Para argentino, carro ainda é investimento

Revista Auto Esporte

 

Apesar dos sérios problemas econômicos existentes na Argentina, o mercado de veículos do país tem sofrido menos com a pandemia do novo coronavírus do que o do Brasil. Em maio, por exemplo, enquanto aqui as vendas caíram 75% em relação ao mesmo mês do ano passado, na Argentina a retração foi de 43%.

 

No país vizinho existe uma peculiaridade em relação ao automóvel que nem um vírus mortal é capaz de destruir. O argentino compra carro não apenas como meio de transporte, mas também com a finalidade de proteger seu dinheiro. Vários motivos o levam a isso.

 

Uma das principais razões para gastar ao invés de guardar é evitar deixar o dinheiro em bancos, um trauma que persegue a população argentina desde o famoso “corralito”, em 2001. Naquele ano, em meio a uma profunda crise econômica, o governo bloqueou todos os depósitos bancários.

 

Além disso, comprar um bem de alto valor também serve como proteção em um país onde a inflação não dá trégua. Chegou a 53,8% em 2019.

 

Outro motivo é a desvalorização da moeda local numa economia em que a escassez de dólares é um problema crônico. A cotação do dólar no paralelo tem ficado em torno de 70% acima do valor no oficial.

 

Com isso, produtos importados, cujos preços se baseiam no dólar oficial, atraem o consumidor. É uma forma de ele se “dolarizar”, como diz um economista argentino, ou de fazer um investimento seguindo seu costume. Alguns também compram carros com o dinheiro obtido por meio da venda de dólares nas casas de câmbio do mercado negro.

 

O Brasil ganha com isso, uma vez que mais de 60% dos carros vendidos na Argentina são importados do país. Em geral, as montadoras produzem modelos médios e picapes na Argentina e os pequenos no Brasil. A ideia é fazer com que o intercâmbio entre os dois países funcione naturalmente.

 

Mas nem tudo funciona perfeitamente quando se trata de Brasil e Argentina. A falta de dólares levou o governo argentino a restringir importações entre maio e junho. Isso provocou o acúmulo de centenas de carros brasileiros nos portos do país vizinho. E até falta de alguns modelos de entrada nas concessionárias argentinas, o que deixou os executivos das fabricantes furiosos.

 

No Brasil, o carro deixou de ser investimento há anos. Mas, na pandemia, alguns consumidores aproveitaram mudanças de planos para trocar o veículo. Concessionários, que atendiam quase às escondidas enquanto o comércio estava proibido de abrir, registraram algumas histórias assim.

 

É o caso, por exemplo, do cliente que havia programado uma viagem em família, mas teve que adiá-la em razão da pandemia. O dinheiro foi, então, usado para antecipar a troca do carro. Outros, desanimados com baixos rendimentos de aplicações financeiras, também optaram por “investir” em um novo automóvel.

 

Histórias como essas revelam que, na América do Sul, a dinâmica dessa indústria sempre enfrenta percalços típicos da região. Por aqui, também, o envolvimento do consumidor com os carros nem sempre segue a lógica da crise da vez. (Revista Auto Esporte/Marli Olmos)