Luta pelo reajuste do teto de isenção para PcD

A Tarde

 

A isenção de impostos e o aumento de oferta de veículos que atendem às necessidades de pessoas com deficiência fizeram as vendas desse segmento dispararem nos últimos anos. Criada em 1991 e ampliada em 2013, quando o direito ao benefício foi estendido a familiares de pessoas que não podiam dirigir, a lei inclui 52 patologias.

 

Os emplacamentos isentos de IPI, ICMS, IOF e IPVA cresceram 40% no país no ano passado, quando 370.500 veículos foram licenciados, comparados a 264 mil de 2018. Nos últimos cinco anos, esse mercado quadruplicou. Conforme o modelo escolhido, os descontos variam de 20% a 30% e os SUVs passaram a ser protagonistas deste segmento.

 

Para garantir a isenção de ICMS, em 2009 o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne os 27 secretários da Fazenda no país, estabeleceu um teto de R$ 70 mil a esses veículos, e desde então esse valor não recebeu correção. Se tomar como referência o índice de inflação IGP-M neste período, esse valor hoje deveria ser de R$ 137 mil.

 

Com a pandemia e o salto do dólar, os preços dos veículos, em boa parte com peças importadas, vêm passando por uma série de reajustes. Diante deste cenário, a Anfavea, que representa as montadoras, informou que não será mais possível atender esses consumidores com modelos a R$ 70 mil.

 

“Diferentemente da isenção de IPI, que é garantida por lei federal, a isenção ICMS é definida pelo convênio do Confaz, que de tempos em tempos rediscute o benefício. O IPI não tem limite, mas o ICMS sim. Se o valor não tem atualização desde 2009, como uma pessoa conseguirá comprar um carro com direção hidráulica e câmbio automático 11 anos depois?”, questiona Rodrigo Rosso, presidente da Associação Brasileira das Indústrias e Revendedores de Produtos e Serviços para Pessoas com Deficiência (Abridef). “Os modelos 2021 a R$ 70 mil vão deixar de existir”.

 

Após o envio de ofícios de um movimento encabeçado por Anfavea, Abridef e Fenabrave ao Confaz, a reunião do convênio que seria no dia 23 foi adiada para 30 de julho e poderá definir um novo teto para os veículos para PcD. “Em função desse movimento, a reunião foi adiada porque não estava em pauta a discussão deste tema. Como eles só se reúnem a cada três meses e a próxima será em outubro, os aumentos dos carros ocorrerão em setembro, quando eles viram 2021 e aí já não adiantaria mais”, explica Rosso.

 

“O movimento é para sensibilizar os secretários da Fazenda, presididos pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, dessa necessidade. Porque não se trata de um luxo, não é uma vantagem que a pessoa com necessidade tem”, defende o presidente da Abridef. Para isso, as entidades apoiam que o valor para isenção de ICMS seja de no mínimo R$ 90 mil, para adequar o maior volume de modelos. “São 46 milhões de brasileiros que precisam disso e podem perder o benefício”, argumenta Rosso.

 

De acordo com ele, é importante dizer que não é doença que dá a isenção. “O problema são as sequelas que as doenças deixam e limitam a mobilidade. Por exemplo, uma pessoa com diabetes: não é essa doença que dá a isenção, mas quem tem amputação por causa dela”.

 

O governo alega que perde arrecadação. “Mesmo assim, as isenções só representam de 13% a 14% de todo o volume de carros vendidos no Brasil”, afirma Rosso. Em muitos outros países, pessoas com deficiência contam com benefícios, mas, diferentemente do que ocorre no Brasil, as isenções são proporcionais à perda de funcionalidade do motorista.

 

Escassez

 

Quem lida com os proprietários de veículos para PcD sabe das dificuldades que eles vêm enfrentando. “Alguns modelos já estão com a produção suspensa por conta do aumento de custo. Neste momento de pandemia só Volkswagen T-Cross e Chevrolet Tracker continuavam disponíveis. Mas agora os pedidos estão travados por causa dos custos. As lojas não estão conseguindo atender”, explica Rose Maciel, diretora comercial da Fikisento, empresa especializada em assessorar o motorista de Salvador. Carros entregues agora, segundo ela, foram pedidos em fevereiro. O T-Cross, por exemplo, tem mais de 180 dias de espera.

 

Faz tempo que os R$ 70 mil já não são suficientes. Rose afirma que muitos consumidores precisam gastar acima de R$ 10 mil para deixar o carro mais equipado. “As montadoras vinham tirando acessórios para atender esse valor. Por exemplo, o Hyundai Creta, lançado em 2017, era completo. Tinha rodas de liga-leve, som, rack de teto e tampão do porta-malas. Hoje ele não tem nada disso. Para ter esses itens é preciso gastar R$ 9 mil a mais”.

 

De acordo com Rose, pessoas com problema de mobilidade e cadeirantes, além de terem gastos elevados, precisam de espaço. “A condição deles não é igual. Por isso a importância de aumentar o teto. Além disso, a proposta das entidades ao Confaz inclui uma limitação de potência: para ter direito à isenção de ICMS, eles sugerem atrelar a veículos de até 127 cavalos. O cadeirante não precisa de motor potente”, esclarece.

 

O ICMS cobrado na Bahia é de 12%. Já o IPI, imposto federal, varia conforme a cilindrada do motor: 7% (1.0), 11% (1.1 até 1.9) e 18% acima de 2.0. Com isso, um veículo hoje a R$ 70 mil pode sair com as isenções a R$ 57 mil.

 

Quem precisa

 

A aposentada Patrícia Roberta Neri Porto Santos adquire carros com isenção desde 2011. “Sou deficiente física, tive paralisia infantil. Está cada vez mais difícil encontrar um carro que se enquadre dentro do teto de R$ 70 mil, o que desestimula e impede que o público PcD tenha acesso àquilo que é seu direito. O valor atualmente está defasado e precisa ser revisto”, diz Patrícia. Atualmente ela utiliza um Nissan Kicks.

 

A comunicóloga Josimare de Cristo Reis, mais conhecida como Josy Brasil, quer trocar seu Hyundai Creta adaptado com comandos de acelerador e freio próximos à mão esquerda. Por ser cadeirante e ter um bebê, ela passou a precisar de mais espaço. “Se eu for procurar um carro maior, ele vai custar mais. Por isso o teto precisa ser maior, para a gente ter uma flexibilidade de escolha. O Creta que uso hoje, por exemplo, é um carro alto e eu não tenho nenhum movimento nas pernas. O acesso a ele é muito difícil porque ele não tem aquele apoio no teto. Preciso pedir ajuda para entrar e sair dele. Ou seja, era para ter autonomia e hoje sou dependente”, reclama Josy, que tem um projeto chamado Roda Comigo, que mostra a acessibilidade por Salvador.

 

Os carros que ela estuda comprar são o Renault Captur (a versão PcD até então custa R$ 69.990), Chevrolet Spin (também com opção a R$ 69.990) e o Fiat Doblò (R$ 99.990). (A Tarde/Lúcia Camargo Nunes)