bonito do segmento, mas passam a impressão que terão vida longa e há cuidado nos encaixes e alinhamentos. No console central, o porta-copos pode ser removido e abre um espaço para mais objetos que precisam ficar mais escondidos. Os comandos de ar-condicionado, automático e digital, são de boa qualidade, já conhecidos de outros Renault, e de fácil uso. Se o acabamento fosse um pouco melhor, seria a Renault da época de ouro.

 

Muito além dos airbags e ABS

 

Uma plataforma vai além da parte estrutural que se faz o carro. Dentro do pacote, toda a eletrônica é prevista para os equipamentos que ela poderá ter, que no caso do Kardian, trouxe assistentes que a Renault ainda não tinha em seus modelos nacionais. De cara, são 6 airbags, algo que foi aparecer só no Duster 2024, reestilizado, e no Kardian, além dos obrigatórios controles de tração e estabilidade com, no pacote, assistente de partida em rampas.

 

O SUV tem alerta de colisão com frenagem automática, alerta de ponto-cego, piloto automático adaptativo e alerta de distância segura. Faltou o alerta de saída de faixa, mas o restante do pacote é mais interessante que o Fiat Pulse, por exemplo, e para vender um carro mais caro, tem que justificar isso. Vindo do Duster, o sistema com as quatro câmeras ajuda nas manobras, que faz conjunto com os sensores de estacionamento dianteiro e traseiro. A chave presencial, do tipo cartão, faz conjunto com a partida por botão e partida remota.

 

A arquitetura eletrônica permitiu um painel de instrumentos com tela de 7″ de boa resolução e com leitura fácil de informações importantes, como computador de bordo, velocímetro e assistentes de condução. É até mais bonito e com resolução melhor que o sistema multimídia com tela de 8″ que, apesar do espelhamento sem fios, não tem um software que se destaque como o restante do carro. Até a tela poderia ser um pouco maior caso aproveitasse melhor sua moldura, mas é uma peça herdada do Duster e Oroch.

 

Mas nada adiantaria a Renault fazer isso tudo pro Kardian e colocar seu conjunto conhecido, com motor 1.6 aspirado e o câmbio CVT. Para um game changer, a escolha de seu conjunto mecânico é essencial para, inclusive, o alinhar aos modelos que já estão nesse jogo. E temos aqui uma parceria de fazer inveja a muitos, inclusive na Europa.

 

O motor é o 1.0 turbo, com código H5DT. Ele é, literalmente, o 1.3 turbo (H5HT) que a marca já usa no Duster e Oroch, com um cilindro a menos. Não é exagero, já que eles têm os mesmos números de diâmetro e curso e tecnologias, como variador de fase nos comandos de admissão e escape, injeção direta e tratamentos para redução de atrito de partes móveis, mudando apenas o número de cilindros. Isso facilita inclusive a produção com o compartilhamento dos componentes.

 

Flex, com a ajuda do etanol sozinho ou misturado com a gasolina, tem mais potência e torque que a versão europeia. São 120 cv (5.000 rpm) e 20,4 kgfm (2.000 rpm) com gasolina e 125 cv (5.000 rpm) e 22,4 kgfm (2.250 rpm) com etanol – não é o mais potente 1.0 turbo do mercado, mas tem o maior torque. Seu par é o câmbio automatizado de dupla embreagem de 6 marchas, chamado de DW23.

 

A Renault sabe que o Brasil não tem uma boa relação com câmbio de dupla embreagem, mas usa uma caixa banhada a óleo, que melhora a refrigeração dos componentes internos, e garante que conhece bem esse tipo de transmissão pelo uso em boa escala na Europa, principalmente em híbridos – perceba que a marca já olha para um futuro eletrificado a médio prazo.

 

A evolução que a Renault tanto precisava

 

Esse segmento de SUVs compactos como o Fiat Pulse e Renault Kardian são claras evoluções dos hatches compactos. Isso não é negativo a partir do momento em que seu porte é bom para o uso urbano, principalmente nas grandes cidades cada vez mais apertadas. No Kardian, são 4.119 mm de comprimento, 1.747 mm de largura e 1.544 mm de altura, com 2.604 mm entre os eixos, números próximos ao Fiat Pulse.

 

Primeiro ponto, o Kardian tem esse perfil de SUV, mas permite uma posição de dirigir baixa, como os hatches, sem te obrigar a ter a posição alta – se quiser, pode ajustar o banco e a coluna de direção, em altura e profundidade, até achar o que prefere. A nova plataforma deu uma ergonomia correta, inclusive para pedais e volante, além dos bancos confortáveis e, curiosamente, sem a opção de couro, mas com um tecido de boa qualidade e com boa escolha de texturas e cores.

 

Por dentro, o espaço interno não vai além da categoria. Nos bancos dianteiros, o console alto não chega a prejudicar, mas o espaço para as pernas na traseira não vão além do que encontramos nos SUVs dessa categoria ou hatches compactos – a prioridade ficou para o porta-malas, com 358 litros (VDA), este sim um destaque pelo espaço e aproveitamento de todos os cantos.

 

Ao volante, o seletor de modos de condução vai do Eco, Sport e o My Sense, este configurável que ajusta respostas do motor, câmbio, peso de direção e as luzes internas do Kardian. Um botão no painel dá acesso a um menu de fácil configuração e, mesmo no Eco, por exemplo, pode optar por um ajuste mais firme da direção elétrica.

 

Na cidade, a altura e curso de suspensão são bons para valetas e lombadas. Na plataforma RGMP, a engenharia se preocupou com pontos de fixação do eixo traseiro e em ter um subchassi dianteiro que desse esse conforto e curso sem transformar a condução em algo ruim, sem estabilidade. Pelas rodas de 17″, fica um pouco mais firme principalmente na traseira, mas longe de prejudicar o conforto.

 

O motor e o câmbio tem uma conversa muito bem resolvida. No Eco, as trocas são feitas mais cedo, mas ainda aproveitando uma boa dose do torque que o 1.0 turbo já oferece em 1.750 rpm. Não há trancos e desentendimentos, só o funcionamento de um câmbio de dupla embreagem nas trocas, bem característico, mas sem ruídos que eram presença em caixas mais antigas. Solte o pé do freio e o carro começa a andar sozinho, como um automático por conversor de torque.

 

O motor moderno vibra pouco e só é lembrado pelo ronco tão característico dos tricilíndricos. Comparado a alguns 1.0 turbo da concorrência, responde rápido e cresce de forma linear e, em velocidades mais altas, acompanha com facilidade o ritmo de uma rodovia, por exemplo, mesmo carregado. Em nosso teste, chegou aos 100 km/h em 10,4 segundos e marcou retomadas na faixa dos 7 segundos, números dentro do segmento, com etanol.

 

No consumo, os 8,5 km/litro na cidade e 11 km/litro na estrada, com etanol, não são números, mais uma vez, que fogem muito de um SUV compacto com motor 1.0 turbo. A transmissão ajudou nesse número, assim como o start-stop, mas essa família de motores da Renault não são exemplares em consumo, como já conhecemos do 1.3 turbo do Duster, por exemplo. Se não fosse esse DCT, mais eficiente que um automático tradicional, seria um pouco pior.

 

Por outro lado, o Kardian surpreendeu pela dirigibilidade. Em tocadas mais animadas, todo o trabalho da engenharia é mostrado, com uma direção de respostas rápidas e que se comunica bem com o motorista, e pouca rolagem da carroceria. Passa segurança em curvas mais fechadas e o modo Sport joga as trocas de marchas para rotações mais altas. Há as aletas no volante, se preferir, mas não tão rápidas nas respostas dos comandos.

 

Que venham mais dessa nova fase!

 

Da RGMP, teremos mais três modelos nos próximos anos. E se eles forem melhorias do Kardian, teremos produtos que realmente a Renault terá orgulho de vender nas concessionárias. O próprio Kardian é um carro que os vendedores terão bem menos trabalho para emplacar do que foi Sandero e Logan.

 

Por R$ 132.790, o Kardian Premiere Edition (que deve ganhar um nome definitivo no futuro para manter esse pacote no catálogo) tem uma boa lista de equipamentos e tecnologias. As mais baratas são boas opções se você puder abrir mão de algumas coisas e já estará muito bem coberto pelo restante do conjunto, com destaque para essa nova plataforma, novo motor e novo câmbio. Quase tudo é novo para esta nova fase da Renault no Brasil. (Motor 1/Leo Fortunatti)