A cautela dos industriais

O Estado de S. Paulo

 

Queda do índice de confiança mostra que dirigentes de empresas perceberam a gravidade dos problemas bem mais prontamente que a maior parte do governo.

 

Com algum vento a favor no segundo semestre e muito esforço, o governo poderá garantir algum crescimento econômico em 2020. Qualquer resultado acima de zero será uma vitória, a julgar pelas condições de hoje, quando a prevenção sanitária impõe severo sacrifício às vendas e à produção. Pela nova previsão oficial, anunciada na sexta-feira à tarde, poderá haver expansão de 0,02%. Mas é preciso, para começar, uma avaliação realista do desempenho alcançado até o advento da epidemia do novo coronavírus. O aumento do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado, de apenas 1,1%, foi um fiasco. A recuperação a partir do fim do ano, mencionada com insistência pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, foi menos notável do que ele tenta fazer crer – e certamente menos entusiasmante.

 

Em março, o Índice de Confiança do Empresário Industrial (Icei) caiu para 60,3 pontos, com recuo de 4,4 pontos em relação ao nível de fevereiro, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Continuou bem acima de 50, linha divisória entre otimismo e pessimismo. Foi superior, também, à sua média histórica, de 52,4 pontos. Mas, depois de registrar esses dados positivos, é preciso dar atenção a um detalhe menos luminoso.

 

Em apenas três ocasiões a queda havia superado 4 pontos, desde janeiro de 2010, quando foi iniciada a apuração mensal. Foram três momentos muito especiais. O indicador caiu 4,8 pontos em julho de 2013, época de manifestações contra o governo; 4,2 pontos em fevereiro de 2015, no começo da última recessão; e 5,8 pontos em junho de 2018, quando o País sofria os efeitos do bloqueio de estradas pelos caminhoneiros.

 

Em março, recuaram os dois grandes componentes do Icei.

 

O Índice de Condições Atuais caiu 4,1 pontos. O de Expectativas baixou 4,6 pontos. Como ocorre com frequência, a avaliação das perspectivas da própria empresa foi mais favorável que a das condições econômicas. As expectativas baixaram 5,9 pontos em relação à economia brasileira e 3,9 pontos em relação à empresa.

 

A pesquisa, com participação de 2.420 empresas, foi realizada entre 2 e 11 de março, quando já se podia perceber, no Brasil, o risco econômico associado ao novo coronavírus. Não se informa, no relatório divulgado pela CNI, o peso desse risco na avaliação dos empresários consultados. Pelo menos uma parte deles, é razoável supor, deve ter levado em conta os efeitos da epidemia no comércio global. O impacto nas cadeias de produção já era perceptível, por causa da importância da China como fornecedora de componentes. Parte da indústria brasileira já acusava o problema.

 

Mesmo com alguma limitação, dirigentes de empresas perceberam a gravidade dos novos problemas bem mais prontamente que a maior parte do governo. Só no fim da segunda semana de março o ministro da Economia deu sinais de alguma preocupação com os efeitos colaterais da epidemia. Mas só na última segunda-feira, dia 16, a equipe econômica apresentou um conjunto razoavelmente amplo e articulado de medidas para conter, ou atenuar, os danos econômicos causados pelo surto do novo coronavírus. No passo seguinte o Executivo solicitou ao Congresso a declaração de estado de calamidade, condição para o necessário aumento de gastos federais. Esse aumento é indispensável para as ações de proteção da vida e para a redução dos piores efeitos econômicos da epidemia. Era urgente programar algum apoio financeiro aos grupos economicamente mais frágeis. Era preciso, também, oferecer suporte às empresas e alguma proteção ao emprego, já muito baixo.

 

Em fevereiro, segundo a CNI, a atividade industrial e o emprego só se mantiveram em alta nas grandes empresas. No conjunto, houve queda em relação ao nível de janeiro, segundo a sondagem divulgada na sexta-feira. Dados oficiais, produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), devem ser publicados no começo de abril. Em janeiro, a produção industrial, segundo o IBGE, cresceu 0,9%, tendo acumulado queda de 2,4% nos dois meses anteriores. O vírus torna o quadro bem mais complicado. (O Estado de S. Paulo/Antonio Carlos Pereira, Direito de Opinião)