O Estado de S. Paulo
Esta é hora de escuridão, de muitas perguntas sem resposta. Pelo que se ouve dos relatos, até mesmo os epidemiologistas divergem sobre os critérios a serem adotados nas estatísticas para acompanhamento da pandemia.
Além de arriscadas, contêm certa dose de leviandade as afirmações de que a China começa a virar o jogo e a de que um ciclo de três ou quatro meses, de aumento e recuo do vírus, vai se repetir por toda parte. Pelos padrões da peste bubônica na Idade Média e da gripe espanhola de há pouco mais de cem anos, a força do coronavírus pode ir embora e voltar, como as marés. Se for assim, as defesas armadas nestes últimos quatro meses ao redor do mundo não podem ser afrouxadas até que as vacinas (ou os remédios) estejam disponíveis para a população global.
A teoria econômica e, mais do que ela, a prática da política econômica têm remédios diferentes para cada tipo de choque. Se for de demanda, cabe ativar o crédito e, em casos extremos, distribuir recursos para o consumo. Se for de oferta, o melhor caminho pode ser reduzir impostos e aumentar os subsídios à produção. O problema, desta vez, é que os dois choques vêm misturados. O confinamento da população e o fechamento do comércio, conjugados com o desemprego e a queda da renda, vêm prostrando o consumo e a procura de serviços, até mesmo os essenciais. A paralisação de fábricas por falta de insumos e de peças, agravada também pelo confinamento, abate a oferta de mercadorias e serviços.
Os bancos centrais vêm atuando agressivamente. Mas não podem tudo. Ficou inevitável, agora, o aumento das despesas públicas em todo o mundo. Se forem investimentos de infraestrutura, por exemplo, além de proporcionar mais emprego, ajudarão a criar renda e ativar o consumo. Se a resposta das autoridades for nessa direção, o endividamento dos Tesouros deve aumentar. A atenuante aí é a de que os juros estão no chão e, desse ponto de vista, podem reduzir os custos.
Assim como o alastramento da pandemia pode ceifar as vidas de cerca de 10% da população mundial, como cogitam alguns epidemiologistas, o choque econômico também produzirá alguma mortandade entre as empresas mais enfraquecidas. Os recursos de última instância que os governos estão dispostos a prover poderão não ser suficientes para salvar a maioria. E aí é preciso ver até que ponto os bancos estão expostos a riscos de calote. É nessas horas que se vê a importância da adoção dos critérios de Basileia, que exigem dos fornecedores de crédito um mínimo de capital próprio para passar incólumes por situações como essa.
Mesmo governos eficientes de países bem resolvidos enfrentam dificuldades numa guerra dessa natureza, porque o setor público está sempre amarrado na mobilização de políticas e de recursos, posto que está sujeito a regras e precisa negociá-las com os parlamentos e tribunais de contas.
No Brasil, as dificuldades aumentam porque o governo está dividido e o presidente da República segue negando a gravidade da situação. Continua dizendo que a crise está sendo usada pelos inimigos para alijá-lo do poder. Nessas circunstâncias, fica difícil obter um mínimo de eficácia no contra-ataque. (O Estado de S. Paulo/Celso Ming)